Presos No Estrangeiro (lá de fora) – a versão velocipédica

A segunda edição do Tour dos Emirados Árabes Unidos, UAE Tour em cámone, uma daquelas provas que permite comprovar o quanto os líderes da elite velocipédica mundial se preocupam com Tradição (todos conhecem o amor dos árabes por Bicicletas em detrimento de enlatados de alta cilindrada e camelos, sendo a palavra “camelo” aqui utilizada sem qualquer conotação perjurativa), pedalava sobre rodas de carbono de alto módulo e perfil quando o impensável ocorreu.

Não, não foi Froomster, regressado da lesão que quase o afastou dos grandes palcos velocipédicos que protagonizou um daqueles return of the comeback qual película de Madeira Sagrada (Hollywood, em cámone), encarochando tudo e todos para se sagrar campeão dos reinos arábicos, gritando o nome de sua amada e jogando para as bermas as bombinhas de asma vazias enquanto cruzava a linha de meta na etapa de consagração.

Até porque não se chegou à etapa de consagração de coisa nenhuma.

Composta por sete etapas, o vitorioso moçe da Volta ao Algarve do ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de dois mil e dezanove, Tadej Pogac… Pogaca… Tadej Pogaenlatadoemcámone, seguia isolado na liderança da Geral Individual deste UAE Tour à quinta etapa quando…

A prova foi cancelada.

A organização justificava – o cancelamento devia-se ao facto de dois elementos da equipa técnica dos nativos, a UAE Team Emirates, na qual o nosso mui estimado Rui Costa pedala (se os Chegófilos descobrem, provavelmente Rui Costa nunca mais poderá regressar a Portugal em segurança), apresentarem pequenas febres e sintomas de…

Coronavírus.

Ou Covid-19 que é mais técnico e científico e coiso.

E sem outras opções, os árabes seguiram os protocolos que mais têm feito as delícias dos fãs do Alerta CM – equipas inteiras foram isoladas e colocadas em quarentena nos seus quartos de hotel sob pena de fuzilamento e decapitação e sabe-se lá mais o quê que os árabes, nestas coisas, não são moçes de andar a brincar às pandemias.

Hoje, dia em que esta publicação velopática chega até vós, as equipas encontram-se no oitavo dia de quarentena prevendo-se que lá continuem até dia quatorze de Março deste ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de dois mil e vinte.

Oito dias.

8!

Oito dias fechado num quarto de hotel, apenas com outro mafarrico com aspecto de somali que sofre de todas as formas conhecidas de anorexia e bulimia como companhia – diz Professor Carochas que #éumavidaasofrer mas isto também parece ao Velopata por demais.

(Nota velopática: a quarentena recomendada para estes casos é de quatorze dias. Quatorze! 14!)

Óbviamente que ele (o Velopata), tinha de puxar seus cordéis e cordelinhos na tentativa de conseguir o número de telefone esperto de um Ciclista ou Director Desportivo ou Mecânico ou Massagista (ele preferia uma massagista fêmea mas, para partilha da Verdade lá terá de se contentar com o género que por lá ouver), ou qualquer outro bicho humano… Vá, preso no estrangeiro lá de fora das arábias.

E assim foi. Portas travessas, que o Velopata não alongará por respeito às suas reputadas e hierárquicamente elevadas fontes, ele arranjou o número de um Ciclista.

Só que como não estamos na CMTV, o Velopata respeitará a privacidade do preso, omitindo sua identidade enquanto relata neste seu espaço de referência velointernética e para gáudio dos seus milhares de milhões de seguidores, tudo o que foi confidenciado.

Não têm de quê.

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O Velopata não revelará a identidade do Ciclista equipado de vermelho (ou encarnado), e branco no centro desta fotografia, assim salvaguardando sua privacidade e a morte por fuzilamento de um pelotão árabe. E não é um pelotão de Ciclistas árabes numa espécie de metáfora velocipédica à morte por fuzilamento de carochas. Ou camelos.

Velopata: Está sim? Bom dia.

Ciclista: Est ( ) Tá ( ) Cof, Cof ( ) Está s ( ) Sim.

V: Está? Desculpe mas ele está a ouvi-lo muito mal.

C: Cof, Cof ( ) Est ( ) Hã? ( ) El ( ) Quem?

V: O Velopata está a ouvi-lo muito mal.

C: Quem?

V: O Velop… Nada, deixe lá isso. Está a ouvi-lo?

C: Ah sim, agora sim. Cof, Cof. Sabe, isto são Eles que controlam e escutam as comunicações.

V: Eles quem?

C: Os árabes, quem mais haveria de ser? Não querem que se saibam as verdades! Cof, Cof.

V: Ah, pois claro… Sabe, é por isso mesmo que ele lhe está a ligar.

C: Ele quem?

V: O Velopata.

C: Hã?

V: Nada, nada, deixe lá. Olhe, ele está a ligar-lhe porque tem um espaço na internet que é de referência velocipédica mundial e acredita que esta situação merece ser partilhada para as pessoas lá em casa saberem a verdade sobre o que se está a passar e a injustiça que estão fazendo convosco.

C: Cof, cof… Ai é? E como se chama esse espaço? Atchim!

V: Santinho. É o Blog do Velopata. Ou Blogue, se preferir.

C: Hã?

V: Ele… Olhe, deixa lá isso e não se preocupe que ele é rigoroso, sério e acima de tudo profissional. Então e como está a situação por aí? Ele já reparou que está aí cá com uma tosse…

Ciclista: Isto está aqui é uma bela barracada armada é o que é!

V: Defina barracada.

C: Já não aguento mais e… Cof, Cof… Já, Cof, Cof, Cof, Cof… Já me ia pegando à porr… Cof, Cof, Cof, Cof.

V: Eh lá… Tosse marafada hã?…

C: É do Coronavírus.

V: Atentai que já não se chama Coronavírus, agora é Cóvide Dezanove.

C: Ai é? Pois não sei, os únicos programas de televisão a que temos acesso são falados e escritos em árabe e aquilo é só bhakhalhaha para aqui e bhakhalhakha para ali e não percebo nada.

V: Sério?!?!

C: Yá, sabias que até os filmes eles dobram? Imagina só que ontem à noite fomos obrigados a ver o Sozinho em Casa em versão árabe. Ninguém merece…

V: Realmente.

C: Ainda para mais nem Natal é, Cof, Cof, e pior. Eu acho que eles até o final dos filmes mudam.

V: Como assim?

C: Atchim! Ai, Cof, Cof, desculpe. Epá, eu nunca vi a versão original mas desconfio que não seja como esta. O filme acaba com o puto a fazer-se explodir para matar os bandidos católicos que lhe queriam invadir a mesquita. Depois vai para o Céu e encontra uma data de virgens à espera dele, todas sedentas dos prazeres carnais que só um mártir como ele pode proporcionar.

V: Pois, só assim de repente, o Velopata também acha que esse não é bem o final da película original.

C: Quem?

V: O Velop… Nada, esquecei lá isso. Então mas sempre tendes a companhia de teu colega, seria pior se estivésseis isolado num quarto estranho sozinho, não?

C: É como te estava a contar há bocado, Cof, Cof, Cof, acho que eu e o meu colega já passamos para lá da saturação um com o outro e vice-versa.

V: Defina saturação.

C: Epá, ainda ontem à noite íamo-nos pegando à porrada.

V: Sério?!?!

C: Pois pá, então aquele cromo não me disse que preferia ver o Música no Coração? E o Música no Coração… Dobrado em árabe? Não imaginas o quão surreal aquilo é… Até os instrumentos das músicas estes gajos mudam, a moçinha anda para lá a ensinar os miúdos a tocar cítara ou lá o que é.

V: Bem, se mudaram a história do Sozinho em Casa, o Velopata nem quer imaginar o que podem ter feito ao enredo desse intemporal clássico natalício.

C: Mas quem? O Veloquê?

V: Nada, nada.

C: Bem, eu nunca vi o Música no Coração original mas acho que não deve ser como este Música na Bhakalhakalhakha que é sobre uma escrava sub-sahariana que é levada para trabalhar na casa de um Xeque que está a mãos avessas com uma invasão católica cristã.

V: Esperai, deixai o Velopata adivinhar… E no fim desaparecem no horizonte desértico, fugindo dos vis católicos em direcção à liberdade.

C: Nada disso. A escrava ensina os putos a fazer bombas com garrafas de bagaço e cactos e os putos vão todos quinando um a um em atentados terroristas suicidas. Claro que com um gaja deste calibre o Xeque não consegue não se apaixonar pela escrava e como já não têm os putos a empatar podem voltar a praticar o amor bom por todo o lado. Ele é o amor bom nas dunas, nas bossas dos camelos, na bossa dos dromedários… No fim, para provarem seu amor, ainda fazem uma grande cerimónia romântica.

V: Ah, o amor triunfa e casam sob uma belíssima lua cheia no deserto?

C: Não. Fazem-se explodir juntos em frente à embaixada do país invasor católico.

V: E acaba assim?

C: Não, não. Depois vão todos para o Céu só que a escrava fica lixada por causa das virgens que não deslargam o Xeque. Que não consegue dar conta do recado e é aí que entram os espíritos dos putos para ajudar. Só que um deles é assim meio… Meio… Vá, há um dos putos que gosta mais de tutti-frutti e como é proibido lá pelas leis deles, acaba sendo esquartejado e morto outra vez.

V: Isso é a sério?!?! Mas como é matam alguém que já está morto?

C: Pois não sei. Sei é que foi aí que me fartei daquela fantuchada de filme e decidi mudar de canal. E foi quando o meu colega se passou.

V: Bem, sabeis que estamos divagando demais do motivo que levou a este telefonema e entrevista?

C: Desculpa lá pá mas, Cof, Cof… Faz-me bem falar com mais alguém que não o labrego do meu colega de equipa. Atchim!

V: Santinho. Não sejais assim, provavelmente ele também está só stressado como tu.

C: Qual quê! O gajo passa a vida enfiado na casa de banho!

V: Como assim?

C: Até diz que quando voltarmos à competição deve ter dificuldades em segurar no guiador de tanto calo nas mãos.

V: O Velopata não tem a certeza de estar a entender onde quereis chegar…

C: O gajo só pode ser tarado pá! Passa a vida a ver pornografia e a tocar-se imprópriamente!

V: Como assim?!?! Têm acesso a filmes de acção?

C: Sim, vá lá que pelo menos isso deixam-nos ter. Só que são todos árabes e… Cof, Cof, bem, se por um lado é verdade que os gemidos e gritos e aqueles urros de “mete a tua bhakhalhakhalhakha na minha bhakhalhakha” e “Ai meu Alah!” são linguagem universal e até dá para entender só não entendo é como é que ele se consegue excitar com aquelas gajas todas de burqa. É que nem os olhinhos se veêm e… Espera lá, nota que ele é que me contou, não fui eu que andei a ver.

V: Claro, nem o Velopata esperava que um macho fechado durante dias num quarto de hotel ousasse sequer pensar em tais actos.

C: Hã? Quem é que pensa o quê?

V: Ó amigo, deixe lá isso.

C: Pois… E pior, o gajo tá ali sempre a esgalhá-lo como quem esgalha mesmo que até já perdeu uns três quilos. E eu também mas não é por isso.

V: Claro, claro… Mas ainda bem que o menciona… Então e a vossa alimentação? Como estão a ser asseguradas vossas necessidades nutricionais? Afinal de contas, sois atletas de elite.

C: Uma infâmia e uma vergonha pá, Cof, Cof. Tu queres-me acarditar que estes gajos só nos dão cous-cous e bifes de camelo para comer? E mais, a gente nem chega a ver quem nos traz a comida… Estamos aqui no quarto e tal, o meu colega a esgalhá-lo e eu a tentar fazer algum sentido do bhakalhakalhakha da televisão quando alguém toca à porta, deixa lá as bandejas no chão e dá ao slide. Mas somos alguns animais ou quê?

V: É realmente um escândalo. Ainda para mais toda a gente sabe que carne de camelo não apresenta as mínimas qualidades nutricionais necessárias à manutenção do mesociclo do lactato…

C: Pois pá! Não há-de um gajo andar aqui a perder peso que qualquer dia até viro Trepador! Eu! Um puro Sprinter!

V: Então mas nem um rolos de treino vos providenciaram? Podiam ter montado aí uns rolitos no quarto e sempre dava para manter a forma física.

C: Eu nem quero imaginar como vai estar o meu Éfetêpêmáx quando sair daqui pá, é que nem quero imaginar, Cof, Cof. E quero ver quem vai pagar todos estes prejuízos à equipa quando regressarmos à competição e nem numa fugazinha que seja conseguirmos entrar. Ou sermos descarregados ainda antes do meio da etapa.

V: Mas afinal aí há ou não Cóvide Dezanove?

C: Hã?

V: Coronavírus. Está aí ou não?

C: Está sim e toda a gente sabe que como é que veio cá parar.

V: Como assim?

C: Então, isto só pode ter sido trazido por uma dessas equipazecas Pro Continentais que também cá estão!

V: Achais mesmo? Podeis justificar?

C: Pois pá, os gajos como não têm dinheiro para componentes a sério mandam vir tudo do Ali Express e depois dá nisto. Tudo infectado! E quem se lixa? Ah, pois é, Cof, Cof, Cof.

V: Situação complicada essa…

C: E há mais, quando saír daqui como é que será a campanha das clássicas? Um gajo andou a treinar o inverno todo e agora é isto? E o meu vêódoismáx?

V: Se estão sem treinar a situação ainda piora, claro…

C: Sem treinar e não só, Cof, Cof, sabes há quantos dias não vejo o meu Médico?

V: Então mas não estão a ser acompanhados por Veterinários?

C: Hã?

V: Médicos, não estão Médicos a acompanhar a evolução de vosso estado de saúde?

C: Não pá, eu estou a falar do meu Médico, aquele que nos fornece a… A… Vá… Aquela suplementação necessária para sermos atletas de elite e… Epá, tu sabes.

V: Ele sabe?

C: Quem? Hã?

V: O Velop… Mas oiça lá, você não está a falar de Doping, pois não?

C: Doping?!?! Claro que não! Mas por quem me tomas? Estou a falar de xarope para a tosse ou porque raios achas que ainda não parei de tossir? Isto mais não é que a ressaca do meu xarope para a tosse injectável.

V: Certo. Bem, o melhor será ficarem por aqui.

C: Pois também acho. Até porque o meu colega finalmente saíu da casa de banho e tenho de lá ir ver uma coisa com o télemóvel, Cof, Cof, Cof.

V: Ele está muito grato por esta entrevista.

C: Hã? Ele quem?

 

PS velopatóide: à hora desta publicação, o Velopata descobriu que a Corrida das Estradas Brancas (Strade Bianche, em italiano), que teria seu lugar já amanhã, sete de Março deste ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de dois mil e vinte, foi cancelada por receio de coiso com o Covid-19. E enquanto o mundo velocipédico chora a ausência de degustação televisiva de distribuição carocheira ao mais alto nível, uma só pessoa regozija. A Srª Velopata, que sabe assim ter a televisão disponível só para si.

 

Abraços velocipédicos (por enquanto) livres de Covid-19,

Velopata

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