I´m not here.
This isn´t happening.
Thom Yorke dos Radiohead in How to Disappear Completely, álbum Kid A
666.
Diz a cultura apostólica evangelista católica greco-romana coiso (e também berravam esganiçadamente os Iron Maiden), que seiscentos e sessenta e seis é o número da Besta.
Como o mui querido leitor por esta hora já estará farto de saber, o Velopata é um moço sempre disposto a contribuír, como quem contribui mesmo. Assim, não será surpresa nenhuma que ele tenha já preparado uma carta registada e com aviso de recepção para entregar no Vaticano, essa capital mundial da pedofilia, propondo que esse mesmo número seja alterado para algo mais moderno.
66-XX-66.
Decerto o querido e pro-activo leitor se prepara já para deixar o sossego do lar e saír por essas ruas, ruelas, estradas e becos, procurando a matrícula em questão, munido de um espigão de carbono de alto módulo para encostar no lombo do enlatado condutor acima identificado que atentou contra a vida deste vosso companheiro, palhaço e amigo do duro circo que é a vida do pedal, no entanto, o Velopata ressalva que esta é uma matrícula meramente ilustrativa.
Algo que quem acompanha este querido espaço velocibernético com certeza também já saberá é o facto de o Velopata ser um acérrimo praticante e defensor do commuting, ou seja, é um commuter que, bifesismos e anglo-saxocámonices à parte, mais não é que o moço que opta pelo recurso à bicicleta como meio de transporte. Verdade seja escrita, ele também é um obcecado pela variante desportiva do ciclismo de baixa competição e longas distâncias, mas esse não é o motivo pelo qual o Velopata chega hoje até vós.
De entre os muitos tipos de volta velocipédica praticada pelo Velopata, certas voltas há em que o único objectivo velopático é sofrer; seja pelo percurso escolhido, a passagem nesta ou naquela dura subida, a fofura de São Pedro e o seu vento dominante sempre contra ou até mesmo pela ressabiada companhia que exige sempre mais da perna. Depois existem voltas descontraídas onde, caso a companhia não seja do mais alto nível de ressabio e São Pedro colabore, são de um relax quase perfeito, óptimas para a recuperação muscular e limpeza da alma conspurcada pelo stress do quotidiano.
Depois há aquelas voltas onde só um objectivo existe.
Sobreviver.
E é sobre um desses dias que o Velopata hoje vos escreve.
O dia começou como outro qualquer; ainda a Srª Velopata e o Velopatazinho faziam rolos de treino psicológicos no aconchego dos lençóis, já o Velopata tomava o seu pequeno-almoço ouvindo orgulhosamente aqueles roncares, metia mais um prego no caixão na sua sacada (será que se produzem caixões em carbono de alto módulo?), para depois dedicar umas duas horitas a escrevinhar estas parvoíces que vocês agora lêem.
Banhoca tomada, Velopata perfumado e quando os ponteiros do relógio bateram as 08:45 de uma manhã de Janeiro deste ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de 2018, o Velopata fez-se à estrada na sua Cappuccino, transbordando vontade e motivação para rapidamente cumprir o trajecto entre o conforto do lar e o local onde afincadamente labuta.
Segue-se uma extensa cronologia dos reais e até absurdos acontecimentos desse dia. Note, querido leitor, de modo algum este é um texto de ficção – trata-se sim da mais pura realidade urbano-velocipédica que o Velopata todos os dias enfrenta.
08:45:00 – Velopata lança-se à estrada na sua Cappuccino.
08:45:10 – Uma senhora nas suas quarenta-e-poucas asininas primaveras, a bordo de um enlatado branco, decide que não vale a pena respeitar o Código da Estrada e aguardar 5 míseros segundos que permitam ao Velopata passar antes de esta virar a sua lata para um pequeno parque de estancionamento. Por milagre de Santo Tektro e os seus bons travões de ferradura, o Velopata não pinta aquelas portas num bonito tom vermelho vivo, com a grande diferença que seria um vermelho… Morto. Gesticulando de braços no ar e questionando a Besta quando ao cumprimento do Código da Estrada, esta espectacularmente bem-educada retardada responde do interior da lata com um manguito, devendo o querido leitor notar que o Velopata não se refere à sempre importante peça de indumentária velocipédica.
“Que óptima maneira de começar…” – pensa um Velopata para com a sua adorada Cappuccino, sempre muita forte em sarcasmo.
08:45:25 – Na estrada que dá acesso a uma das mais movimentadas avenidas de Faro e arredores, o cruzamento divide-se abruptamente em duas faixas de rodagem; para a esquerda quem depois de entrar na referida avenida quer virar à esquerda, invertendo a sua marcha, a outra para quem decida seguir pela direita, continuando na referida avenida. Obrigado a seguir pela esquerda de modo a inverter a sua marcha, qual não é o espanto velopático quando um enlatado se assoma pela esquerda velopática, passando uma daquelas razias onde o espelho lateral direito da lata razou a escassos centímetros da mão velopática. Ainda nem a informação de mandar vir tinha passado dos neurónios do Velopata para a musculatura das suas mãos e já o enlatado guinava bruscamente para a direita, forçando a nova intervenção de Santo Tektro de modo a que este vosso compincha não se esbardalhasse contra a traseira direita da lata.
Qual a lógica daquela Besta? Ultrapassar o Velopata com uma monumental razia pela esquerda para depois virar à direita, quando logo no início da sua jericóide manobra esta Besta poderia perfeitamente ter seguido a sua miserável vida sem importunar o Velopata, passando-o pela direita?
08:47:00 – Já na avenida acima referida, sabendo que tem de virar à esquerda de modo a inverter a sua marcha, Velopata e Cappuccino encostam-se à berma esquerda da estrada. Entrando no separador e mantendo-se sempre encostado à esquerda eis que o Velopata ouve uma tremenda aceleração atrás de si e novamente fica derreado quando sente uma Besta Munida de um Wagen (em português corriqueiro dir-se-à BMW), passar-lhe uma razia pela direita.
No cruzamento para a efectiva mudança de direção esta B.M.W. é forçada a parar devido ao trânsito e claro, o Velopata pára a seu lado, fazendo sinal à Besta que não havia necessidade nenhuma de ter passado aquela razia.
“Vai para o ca#$&@o! Não tens nada que andar aí!” – é a resposta que surge do interior da lata.
Incrédulo, o Velopata não pode deixar de reflectir nas comparações que podem existir entre esse primitivo desporto que é o futebol e a condução de um enlatado; ambos permitem mostrar as melhores qualidades e virtudes das quais esta espécie habitante deste terceiro calhau a contar do Sol é capaz.
08:49:15 – Aproximando-se do sumáfro detector de velocidades escandalosas e que serve também como passadeira para peões (esses bichos humanos que ainda não descobriram a maravilha da bicicleta), o Velopata vê o mesmo caír para amarelo e depois para vermelho. Ou encarnado.
Ou anda tudo daltónico ou é a velha piada dos luminosos sinais de trânsito da côr do tintol… 1, 2, 3, 4, 5 enlatados aceleram passando com o sumáfro amarelo e ainda outros 4 passam já com o vermelho. Ou encarnado.
Claro que o Velopata cessou a sua pedalada aguardando a mudança do sinal luminoso, no entanto, não pode deixar de pensar nos ciclistas, essa vergonhosa tribo urbana que não respeita os sumáfros. Pelo menos é o que dizem os civis na internet e diz também aquele asno da A.N.S.R. (Associação Nacional de Segurança Rodoviária). Facto engraçado é que do outro lado da avenida, também um outro ciclista esperava a mudança do sinal luminoso enquanto o Velopata contou mais 2 latas cujos animalescos condutores deviam sofrer de daltonismo em monte, passando o sinal vermelho, ou encarnado, a toda a velocidade furiosa.
08:49:45 – Seguindo na avenida de duas faixas, o Velopata seguia bem encostadinho ao passeio direito quando uma enlatado de transporte de pão passa uma daquelas razias em que tudo abana; bicicleta, cérebro, tintins e esfíncter. A grande piada é que no momento da razia não seguia um único enlatado na faixa da esquerda.
O Velopata ainda acelerou mas o sumáfro seguinte encontrava-se verde e não foi possível apanhar aquela outra Besta Panificadora. Ainda assim ficou a nota mental de que nessa noite, caso o Velopata sobrevivesse a este dia, ele iria notificar a Srª Velopata que nunca mais fosse que produto fosse daquela panificadora iria entrar no seu lar.
08:50:25 – O Velopata aproximou-se de um ponto de stress já sobejamente conhecido que é a entrada do Hospital de Faro. Muitos enlatados viram aí à esquerda o que, fruto dos outros enlatados vindo em sentido contrário e que pretendem aceder à avenida, geram o caos enlatado, lembrando o Velopata do dia em que viu uma criança amuada varrer uma prateleira de latas de conserva para o chão do hipermercado.
Este dia não foi diferente. Aí a uns 2 metros de distância lá estava a fila das várias latas que pretendiam aceder ao Hospital e mais uma vez o Velopata foi surpreendido pela aceleração de uma Besta atrás de si que o tentava ultrapassar.
Que tipo de guano poderia preencher aquele cérebro de Besta que pensou sériamente em ultrapassar o Velopata com uma fila de enlatados parados a escassos 2 metros? Atente-se que este troço de alcatrão nem é assim tão largo e outros enlatados surgiam de frente mas, lá está, a pressa daquela Besta era certamente maior que a do Velopata e os 5 segundos que a Besta não iria poupar com aquela perigosa manobra fariam certamente toda a diferença.
A única explicação encontrada pelo Velopata reside na sexualidade da Besta que conduzia a lata – seria uma bicha com pressa para se juntar à bicha?
08:52:15 – Aproximando-se do Estádio do Farense, a berma da estrada parece tudo menos alcatrão, lembrando o Velopata do mítico Paris-Roubaix. Ora se esses trucidados pedaços do que em tempos foi alcatrão já são horríveis de transpôr a bordo de uma montada full aero carbon, imaginem numa bicicleta dobrável de roda 20″, not aero aluminium.
Apesar de já ter um Velopatazinho e as intenções do casal Velopata quanto ao aumento de futura progenia terem cessado – o Velopata gosta demais das suas partes baixas. Forçado a desviar-se para o centro da sua faixa de rodagem, o Velopata seguia quando sem que nada o fizesse prever, um daqueles enlatados que diz que é Smart passa uma outra monumental razia ao Velopata, razia essa que se torna ainda mais animalesca quando se atenta ao facto de que escassos metros à frente existe uma curva cega. Se naquele momento um outro enlatado se aproximasse de frente… Bem, há que ver a coisa pelo lado positivo – o Velopata encontrava-se perto da entrada do Hospital.
A pressa daquela Smart –Besta era tanta que uns metros à frente foi forçado a parar no cruzamento. 2 segundos depois, chegou o Velopata ao cruzamento e existindo espaço à direita da Smart-Besta, o Velopata aproveitou para passar por ela, fazendo o sinal de OK com a manápula e agradecendo a razia.
Qual não é o espanto velopatóide quando vê o vidro direito da lata baixar, gritando a Smart-Besta do interior, um macho nos seus trinta-e-muitos anos;
“O que é que foi pá? Qual é o teu problema pá?” – berrou a Smart-Besta.
“Havia necessidade de passar aquela razia como passou ali atrás?”
“Tu vinhas no meio da estrada!”
“Há alguma lei no Código da Estrada que impeça um ciclista de pedalar no meio da estrada?”
“Eu vou trabalhar pá, não tens nada que andar a atrapalhar a vida dos outros na estrada!”
“Epá… Você tem razão, a minha mulher já me disse que não devia fazer isto de levantar-me cedo para vir pedalar no meio da cidade e no meio da estrada só para vos atrapalhar mas é um vício que tenho. Já agora diga-me lá uma coisa… Você deve gastar um balúrdio em suspensões, não?
“Hã?”
“Suspensões! Você deve gastar um balúrdio em suspensões se não se desvia dos buracos!”
“O que é que isso tem a ver?”
“A bicicleta ia no meio da estrada para se desviar dos buracos que estão ali atrás na berma. E já agora… Você chegou aqui quantos segundos antes? Dois segundos? Decerto esses dois segundos devem ser muito importantes para justificarem colocar outro ser humano em perigo.”
“E se fosses para o ca#$@ho? Vocês ciclistas agora andam com o rei na barriga!”
“Ah! Ah! Ah! Como é que é?” – o Velopata não pode deixar de soltar uma sonora gargalhada ante tamanha barbárie.
“Sim, desde que o Código mudou que vocês andam com a mania que a estrada é toda vossa.”
“É um menino ou uma menina?”
“Hã?”
“Você tem aí atrás um ovinho daqueles para transportar bebés. É um menino ou uma menina?”
“É um menino. Porquê? O que é que tu tens a ver com isso?”
“Nada, mas é curioso. Pode ser que esse menino um dia também opte pela bicicleta como meio de transporte na cidade e com sorte pode ser que você até veja alguém fazer ao seu filho o mesmo que você me fez ali atrás. Era giro, não era?”
“Vai mas é p´ó ca£§#ho pá!”
Acelerando bruscamente, aquela Besta desapareceu da vista do Velopata, deixando-o convencido que aquela frase da internet que diz vivermos na época da tecnologia smart operada por imbecis é bem real.
Todos os dias o Velopata atribui um prémio mental que ele intitula de B.D.D..
Significa a Besta Do Dia.
Este Smart-Besta era um sério candidato ao prémio, infelizmente para ele a concorrência é muita forte no que à estupidez por trás de um primitivo motor, quatro rodas e muita chapa, respeita.
08:55:32 – Ainda de cérebro atordoado ante tanta labreguice junta, o Velopata iniciou a descida contígua à bancada que ainda não caíu do Estádio do Farense. Sendo uma descida relativamente inclinada e não esquecendo que o Velopata seguia na sua Cappuccino, que é uma bicicleta dobrável roda 20″, ele muitas vezes nem pedala, deixando-a deslizar descida abaixo e mantendo uma velocidade abaixo dos 35 a 40 km/h, uma vez que ultrapassando essas velocidades, a Cappuccino comporta-se como um indomável corcel dando coice atrás de coice.
Sensivelmente a meio da descida existe a saída de um parque de estancionamento, onde o Velopata vê assomar um enlatado daqueles tipo banheira, só que em vermelha. A Besta no interior da lata olha para o Velopata e vendo a mais ou menos rápida aproximação velopática, o que faz?
Atira a enlatada banheira vermelha para a frente do Velopata.
Novamente o Velopata se vê obrigado a recorrer com toda a sua convicção ao Santo Tektro, até porque sendo a lata vermelha, pintar aquelas portas e traseira em vermelho vivo de sangue velopático não teria grande piada pois não se iriam notar diferenças na côr, salvo, talvez, os pequenos pedaços de tripas e mioleira velopática que lá ficassem colados.
Imobilizado no alcatrão, dado o real cagaço, o Velopata viu enquanto a Besta vermelha, ou Besta encarnada, seguiu o seu caminho, completa e totalmente indiferente à ameaça de integridade física velopatóide que havia cometido.
O azar da Besta é que escassos metros à frente lá estava outra fila de enlatados, sendo forçado a parar. Irritado até às mais profundas sinapses, o Velopata acelerou para só parar do lado esquerdo da lata, olhando para o interior; um raro autocolante nos seus quarenta-e-muitos anos conduzia a lata vermelha, trocando mimos e fofuras com uma moça no assento do pendura que, para além de parecer uns trinta anos mais nova que ele, aparentava ser estrangeira lá de fora, de um qualquer país do leste da Europa.
“Ó Velopata, não sejas preconceituoso. O amor não escolhe idades.” – pensou o Velopata para com a sua Cappuccino.
Com dois toques leves no vidro, porque esta malta é toda muito xoninhas com as suas latas, o Velopata chamou a atenção da Besta.
Baixando o vidro, a Besta arrancou logo com uma entrada qual Mark Cavendish a meia dúzia de metros da meta;
“O que é que foi?”
“Você viu o que fez ali atrás?”
“O que é que eu fiz?”
“Se não fossem estes travões a esta hora estariam a raspar-me da sua traseira.”
“Então, mas eu acelerei.”
“Como é que é?!?!?!”
“Eu vi que você vinha lá mas acelerei quando entrei.”
“Ah… OK… Bem, desculpe lá, é que desconhecia essa lei do Código que diz que mesmo quando se tem um STOP não faz mal em forçar o outro a uma travagem brusca desde que se acelere.”
“Mas qual é o seu problema?”
“Nenhum, o meu problema não é nenhum. O problema será é seu quando em vez de uma bicicleta vier de lá um camião TIR e você seguir essa sua lógica.”
“Epá mas você viu a velocidade a que você vinha?”
“Uai?!?!?! Como é que é?!?!?”
“Sim, você vinha claramente em excesso de velocidade!”
“A sério?!?! Você está a dizer que uma bicicleta dobrável de roda vinte, que ao passar dos trinta quilómetros por hora começa a chocalhar que nem juncos verdes, vinha em excesso de velocidade?”
“Eu bem vi a velocidade a que você vinha, não se faça de vítima.”
“Epá, desculpe-me mesmo. Você tem toda a razão. Eu vinha claramente a mais de cinquenta quilómetros por hora. Sabe, eu só não ando a correr a Volta a França nesta bicicleta dobrável de roda vinte porque as equipas lá fora ainda não ouviram falar de mim.”
“Vá mas é para o ca£§&ho!” – ripostou a Besta enquanto arrancou e desapareceu da vista do Velopata.
É só impressão velopática ou os portugueses têm uma fixação qualquer com a genitália quando atrás de um volante? É forte convicção velopática que o Ministério da Administração Interna devia investir num estudo para tentar perceber esta maleita; não se devendo esquecer que há por aí muito macho que opta por uma grande, poderosa e cheia de cilindrada lata, de modo a compensar e preencher aquele vazio que têm no meio das pernas.
08:57:40 – O Velopata entra num dos outros preocupantes segmentos da sua pedalada quotidiana; uma rua de um só sentido, relativamente estreita e onde se podem apenas estancionar as latas do lado direito da faixa. Curiosamente, todo o santo dia encontram-se lá latas estancionadas de ambos os dois lados da estrada, o que provoca muitas complicações aos enlatados de maiores dimensões que lá passam, bem como aos peões que optem por utilizar o passeio esquerdo que fica assim preenchido por latas.
Mas lá está, os ciclistas é que dão um péssimo exemplo ao pedalar no passeio pois nesse mundo que são as caixas de comentários da internet, o que não falta é malta a criticar os ciclistas, esses prevaricadores que ameaçam tudo e todos com as suas bicicletas. Curiosamente, nem existem estatísticas sobre peões atropelados por bicicletas, tal a regularidade com que acontecem. Já os enlatados que atropelam a uma espectacular média portuguesa de 5 peões por semana… A culpa é dos peões. Óbvio.
Até porque todos sabem; os passeios foram inventados para os enlatados estancionar.
Além da quantidade de enlatados estancionada, esta estreita rua tem outra particularidade – é uma espécie de Grand Canyon, só que em farense.
Sabendo que a pressa dos enlatados é sempre maior que a nossa, o Velopata tem o cuidado de salvaguardar a sua posição; ocupa o centro da faixa pois é onde o alcatrão está em menos pior qualidade, além de que já por uma ou outra vez uma das muitas latas estancionadas abriu as suas portas repentinamente, quase provocando o encontro imediato velopático de não-se-sabe-quantos-graus-mas-seriam-certamente-muitos-pontos-nas-Urgências com a referida porta.
Seguia o Velopata no centro da faixa quando sente uma aceleração violenta atrás de si. Um enlatado branco de enorme dimensão seguia na sua roda, tão perto, mas perigosamente tão perto, que forçou o Velopata a quase varrer um sem número de espelhos esquerdos dos vários enlatados estancionados à direita da faixa, quando forçou a ultrapassagem. Ainda hoje o Velopata se questiona como foi possível aquela ultrapassagem sem o espelho direito da lata não ter embatido na pobre cabeça velopática, provocando o monumental esbardalhanço.
Era um enlatado de um conhecida marca de distribuição de encomendas que, por receio da retaliação na estrada, o Velopata não poderá aqui revelar o nome. Mas fica a dica; a primeira palavra da referida empresa é Chrono e a última é post.
Por sorte a Chrono-Besta apanhou o sumáfro verde lá na frente e não parou.
08:59:17 – Finalmente o sobrevivente Velopata atinge a baixa farense e qual não é o espanto quando vislumbra a tal lata da empresa, cujo primeiro nome é Chrono e o último post, a pedir indicações a… Um Agente da Autoridade da PSP.
Acelerando para apanhar o dueto, a Chrono-Besta apercebeu-se da aproximação de um Velopata furibundo até à mais infíma molécula e acelerou dali para fora.
“Sabe, deviam era tirar a carta de condução àquela besta que ali vai!” – comentou o Velopata quando chegou junto do Agente da Autoridade.
“Tenha lá calma, o que se passou?” – indagou o Agente da Autoridade.
“Você devia ter visto a razia que ele me passou lá atrás. Foi por milagre que não me atropelou.”
“Pois, sabe como é… Esta malta da distribuição anda sempre com pressa.”
(um momento de silêncio para deixar esta resposta do Agente da Autoridade penetrar bem no cérebro do querido leitor)
O leitor deve agora preparar-se para o remate final desta, no mínimo, piada ou anedota, que só não o é por ser bem real.
O Agente da Autoridade pertencia às Brigadas de Patrulhamento de Proximidade da PSP, ou seja, era um daqueles polícias que anda sempre de… Bicicleta.
(mais um momento de silêncio à memória da pobre bicicleta do Agente da Autoridade que, pobre coitada, tem de levar com aquele Defensor de Bestas no seu selim)
O Velopata olhou em volta; seria isto uma daquelas encenações para os Apanhados da Televisão? Onde estariam as câmeras? A equipa de filmagens?
“Epá você tem toda a razão, deve ser por isso que acontecem tantos crimes e poucas condenações; não há advogado que em tribunal não diga ao juíz que ele saberá muito bem como é… Um bandido tem de roubar, um violador, quando a vontade aperta, tem de violar e Ricardos Salgados e companhias têm mais um avião privado para comprar…”
Se o Velopata respondeu mesmo isto ao Agente da Autoridade?
Claro que não.
O Velopata fez aquilo que a cada dia que passa, acredita ser o melhor… Desistir da humanidade e seguir o seu caminho.
08:59:47 – Na baixa farense, o Velopata atinge aquele segmento que é o verdadeiro e autêntico Paris-Roubaix – a estrada em paralelipípedo. Aí o Velopata opta sempre por desmontar da sua Cappuccino e percorrer aqueles últimos metros até ao local onde afincadamente labuta a penantes.
Em antes de chegar à porta do edifício onde árduamente labuta, o Velopata tem sempre de atravessar uma passadeira. Seguia o Velopata com a sua Cappuccino pela mão quando um enlatado azul se assoma da passadeira e olhando para o Velopata, decide atirar a lata para a sua frente.
É importante frisar que o Velopata não ia atravessar a passadeira montado na sua bicicleta. Há muito que ele já a trazia pela mão.
À medida que a Besta olhava desafiadoramente para o Velopata, este não pode deixar de sorrir ante tanta brejeirice, enquanto questionou sonoramente;
“Então? Isto é uma passadeira!”
“Vai p´ó ca#§£ho que as bicicletas não têm prioridade nas passadeiras!” – foi a resposta da Besta.
O Velopata não aguentou mais.
O Velopata riu.
Depois chorou.
Depois riu ainda mais.
Depois chorou ainda mais.
Estava encontrado o mais forte candidato a B.D.D. (Besta Do Dia), e já este se afastava e o Velopata não conseguia parar de soluçar.
A grande realidade é que Portugal ainda tem elevados índices de analfabetismo. Talvez aquela Besta tenha mais ou menos conseguido ler na internet que as bicicletas não tinham prioridade nas passadeiras, agindo em conformidade (vê, querido leitor, como o Velopata por vezes até desculpa as bestas, não promovendo o gratuito achincalho?).
09:02:11 – Finalmente o Velopata chega ao local onde afincadamente labuta, sentido-se obrigado a cravar mais um prego no caixão para acalmar os nervos, seguindo-se uma passagem pelo wc para verificar a integridade e higiene da sua roupa interior, dados os reais cagaços dos quais foi acometido.
Mas se o querido leitor acredita que a coisa terminou por aqui… Engana-se redondamente.
Faltava ainda o regresso ao lar com o árduo dia de labuta cumprido.
De noite.
O que só contribui para melhorar a aventura.
Fim da primeira parte
Abraços velocipédicos,
Velopata
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