The Walking Covid

…It´s Nature´s way of telling you

someting´s wrong…

in Nature´s way, dos This Mortal Coil no álbum Blood

 

Através das estilosas orelhas dilatadas, as fantasmagóricas vozes de Deidre Rutkowski e Alison Limerick acompanhadas da melancólica orquestra de cordas ecoavam pelo cérebro velopático enquanto avançava pelos corredores vazios do Centro Comercial, concentradíssimo que nem um Futre na missão que o havia levado até ali –  a compra de bens essenciais e de primeira necessidade e coiso, no pior cenário apocalíptico que nenhuma película de Madeira Sagrada (Hollywood, em cámone), conseguiria reproduzir – o hipermercado.

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Complicados cálculos fisíco-químico-quântico-líquidos feitos em antes e o Velopata sabia que os litros de bens essenciais não seriam suficientes para os dias de isolamento social previstos – uma visita ao hipermercado era necessária a bem da sobrevivência do lar velopático.

Não que a visão daqueles corredores vazios provocasse algum tipo de aflição neste vosso companheiro, palhaço e amigo do duro circo que é (ou era…), a vida do pedal (excepcionalmente apeado neste dia porque uma coisa é Bikepacking, outra é carregar sacos de compras na Bicicleta), afinal, vários foram os anos em que ele labutou como quem labuta mesmo naquele ex-libris do capitalismo, portantos estando mais que habituado a ficar para além das horas a que os bichos humanos civis o frequentam e a visão de vastos estancionamentos vazios e longos multicoloridos corredores desprovidos de vida.

 

– Tens a certeza que não queres levar o carro? – inquiria a Srª Velopata enquanto o Velopata preparava seu kit de sobrevivência para idas ao hipermercado em tempos apocalípticos, recorrendo a todos os truques e técnicas aprendidos ao longo dos anos com os mestres dessa importante arte como George Romero ou Lucio Fulci.

– Uai, ma´ que jeites? Ma´ que raio de pergunta é essa?! É óbvio que ele não vai levar a lata.

– Então e como vais trazer as compras todas?

– Com isto. – o Velopata apontava para a sua mochila de campismo tamanho XXL.

– Não sejas parvo, porque não levas o carro?

– Primeiro, porque há sempre a probabilidade de demabular por lá algum dos milhares de milhões de fãs velopáticos que assistindo a tal vil acto certamente fotografaria e partilharia imagens do Velopata a… A… (o Velopata até engolia em seco ante semelhante imagem mental)… A conduzir um enlatado e lá se ia toda uma reputação que demorou anos a construir. Segundo, porque apesar de atravessarem uma calamidade e catástrofe e cataclismo e pandemia e epidemia e coiso, também não é razão para se abandonarem os princípios e valores morais que nos definem enquanto Ciclistas e indivíduos e sociedade e coiso.

– És parvo. Tem mas é cuidado.

– Não vos preocupais Srª Velopata, ele vai disfarçado de turista estrangeiro lá de fora. Ninguém se vai arriscar a desrespeitar a distância higiênica de segurança.

– Não me chames isso.

 

Definida a estratégia para uma rápida e segura visita ao hipermercado; calças de fato de treino velhas, t-shirt velha, velho casaco com capuz, capacete, lenço de hooligan, a maltratada mochila de campismo tamanho XXL, duas bisnagas cheias de líquido desinfectante e a imponente e já manchada de tanto uso catana para o que desse e viesse, o Velopata sabia que este kit teria tudo para garantir que a distância higiênica a sua pessoa seria respeitada.

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O Velopata despede-se do Velopatazinho, sentindo-se física e psicológicamente apto para a dura aventura que o aguardava.

Ainda nem os primeiros metros de provação capitalista estavam percorridos, o Velopata percebia que seu disfarçe resultava e os poucos mascarados transeuntes bichos humanos que com ele cruzavam caminho, afastavam-se como as velhinhas de outrora que se benziam e mudavam para o outro lado do passeio nos idos tempos em que ele (o Velopata), ainda uma larva velocipédica, se vestia totalmente de negro, 100% negro, full negro, dotando os pulsos de pulseiras artilhadas com salientes cavilhas e o cabelo comprido ocultando a face, qual exímio exemplar de espécime gótico e metaleiro e satânico e coiso.

E se dúvidas o Velopata ainda tivesse, aquele fulminante olhar do Segurança à entrada do hipermercado seria suficiente para as desfazer.

Não que o Velopata soubesse se o referido Segurança pertencia ou não às fileiras Chegófilas, mas porque, e com um intervalo de uns 200% de confiança, aquele olhar claramente indicava;

“Vens p´áqui trazer dessa merda do Coronovírus ó estrangeiro do car$%&o, devia era de partir-te as trombas todas.”

Pelo sim, pelo não, o Velopata agarrou o cabo de sua catana com mais força e avançou pelo hipermercado dentro, resoluto em sua dura missão.

Apesar de toda a confiança proporcionada pelo disfarce e equipamento, o Velopata seguia apreensivo – rumores espalhavam-se pelo reino facebookiano que os bichos humanos efectuavam corridas aos supermercados e ele ali, ainda só rezando a Nosso Senhor Joaquim Agostinho para que ninguém o questionasse sobre a confirmação de sua inscrição ou qual o seu dorsal…

Por sorte, a visita ao primeiro corredor foi suficiente para o Velopata distraír a mente, colocando de parte seus receios e preocupações (mas nunca descurando a guarda), – aproveitando o apocalíptico cenário iminente, o hipermercado disponibilizava uma daquelas feiras de produtos que habitualmente custam apenas 1€ mas agora, colocados em promoção, custavam… 1€.

Sem entender muito bem os porquês, o Velopata deu por si carregando um pacote de 20 esfregões para a louça, um piaçava, dois tamparoéres cujo forma e tamanho nada permitirão acondiccionar mas são giros e um pacotinho de pot-pourri com aroma de frutos silvestres porque agora dizem que os incensos são cancerígenofílicos ou lá o que é e a Srª Velopata queixa-se incessantemente que o lar velopático cheira a óleo de lubrificação de correntes e carretos.

Sem sobressaltos dignos de registo, excepto quando algum transeunte parecia fungar ou mesmo tossir e todos davam de frosques para bem longe, o Velopata foi carregando o carr… Carri… O veículo para transporte de compras com os víveres necessários ao isolamento social; soja em nacos, soja em cubos, soja em grãos, molho de soja, bifes de soja, salxi

Uai?

Ma´ que raios teria acontecido? Onde estavam as adoradas pelo Velopatazinho salxichas de soja?!?!

Após uma cuidada análise ao corredor e parteleiras dedicadas ao salxichame e derivados, o Velopata compreendeu – os carnívoros passam a vida criticando as opções dos bichos humanos mais evoluídos que optam pela dieta livre de sofrimento animal mas quando o tofu torçe o rabo, o que compram para forrar suas despensas?

Ah, pois é.

Salxichas de soja.

Em monte.

Comiserado e temendo a ira do Velopatazinho ante a notícia que sua preferida iguaria não estaria disponível durante as complicadas semanas de isolamento social que se anteviam, o Velopata seguiu caminho para o corredor em mais importante de toda a jornada.

A secção de vinhos.

– Isto não há álcool em lado nenhum!

A voz da anciã interrompia a análise velopática às castas utilizadas na preparação do que aparentava ser um sublime tintol que ele (o Velopata), estudava. Desviando a atenção do fermentado item essencial à sobrevivência pós-apocalíptica, o Velopata ouvistou a proveniência da voz – duas fêmeas em idade vintage praticavam o famoso corte e costura, criticando os Açambarcadores de álcool.

Álcool etílico, entenda-se.

E não resistindo ao apelo da parvoíce que já esquentava e borbulhava no seu core, o Velopata não conseguiu evitar o perspicaz comentário;

– Uai, como assim minha senhora, não há álcool? Então mas estão aqui prateleiras e prateleiras cheias de álcool… – o Velopata apontava na direção das prateleiras forradas de variedades fermentadas de tintol, verde, branco e até aquelas opções mais LBCG e Bloco de Esquerda-Friendly ou lá o que é dos lambruscos e rosés.

– Ah! Ah! Ah! Ah! – as anciãs irrompiam em sonoras gargalhadas – O menino é muito engraçado!

O Velopata também riu ante a menção a “menino” como se com todo aquele seu mau aspecto de turista pé-descalço, ele pudesse parecer um militante do CDS-PP.

– A´tão mas o menino nem trás máscara para ir às compras? Não tem medo do Conavírus? – questionou a outra anciã.

– Que nada, do Conavírus ele até é grande apreciador e nunca são demais as quantidades que se apanham. – explicou o Velopata com um sorriso maroto-badalhoco.

– Ah! Ah! Ah! Ah! – as anciãs explodiam em gargalhadas ainda em mais sonoras – O menino é realmente muito engraçado!

Deixando as anciãs regressar a sua prazerosa sessão de corte e costura açambarcadora, o Velopata continou pelo corredor dos bens de primeira necessidade até tardiamente entender o crasso erro cometido – ele havia esquecido que só para o transporte destes víveres seria necessário um carr… Carri… Um veículo para transporte de compras.

E regressar ao Segurança Chegófilo pedindo-lhe para rápidamente sair e regressar com um segundo veículo parecia idéia perigosa por demais. Mesmo pedindo com jeitinho e de catana empunhada.

O Velopata era forçado ao compromisso – metade do carr… Carri… Metade do veículo para transporte de compras seria dedicado aos bens essenciais; várias garrafas e quiçá um ou outro pacote de 5 litros de tintol, a outra metade para os restantes bens (de segunda necessidade?), que lá coubessem.

E por algum estranho motivo, a honrada face da Srª Velopata isolada no conforto do lar com o Velopatazinho surgiram-lhe na mente. Quão orgulhosa ficaria quando visse como o Velopata havia cumprido suas instruções…

A aquisição de bens seguiu calmamente, levando mesmo o Velopata a pensar para com a gola em V da sua t-shirt velha à turista pé-descalço desenxabido;

“Epá isto até podia ser sempre assim. Poucos bichos humanos, tintol com fartura e…”

Qual Internet Explorer, o pensamento velopático crashou.

Diante do corredor dedicado às massas e massinhas, o Velopata não queria s´acarditar no que seus bonitos olhos castanho-esverdeado ouvistavam.

Os Açambarcadores tinham açambarcado tudo como quem açambarca mesmo.

Uma cuidada análise às parteleiras vazias revelou que sobrava um mísero pacotinho de esparguete integral e justamente no momento em que o Velopata levava a manápula na sua direcção…

– Ei! – berrou o Velopata.

– Ei! berrou uma outra voz, por sinal de outro macho de bicho humano.

Não foi necessária a troca de quaisquer palavras.

Há um impasse enquanto ambas as duas mãos pairam sobre o último pacote de esparguete.

Os tensos olhares tudo diziam, fitando-se como quem se fita mesmo.

Velopata e aquele que só pode ser reconhecido como um Açambarcador de Esparguete entreolhavam-se qual película de de Sergio Leone (esta sim, pode ser apelidada de verdadeira cóbóiada do esparguete), com a óbvia diferença que o vencedor deste duelo seria aquele que sacasse o pacote de esparguete em mais rápido.

A tensão escalava.

Num longínquo corredor, alguém tocava uma gaita de bei… Uma harmónica.

Um pequeno saco de plástico para acondicionamento de fruta e vegetais percorre o espaço entre Velopata e Açambarcador de Esparguete ao sabor da brisa, fazendo assim a tensão transbordar e também indignar os fãs da Greta.

O Velopata observou o Açambarcador de Esparguete e avaliou a situação; o moçe era grande. Grande demais até. Uns cento e poucos quilogramas de bicho humano para escrever a verdade, destacando-se a proeminente pança e, mesmo sem conseguir ouvistar (e ainda bem), o Velopata pressupunha existir um peludo rêgo à mostra pelas calças descaídas nas traseiras pois… Lá está, dificilmente se produzem cintos capazes de suportar tamanha região intestinal.

Quebrando a tensão, o Açambarcador de Esparguete abriu sua debulhadora aniquiladora de gorduras saturadas para proferir;

– Eu devia ter prioridade, tenho mulher e dois filhos para alimentar.

Apontando para trás de sua figura, o Açambarcador de Esparguete permitiu ao Velopata ouvistar o agregado familiar açambarcante que, também eles tensos, ouvistavam o impasse; também a fêmea respectiva do Açambarcador aparentava aí uns 200 quilogramas de peso e os adolescentes, um macho e uma fêmea, também pareciam dar largas pedaladas na direcção do precoce acidente cardiovascular, no entanto, pedalar era coisa que a família açambarcadora certamente não faria. Verdade seja escrita, se aquele agregado familiar algum desporto praticava, só podia ser algo como o enborcamento de Bollicaos. Aquilo era família para não poder viajar toda junta no elevador do prédio velopático cujo limite de peso ronda aí os 500 quilogramas…

– Pois o Velopata acha que vós tendes reservas mais que suficientes e nem é para semanas de isolamento, são anos. E ele tem um futuro vencedor de Grandes Voltas à sua responsabilidade para o qual toda a massa ingerida será insuficiente.

Rematando esta simples mas poderosa frase, o Açambarcador de Esparguete foi apanhado de surpresa e puxando o Velopata de todos seus reflexos e perícia velocipédica, atirou-se ao pacote de esparguete e fugiu, correndo pelos corredores enquanto mentalmente se parabenizava por conseguir resolver toda a situação evitando o sacar de sua catana para gratuitamente promover uma cirurgia de emagrecimento ao Açambarcador de Esparguete.

Seguiram-se momentos de acção que o Velopata apenas consegue descrever como sendo uma espécie de Velozes & Furiosos só que com mais cabelo e veículos de menor cilindrada.

Ziguezagueando por corredores, o Velopata percebeu que sua única hipótese de despistagem do Açambarcador de Esparguete residia no corredor dos produtos que parecem comida, só que daquela saudável – ali, o Açambarcador de Esparguete certamente não entraria.

E assim foi; parando para recuperar o FTPmax de tanta corrida empurrando dois veículos de transporte de compras, o Velopata conseguiu despistar e não mais ouvistar a família dos gordos, nunca devendo o mui querido leitor esquecer que forte é o Schwarzenegger.

Talvez tenha sido a intervenção de Nosso Senhor Joaquim Agostinho, que como o mui querido leitor já deverá saber, protege sempre os audazes, mas as restantes compras velopáticas decorreram sem demais percalços ou problemas dignos de registo neste vosso espaço de referência velointernética.

Chegando a hora do pagamento, o Velopata optou por manter seus hábitos, repetindo aquele seu ritual que sempre marca a visita às caixas – procurar pela Operadora de Caixa disponível cuja compleição fosse o mais ermesindense possível.

É que já que um moçe vai ser financeiramente fecundado através da soma dos preços que estes hipermercados praticam, ao menos que o seja por uma carinha laroca, com boa parteleira e bum-bum a condizer…

Enquanto arrumava suas compras na mochila de campismo tamanho XXL, o Velopata não pode deixar de reparar que as lojas fora do hipermercado se encontravam fechadas, gradeamentos em baixo como que prevendo o ataque por multidões enraivecidas.

– As lojas já estão todas fechadas?  – indagou o Velopata junto da Operadora de Caixa ermesindense.

– Não. – retorquiu a moça que, para além de uma parteleira que prometia aguentar muito peso, também tinha um simpático sorriso.

– Ufa, ainda bem. Era só o que faltava prejudicar-se assim o Capitalismo com essas questões menores como a Saúde das pessoas…

– Eles mudaram o horário, agora as lojas só estão abertas entre o meio-dia e as oito da noite. – explicou a moça que, para muita tristeza da rebarba velopatóide, nunca se alevantou da cadeira permitindo assim ao Velopata averiguar sobre o grau de ermesindense de seu bum-bum.

– Claro, faz sentido. Todos sabemos que entre o meio-dia e as oito da noite o vírus não se propaga. – atacou o Velopata em cadência froomsteriana.

A Operadora de Caixa ermesindense encolheu os ombros e sorriu, o Velopata também sorriu e a conversa que de engate nada tinha ficou-se por ali pois ele (o Velopata), temia a em mais complicada fase da jornada que estava agora a iniciar – o regresso ao conforto do lar.

Carregado de compras.

Com o perigo das Açambarcadoras aves de rapina ou até mesmo necrofílicas que, corriam rumores, andavam à solta caçando os incautos portadores de víveres.

Consultando o Strava, o Velopata sabia ter à sua disposição duas opções de percurso; o mais amplo e exposto, atravessando as avenidas da urbe farense mas o vendaval que se fazia sentir aliado ao fraco aero dos sacos carregados em ambas as duas mãos indicava um sofrimento em pior que subir o Alto do Malhão de talega engatada; restando assim a segunda opção – um longo e tortuoso caminho por entre as caixas de fósforos da urbe farense, atravessando perigosos becos e ruelas escuras.

E sabendo que seus leitores aborrecidos com a monotonia do isolamento social ansiavam por uma boa história, o resoluto Velopata não teve dúvidas – a segunda opção seria.

É que nem de propósito.

Deixando uma esquina para trás, cuja fragância emanante do beco a ultrapassar deixava antever a passagem por uma espécie de urinol público, só tardiamente o Velopata compreendeu que…

Ele caíra na armadilha.

Do outro lado do beco, barricando toda a passagem, o Velopata ouvistava isto;

Group of old people walking outdoor
Fotografia meramente ilustrativa (óbviamente que a última preocupação velopática era conseguir uma foto para gáudio dos milhares de milhões de leitores), gentilmente fornecida por Google et al; devendo notar-se que os cidadãos vintage que aguardavam o Velopata não se encontravam em tão boa disposição e amena cavaqueira como estes da fotografia. Longe disso.

Uma troupe de raivosos cidadãos velh… Vintage aguardava o Velopata, percebendo-se pelo ameaçador modo como brandiam suas bengalas, andarilhos e algálias (algumas ainda se encontravam cheias), suas intenções – surripiar os víveres velopáticos.

– Good morningue, don´t let him passate?

O Velopata tentava manter o seu disfarce, falando como se de um turista pé-descalço estrangeiro lá de fora se tratasse e sabendo que o medo de contraír Covid-19 podia levar os guerrilheiros geriátricos a deixá-lo passar incólume.

– Os víveres ou a vida. – retorquiu secamente uma das anciãs, ameaçadoramente brandindo sua algália cheia.

– Ele não tem nada que vos possa interessar, só umas garrafitas de vinho e uns cubinhos de soja. Porque não o deixais passar?

– Não me digas que tens essa mochila de campismo tamanho XXL só cheia de soja…

O Velopata estava à rasca como quem está à rasca mesmo, tentando uma nova abordagem que, não poucas vezes, resulta com muitos outros bichos humanos – a graxa.

– Porque fazeis isto? Com vossa idade e sabedoria devíeis estar isolados em casa. O que farão aqueles que vos amam se vos perderem? Não quereis ver vossos netinhos crescer? Ainda tendes muito para dar ao mundo e…

– E como queres que compremos comida e sobrevivamos durante várias semanas a todo este apocalipse com nossas reformas de merda? – interrompeu a anciã líder de todo o conglomerado geriátrico.

Não era com falinhas mansas ou graxa que o Velopata lá iria.

– Vá, deixa lá mas é de ser um jovem coninhas e gira para cá esses sacos e mochila de campismo tamanho XXL. – ameaçou um outro sénior, brandindo ameaçadoramente seu andarilho.

Há um impasse técnico-táctico-dramatúrgico enquanto Velopata e horda geriátrica se fitam.

Ao longe, o som de alguém que toca uma gaita de bei… Harmónica aumenta exponencialmente toda a tensão.

E em antes que o Velopata conseguisse pousar seus sacos e sacar de sua catana, os cidadãos vintage iniciaram sua lenta caminhada na direcção do Velopata.

Foi então que ele se alembrou – com tanto bicho humano isolado em seus lares, se ele bradasse por ajuda certamente alguém ouvistaria;

– SOCORRO! SOCORRO! ELE ESTÁ A SER ROUBADO!

Vivalma assomou às janelas.

E os séniores continuavam sua lenta caminhada, os olhos raiados de sangue, uma só imagem toldando suas senis mentes; soja em grãos, tintol, papel higiénico e latas de feijão e grão em conserva.

– SOCORRO! SOCORRO! FOGO! HÁ FOGO AQUI!

O Velopata tentava o truque ensinado às fêmeas vítimas de violação em Nova Iorque, só depois também se alembrou que nesta sociedade portuguesa pós-Pedrogão, já ninguém quer saber de incêndios, apenas de subsídios e o resultado?

Vivalma nas janelas.

E o lento ameaçador crac-crec-crac do arrastar dos andarilhos continuava, cada vez mais próximo, a devassa e prevaricação geriátricas ali, cada vez mais perto.

Um último truque era guardado pelo Velopata;

– O MESSI É MUITO MELHOR JOGADOR QUE O RONALDO! JOGA MAIS EM EQUIPA!

Sacadas e janelas encheram-se de portugueses indignados, detendo-se de prometer punhada ao mafarrico que berrava semelhante afronta a sua pátria ao perceber que a presenciavam um assalto onde a guerrilha geriátrica se preparava para fazer a folha a Velopata e víveres.

Berros provenientes das sacadas e janelas caíram em… Vá, cáiram em algálias rotas pois a guerrilha vintage encontrava-se para lá de obstipada ou lá o que é, abatendo-se toda a força da terceira idade sobre o Velopata.

E vivalma deixou o conforto de seus lares para auxiliar o Velopata naquela que foi certamente uma das batalhas de sua vida.

AVISO VELOPATÓIDE

AS LINHAS QUE SE SEGUEM CONTÉM DESCRIÇÕES DE UMA ELEVADA VIOLÊNCIA E PARVOÍCE. SE SOIS FACILMENTE IMPRESSIONÁVEIS OU INDIGNÁVEIS, EVITAI ESTA SEQUÊNCIA E PROCURAI O FINAL DO SEGMENTO, ASSINALADO ABAIXO.

Uma anciã atirou pelo ar sua dentadura postiça, qual shuriken geriátrico, valendo ao Velopata toda sua destreza e perícia de Ciclista para se desviar.

Um ancião atirou-se sobre uma mão velopática, tentando morder e forçando a libertação de um saco, apenas para ficar com a gosmenta dentadura presa na mão velopática.

Uma e outra algália voaram, conseguindo o Velopata desviar-se no último momento para assistir enquanto estas embatiam nas paredes, rompendo e libertando aquela fragância a ácido úrico fora de validade.

Desesperado, cercado e rodeado de dentaduras postiças que matraqueavam o horror, o Velopata tentou um último acto desesperado.

Tossir.

E espirrar.

E depois tossir ainda mais.

Mas nada resultava.

Obstipado, o turbilhão geriátrico soltava urros de vitória a cada pacote de soja em cubos arrancado das já sem forças manápulas velopáticas. Osteoporose esquecida, dançavam a cada pacote de soja em grãos roubado das cansadas manápulas velopáticas. Em êxtase, bradavam a cada pacote de soja em nacos surripiado das extenuadas tentativas velopáticas de o segurar.

PUM!

Um baque seco na nuca velopática.

Talvez um guerrilheiro geriátrico mais afoito que com sua bengala agredia o Velopata.

Escuridão toma conta dos bonitos olhos castanho-esverdeados velopáticos.

As suas estilosas orelhas dilatadas nada mais ouvem que não silêncio.

FIM DA SEQUÊNCIA ABSURDA.

O Velopata recuperou a consciência, regressando a si prostado sobre o duro chão onde havia heróicamente tombado.

Nem sinal de todas as garrafas de tintol, das conservas de feijão e grão, dos cubos, nacos, grãos e bifes de soja ou mesmo da guerrilha geriátrica salvo uma dentadura postiça esquecida no chão.

Ó, a raiva. A impotência.

Irritadamente pontapeando aquela dentadura para bem longe, eis que um arco-íris de esperança se materializou perante o Velopata – na refrega da batalha, algum alzheimeriano havia deixado para trás uma única garrafa de tintol e um rolito de papel higiénico.

em antes que outro turbilhão geriátrico aparecesse, o Velopata deu de frosques, recorrendo a toda sua FTPmax e VO2max para rapidamente atingir a segurança do conforto do lar.

A Srª Velopata podia nunca s´acarditar em toda a aventura velopática (que não s´acarditou), mas pelo menos, o Velopata não chegaria de mãos a abanar.

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O Velopata naquele seu momento “Platoon – Os Bravos do Coronavírus”, regressa mais ou menos são e mais ou menos salvo ao conforto do lar.

Estaria o lar velopático pronto para as duras semanas de isolamento social que se antevinham?

 

Abraços (mas à segura distância higiénica) velocipédicos,

Velopata

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