Sempre que o Velopata ou seu heterómónimócoiso com alguém troca impressões sobre a possível colaboração numa prazerosa pedalada, três importantes questões sempre se alevantam;
– Que ritmo?
– Quanto é que isso tem de Acumulado?
– Quantos quilómetros?
Ao que invariavelmente, e conhecendo o mui querido leitor a honestidade velopática, a resposta não varia muito;
– No final vais estar cansado.
– Não é uma volta plana.
– É provável que se deixe o reino farense e algarvio para trás. Pelo sim, pelo não, trazei vosso Passaporte.
Porque têm os bichos humanos esta necessidade de querer saber tudo em antes sequer de começar?
Epá, vai ser duro?
Sim, se não o fôr então alguém está a fazer algo muito errado.
Vão ser muitos quilómetros?
Tanta meticulosa preparação para deixar o conforto do lar para trás ante a precária e condicional abébia dada pela Srª Velopata… É de aproveitar em pleno.
Subidas?
Muita subida que só faz bem.
E depois ainda em mais subidas.
Alguém terá de esperar por alguém?
Lá está, se não o fôr então alguém está a fazer algo muito errado.
Vais degustar grandes e gordas carochas?
C´um catano, sim.
Sentir-te-ás miserável?
Catano, sim.
Amaldiçoarás o dia em que haveis nascido?
Sim.
Sentirás que ganhaste qualquer coisa?
C´um catano, sim!
Haveis avisado a respectiva que só estarás de regresso ao lar já depois da hora de jantar?
C´um catano. Não.
De todo o filme se pode resumir a estes retalhos de vinhetas.
Verdade seja escrita; sairás dessa pedalada mais forte, capaz de produzir mais Watts de cadência anaeróbia no mesociclo da FTPmax.
Mas… Talvez não seja fácil compreender a atracção pela Estrada, essa língua de alcatrão vazia, despojada de elementos humanos.
É que até do obtuso ponto de vista enlatado se consegue entender este chamamento do Oráculo Divino da Profecia da cena celestina e coiso; circulando em excesso de velocidade ou velocidade excessiva, assistindo enquanto a paisagem se transforma através do vidro, isolado de sons, cheiros e elementos, como ouvistar o mundo através de um ecrã Full HD Nano-Led Plasma 4K.
Até aqueles outros primitivos veículos que, à semelhança das Bicicletas se encontram munidos de apenas duas rodas mas por fraqueza psicosomática do condutor necessitam ainda de um conspurcante e blasfemo motor de combustão para sua propulsão, também aparentam entender este apelo espiritual.
Como uma gloriosa Bicicleta também não encontram nenhuma barreira entre condutor e ambiente; sentem o vento, cheiram os cheiros mas o seu fast forward não lhes permite distinguir ou apreciar as pequenas coisas, os detalhes.
De Bicicleta… Tu és o filme.
És uma parte essencial deste, a personagem principal a quem tudo acontece, quase invariávelmente triunfando.
Dependes do ambiente e da rameira do São Pedro.
Sentes cada mudança no terreno, cada cratera por entre outras crateras.
Sentes cada inclinação da estrada, cada subida novos segredos no FTPmax anaeróbio são revelados, cada descida novos níveis de contracção esfíncteriana.
Sentes cada textura do alcatrão, cada cratera por entre outras crateras.
Sentes cada mudança na direcção do vento, cada vento de frente (90% do tempo), e cada vento lateral (8% do tempo o que deixa aí uns 2% onde perfeitamente alinhado sopra de costas).
Cheiras cada flôr, cada planta e pólen, cada cadáver de animal atropelado, a mistura de fragâncias de estrume recém aplicado nos campos agrícolas.
Ouves cada animal, cada insecto que te tenta picar, cada canídeo que te tenta afiambrar.
A estrada absorve-te e tu absorves a estrada.
Queres conhecer-te e conhecer o mundo à tua volta?
Vai de Bicicleta.
Todos os bichos humanos dizem gostar de viajar.
Mentira.
Quem gosta de passar horas em filas no aeroporto? Ser espremido com o nauseabundo odor de tantos outros bichos humanos no interior de um contentor voador?
Os bichos humanos não gostam de viajar.
Gostam de estar de férias, papo para o ar sem nada para fazer, o que é bem diferente.
Por entre a bicharada humana, só um género ou tipo ou coiso pode efectivamente afirmar que gosta de viajar – os que o fazem ao comando de uma gloriosa Bicicleta.
Homo sapiens sapiens velocipedicum.
Mens sana in Bicicletti sano ou lá o que é.
Actualmente, a bicharada humana encolhe-se por trás de um teclado e dos seus Zwifts, o que não os auxilia a pedalar mais ou melhor. Castram a pedalada, enviando-se para uma qualquer volta pré-fabricada onde não existe qualquer surpresa. Estais fazendo a group ride sem perceber que essa é igual a todas as outras group rides e não ficarás melhor, mais forte ou mais rápido, falhando em perceber que este fim de semana não fizeste nada que não tivesses já feito no fim de semana passado. A contrapartida? Evitam-se as surpresas.
O que é apenas e só… Triste. A Vida devia ser como uma grande surpresa, metáfora válida para uma grande sucessão de obstáculos.
A Natureza engenhou esta espécie assim.
Sobreviver até ao final do dia costumava ser uma excelente surpresa.
Do momento em que acordas até ao momento em que faleces, a Vida mais não é que uma sucessão de obstáculos que deveis transpôr, circum-navegar, pedir auxílio para trepar quiçá empurrar para longe da vista. Não se melhora a navegar por este oceano de obstáculos apenas seguindo a multidão, apesar de parecer existir algum tipo de conforto sabendo que vais precipício abaixo mas ei! Pelo menos tens companhia.
A Vida, tal como esta nobre arte velocipédica, encontra-se repleta de bichos humanos que s´acarditam que a maneira mais fácil é a maneira mais fácil, nunca percebendo que essa é apenas e só a maneira mais difícil.
O Ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de dois mil e dezanove foi agridoce para o Velopata.
Da Grande Gala, passando pela Torre e completando um Everesting não foi o aventureiro ano que o Velopata idealizou.
Registos strávicos confirmam uma efectiva redução de um total de oito mil e uns trocos de quilómetros na pedalada velopática face ao transacto ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de dois mil e dezoito.
Mas se este ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de dois mil e dezanove mostrou alguma coisa ao Velopata… Ele sabe agora não estar sozinho.
Há mais personagens no filme.
Do Agente da Autoridade Anónimo ao Neves, Pinto e Zés das Bikes, o Velopata sabe que pode agora enfrentar o empenante desafio com confiantes ânimos redobrados, existindo rodas para seguir.
É por isso que agora, ele abre o site de metereologia e assiste enquanto velocidades do vento e outras estatísticas são desbravadas na frente dos seus bonitos olhos castanho-esverdeado.
Rajadas de 40 e 50 quilómetros por hora voam em direcção ao reino algarvio.
E assim se lixam com um F bem maiúsculo, os planos velopáticos de final e entrada num novo ano cheio de pica velocipédica.
Parece que à terceira, o Rapha Festive 500 ainda não é de vez.
Isto é que é uma pôrra, pá.
Que o ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de dois mil e vinte seja bastante melhor que este arranque faz querer parecer.
São os votos velopáticos para ele (o Velopata e seu heteromónimócoiso), bem como para sua legião de milhares de milhões de seguidores.
Um excelente 2020 a todos.
Abraços velocipédicos,
Velopata