Os Senhores do Bikepacking – uma trilogia natalícia – parte II

OS SENHORES DO BIKEPACKING

Uma Trilogia Natalícia

Parte II

– Sabem, acho que sabe a bacalhau. – comentou Mateus.

– Achas? A mim sabe-me a polvo. – retorquiu Melchior.

– Nada disso, sabe sim a cabrito. – discordou Baltazar.

– Pois a mim sabe-me é a litão. – rematou Gaspar.

– Litão? – questionaram os comparsas em uníssono – Qu´é isso?

– É um prato típico que se come nesta altura do ano lá para os lados de Olhão. Se calhar vocês não o conhecem como Litão e sim Peixe-Preto. – explicou Gaspar.

– Epá ó Gaspar, não te conhecia essa faceta. – notou Baltazar.

– Uai, que faceta?

– És racista. Olha que até o Melchior olhou para ti de lado quando te referistess a esse produto da pesca como Peixe-Preto. Já devias saber que não se deve dizer isso, deves dizer sim Peixe de Côr.

Os 4 comparsas de aventura aqueciam seus corpos junto da fogueira e degustavam…

– Ei, ei, ei, ó Velopata! Então mas no final da primeira parte (link aqui), restavam 5 aventureiros no topo do Monte Hérmon e agora já só estão 4? Não falta aí o Herodes? O que lhe aconteceu? – questionam os mui assertivos leitores.

E tendes razão – mas a verdade é que confrontados com a falta de sestércios e uma larica daquelas, os aventureiros optaram pela única lógica solução à qual os bichos humanos recorrem quando em grupo, isolados e perdidos no meio de nenhures, acometidos de uma fome sem fim.

Canibalismo.

E assim Herodes saltou fora deste conto natalício.

Ou melhor, foi comido para fora deste conto natalício.

Juntando as delapidadas ossadas de Herodes numa pequena vala coberta por terra, porque mesmo entre canibais existem mínimos sociais que se devem respeitar, os 4 companheiros, agora de pandulho cheio e com suas Bicicletas de rodas quadradas ainda em mais pesadas (a Bicicleta de Herodes foi desmembrada para peças suplentes a repartir pelos vários alforges), lançaram-se na complicada descida técnico-táctica do Monte Hérmon.

Imagine-se.

Inclinações negativas de 13 e 14%. Apenas alumiados por uma ténue candeia frontal que nem o carregamento por uéssebê permitia.

Numa Bicicleta de rodas quadradas.

Se sobreviver a uma pedalada destas não foi bíblico, o que será?

Dia 25 de Abril do ano 0 de Nosso Senhor Joaquim Agostinho

– Malta, sabem onde vamos entrar? – berrou Mateus por entre o forte vento lateral que ameaçava partir o pelotão.

– Onde? – inquiriram em uníssono.

– Na Anatólia!

– Anal quê? – inquiriu Melchior.

– A-N-A-T-Ó-L-I-A pá!

– Foi o que eu disse!

– Então mas o que tem essa tal de Analtólia de especial? – questionou Gaspar.

– É ANATÓ… Bah, esqueçam…

– Não pá, conta lá! – insistiram ambos os três.

– A Anatólia é território hitita. Sabem quem são os hititas? E principalmente, o que eles têm?

Ninguém respondeu. Cerraram os dentes contra o poderoso vento lateral que ameaçava com seus abanicos mas Mateus explicou na mesma – os hititas, para além de povo extremamente aguerrido, usavam todos cabelo comprido e tinham um qualquer internacionalmente reconhecido fétiche com quadrigas. Parece que toda a gente andava de quadriga para todo o lado, inclusivé Mateus tinha já ouvistado polémicas publicações highfivianas de académicos que afirmavam as quadrigas estarem a transformar-se num grave problema de saúde pública. Não respeitavam o Código das Via, conduziam em excesso de velocidade e velocidade excessiva, estancionavam por todo o lado, às vezes chegando mesmo a engalfinhar-se em confrontos intraespecíficos devido aos estancionamentos em segunda fila, mas o pior… O pior eram os atropelamentos. Segundo dados da D.G.V.R., Direcção Geral das Via Roma, Anatólia era dos piores locais da época para ser peão.

– Usam todos cabelo comprido é? – inquiriu Melchior.

– A sério que foi só isso que retiveste de tudo o que acabei de explicar? – ripostou um furioso Mateus.

– Isso deve é dar uma série de confusões de género se usam todos cabelo comprido. Vai na volta e é por isso mesmo que a terra deles se chama Analtólia.

Mateus não respondeu – trocadilhos básicos não o poderiam demover da concentração no horizonte – ele sabia que uma lata de não-sei-quantas-toneladas puxada pela potência de 2 a 3 equinos era idéia que devia estar condenada ao fracasso histórico no Grande Esquema das Coisas mas, enquanto a bicharada humana não percebia isso… Todas as cautelas seriam poucas.

Dia 26 de Abril do ano 0 de Nosso Senhor Joaquim Agostinho

Mateus é atropelado e morto, assim saltando fora desta epopeia bíblica.

(Nota do autor: desde já ele (o autor), deixa aqui as mais sinceras desculpas pelo impacto e choque que esta abrupta revelação pode causar.)

O quarteto atravessava uma rotunda quando uma quadriga sem prioridade se lançou na exacta trajectória de Mateus.

Morte lenta e agonizante aguardava Mateus; trespassado por um dos eixos das rodas da quadriga esvaía-se em sangue e vísceras e tripas e coiso enquanto o condutor da quadriga, notóriamente alcoolizado com um bafo capaz de fazer murchar os mais resistentes eucaliptos, insistia perante as Autoridades hititas que não tinha ouvisto o quarteto aproximar-se, reiterando que a iluminação destes não era a adequada. O outrora quarteto protestava que o atropelo tinha ocorrido às treze horas de um dia que parecia Verão. E que até traziam os coletes reflectores vestidos…

O problema; as Autoridades hititas eram assim… Vá… Os grandes adeptos de democracia lá do sítio.

E a verdade é que o outrora quarteto agora trio de Ciclistas, apresentavam um aspecto escanzelado e maltrapilho e… Ei, podiam muito provavelmente ser imigrantes daqueles como eles já tinham ouvisto nas publicações do partido político Chegum – seriam estes estrangeiros a primeira vaga de uma horda migratória cujo intuito seria roubar o trabalho dos bons e honestos hititas?

Confrontados com tanto ideal de Justiça, Baltazar, Gaspar e Melchior fizeram a única coisa que podiam fazer, aproveitando o facto de não terem matrículas – pegaram nas binas e deram ao slide.

Dia 17 de Maio do ano 0 de Nosso Senhor Joaquim Agostinho

Nenhuma aventura de Bikepaking pode dizer que assim o é se em algum momento, algures no meio de nenhures, o Garmin não pifar.

Foi o que aconteceu com nosso sobrevivente trio; na refrega da fuga acabaram perdendo as conexões de seus proto-Garmin com os satélites.

Como iam agora descobrir o caminho para Meensel-Kiezegem sem Mateus, o único que até tinha o traque?

– Podíamos perguntar áquele borracho ali! – Melchior apontava para uma figura feminina sozinha perto de um entroncamento.

(Nota do autor: por “entroncamento”, ele (o autor), refere-se ao encontro de várias estradas diferentes e não à fenomenal região portuguesa. Até porque não faria sentido um desvio pelo Entroncamento no traque, para quem vem da Judeia para a Flandres.)

O trio cessou sua pedalada, ninguém estranhando o facto de se encontrar ali uma fêmea sozinha quase ao cair da noite;

– Olá cara menina, será que podeis fazer o obséquio de indicar o caminho para Mensenel-Kiezegelem a três cansados ciclistas aventureiros? – inquiriu um educado Baltazar.

– MENINA? MAS ESTÁS A FALAR COM QUÊM PÁ? E AVISO JÁ QUE NÃO FAÇO GRUPOS, SE QUEREM TERÁ DE SER UM DE CADA VEZ!

A explosão da moça apanhou todos de surpresa.

– Erh… Uhm… Peço desculpa mas olhando para si e seus trajes; salto alto, meias de liga, mini-saia e corpete de cabedal coberto por esses longos cabelos negros, pensei que fosse uma mulher… – explicou um agora notóriamente atrapalhado Baltazar.

– Pois mas não sou menina nenhuma, ´tá? Sou sim um transexual não-binário!

– Ah sim, um transexual não-binário… Pois… Acho que já tinha lido umas coisas no highfive sobre esse novo género hominídeo… Bem pedimos desculpa pela confusão mas… Então e olhe, será que nos podia indicar o caminho mais rápido, seguro e com melhor piso para Mensebenel-Kiezeguelemel? Estamos na dúvida se viramos à esquerda, à direita ou se é sempre em frente. – explicou Gaspar.

– Hã?

– O caminho para Mensenel-Kiezeguelemiel. É por aonde?

– Meensel-Kiezegem?

– Isso, sim, foi o que eu disse.

– Têm de virar aqui à direita. Se forem em frente ou pela esquerda vão-se embrenhar na Macedónia e isso é uma granda volta.

– Okay, muito obrigado e continuação.

O trio preparou-se para retomar a pedalada quando a moç… O/A transexual não-binário bradou;

– A´tão mas isto é assim?

– Desculpe, como?

– Então não vamos praticar o amor bom à vez? Já disse que não faço grupos nem alinho em órgias mas julgam que estou aqui a estas horas nestes trajes a fazer o quê? Sou algum posto de informação turística?

O trio ficou sem resposta, embasbacados em monte. Verdade seja escrita, ambos os três eram ávidos apreciadores de… De… Vá, Punani (nota do autor: lembrai-vos que este quer-se um blog para toda a família e logo podeis explicar aos petizes a quem estão a ler a história, em que consiste o Punani), e não do que quer que esta malta da LGBTFJSDKVME ou lá o que era tinha para oferecer.

– Sabe, estamos cansados e… – Gaspar tentava justificar a acção do trio.

– E desde quando vocês homens estão cansados para coiso e tal?

– Pois mas nem sabemos seu nome… – Baltazar tentou justificar-se com um qualquer tipo de moralidade e bons costumes.

– Chamo-me Maria Madalena.

– Uai, Maria Madalena? Isso não é um nome um bocado… Um bocado… Vá, feminino?

– E então? Preferiam que me chamasse Anacleto?

– Anacleto? – inquiririu o incrédulo trio em uníssono.

– Sim, é o nome de baptismo que esta sociedade misógina e xenófoba me deu. Bem mas vamos lá aver, quem é o primeiros?

– Eu estou um pouco cansado… – justificou Baltazar.

– A mim dóem-me as pernas de tanto pedalar… – informou Gaspar.

– Bem… Eu até alinhava mas… Não há problema por ser africano? Vocês, mulh… Coiso de profissão duvidosa mas da qual ninguém duvida às vezes têm stresses com isso… – notou Melchior.

– Ah pois mas olhe, não é racismo mas africanos também não alinho. É que da última vez que tive um cliente africano passei vários dias a ser soturado e…

– Bem, você tem a certeza que por aqui chegamos a Meensebenel-Kiezeguel sem enganos? – Baltazar tentava despachar aquele que já se estava a revelar um tremendo atraso na aventura.

– Meensel-Kiezegem?

– Sim, foi o que eu disse.

– A´tão mas quantas vezes tenho de explicar? Sim, é por aí! – ripostou Anacle… Maria Madalena apontando a via principal.

– Sabe, vocês malta do LGBTFDSJKNVSM costumam ser mais simpáticos e foliões e coiso. – atacou Gaspar.

– Hã? O que é que queres dizer com isso? Anda lá ali atrás da moita que já te mostro quem é que é folião! – ripostou Anacl… Maria Madalena.

– Vá, boa noite e passar bem! – Baltazar despachou a situação em antes que azedasse mais.

O trio arrancou com suas Bicicletas de rodas quadradas dali para fora, na direcção que Anacl… Maria Madalena havia indicado mas não sem antes esta, apercebendo-se que o/a iam deixar para trás, gritasse enquanto alevantava sua mini-saia e mostrava… Mostrava… Bem, mostrava o que quer que fosse que um/uma transexual não-binário tem como genitália.

O trio foi apanhado de surpresa – desenhado na genitália, Anacle… Maria Madalena tinha uma tatuagem que lembrava uma conjugação de planetas também conhecida como Estrela de Belém.

Sentindo que as Altas Entidades Velocipédicas abençoavam sua aventura, o trio carregou no FTPmax e seguiu viagem com motivação em monte – estavam quase, quase a chegar ao final de sua aventura e finalmente conhecer o Menino Messias do Ciclismo.

FIM DA SEGUNDA PARTE

Um Feliz Natal a todos!

Abraços (com máscara e à segura distância higiénica), velocipédicos e natalícios,

Velopata

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