Pedalava-se no ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de dois mil e dezoito.
O Velopata acordou, secou a nocturna baba da farfalhuda face e surripiou-se do conforto dos lençóis onde Srª Velopata e Velopatazinho dir-se-ia sonharem com rolos de treino. Tomou um clássico pequeno-almoço à brutamontes e enquanto se deslocava, já munido de um balde de café e respectivo cigarrinho, a caminho da sacada para verificar o estado do ciclo menstrual de São Pedro…
RÁ-TÁ-TÁ-TÁ-TÁ-TÁ-TÁ!
KABROOOM!
RÁ-TÁ-TÁ-TÁ-TÁ-TÁ!
O ensurdecedor som que enchia a sala do lar velopático levou o Velopata a s´acarditar na única coisa que um bicho humano normal podia pensar – um lapso no contínuo espaço-tempo foi aberto e não mais o lar velopático se localizava em Faro do reino algarvio, tendo-se transportado e materializado na Síria, ainda para mais, à hora de ponta.
Espreitando por entre as frinchas do semi-cerrado estore, foi uma inabalável tristeza que acometeu o Velopata (e alívio, afinal, o lar continuava em Faro).
Granizo.
Relâmpagos e trovoada em monte.
E mais granizo.
Os céus desabavam como quem desaba mesmo, aparentando até os estores do lar velopático querer fazer desabar. Como quem faz desabar mesmo.
O som de uma mensagem no telefone esperto levou o Velopata a despertar do comiserado torpor;
Já estamos a caminho. Onde vai o Velopata ter conosco?
Merda.
Como raios podia o Velopata deixar passar semelhante convite e oportunidade?
Neves e Pinto, dois notáveis membros da elite velocipédica Zés das Bikes, pedalavam rumo ao reino algarvio, calcorreando quase trezentos quilómetros com o intuito de conhecer pessoalmente e partilhar um cigarro com este vosso companheiro, palhaço e amigo do duro circo que é a vida do pedal.
– Com este tempo, não vais pedalar, certo?
As palavras da Srª Velopata assemelhavam-se a facadas na alma e pernas velopáticas.
– Pois… – balbuciou o Velopata, ainda observando pelas frinchas do estore se, por algum milagre de Nosso Senhor Joaquim Agostinho, toda a tormenta metereológica ter-se-ia eclipsado.
– Ainda bem que assim ficas em casa a tomar conta do teu filho que aproveito e vou ao cabeleireiro pintar o cabelo.
E sem nenhum respeito pela Convenção de Genebra ou mesmo direito a advogado de defesa ou argumentação, o Velopata era castrado da pedalada ao encontro de Neves e Pinto que assim esfumaçariam aquela cigarrada sozinhos na esplanada do Germano.
Sobe.
Desce.
Sobe outra vez.
Desce.
O vento lateral nortenho que não dá tréguas.
Depois sobe outra vez.
E desce outra vez.
O Velopata despertava da nostálgica viagem pela maionese cerebral, atenção desviada para a luzinha da bateria do farol dianteiro que indicava estar nas lonas.
Nunca esquecendo que Velopata prevenido val… Quer-se dizer, não vale por dois mas prontos; seria sensata opção trocar imediatamente a bateria em antes de iniciar mais uma escalafrante subida, sob risco de ser apanhado de bib shorts na mão, ficando sem iluminação durante a marafada descida seguinte.
Aproveitando que Neves seguia próximo, o Velopata berrou na sua direcção (é importante notar que durante as pedaladas nocturnas, os Ciclistas tendem a gritar entre si, como se a menor visibilidade afectasse a audição);
– Neves! Atentai que ele precisa de parar agora!
– Ele quem? – retorquiu Neves, com aquela resposta indicando que o lactato começava já a afectar o cérebro fustigado por tanta subida.
– Ora essa… O Velopata.
– Mas o Velopata quer parar já para quê?!?!? Ainda nem uma volta inteira fizemos desde a última paragem…
– Ele necessita de trocar a bateria, é coisa rápida!
– É rápido mesmo?
– Sim, ele promete que nem um cigarrinho fuma.
Acercando-se do enlatado de Neves, base camp do material velopático, eis que a humidade arrábidoiense finalmente pregava sua partida aos everesters – mesmo pressionando o botão da chave como quem pressiona mesmo o botão da chave, o enlatado de Neves teimava em não destrancar suas portas.
Até que, como que fruto de uma qualquer obscura arte mágica, as portas abriram.
O problema?
O alarme enlatado disparou e não existia maneira de silenciar todo aquele cagaçal.
– Epá mas que raios se passa com o carro? Isto não pode ser, se o alarme continuar a tocar durante todo o tempo que ainda aqui vamos ficar, vai gastar a bateria toda! – Neves bradava aos céus como quem brada mesmo aos céus.
– É chato sim mas tentai ver a coisa pelo lado positivo. – tentou acalmar o Velopata.
– Qual lado positivo?
– De certeza que todos os javalis das redondezas já deram ao slide. E mais, quando terminar o Everesting e eles regressarem ao conforto dos lares, vão ter o alarme a auxiliar aos festejos durante a viagem. Ei, se a malta que vence o campeonato desse desporto menor da bola pode fazer isso, andar pelas ruas a buzinar, porque razão não poderão eles? Tirando o Pinto, não é todos os dias que se completa um Everesting. Ah, além de que vão parecer a família do Little Miss Sunshine. Haveis visto essa película?
– Então mas é para parar? Não avisam? – a desaustinada voz de Mr. Lamb interrompia a frustada tentativa velopática de acalmar Neves.
O que foi proferido em seguida, no intercâmbio de vernáculo entre Neves e Mr. Lamb, o Velopata não pode aqui partilhar sob o risco de menores de idade lerem estas linhas, nunca esquecendo que este se quer um espaço de referência velointernética para toda a família.
Tenso, o Velopata assistiu enquanto Neves e Mr. Lamb se encontravam na iminência de passar das palavras ao pugilato, nunca esquecendo que Mr. Lamb, enquanto Agente da Autoridade, rapidamente terminaria com tudo aquilo recorrendo ao cacetete ao contrário, utensílio que certamente traria escondido na bagageira ou por baixo do assento do seu enlatado porque já se sabe como é esta malta enlatada das grandes urbes e principalmente da Margem Sul.
Por sorte, o bom senso imperou, bordoada não foi distribuída e Mr. Lamb abandonou o parque de estancionamento, percebendo-se que seguia irritado até à última partícula subatómica.
Tal como se iniciou, por alguma maquiavélica mágica arte do Demo, o alarme finou-se.
– Ó Velopata, como é que é, já estás despachado? – inquiriu um ainda visivelmente almariado Neves.
– Já, mas uma coisa…
– Diz.
– Achais que dá para um cigarrinho? Esse vosso arrufo deixou-o stressado.
Se Neves não fosse como o Velopata quer ser quando fôr grande, provavelmente era o Velopata a usufruir de umas valentes punhadas ali mesmo.
Mais escruciantes subidas e acovardantes descidas depois…
O mui querido leitor pode nem s´acarditar mas onde um Everesting mais exige é na psique do atleta de média ou baixa competição.
Existe a óbvia vantagem de escolher um segmento strávico com uma envolvência e paisagem deveras grandiosa e aprazível, contando que apenas e só será assim aí durante as iniciais cinco ou seis subidas, descidas, vice-versa e coiso.
Pinto mostrava know-how técnico-táctico-paisagístico quando escolheu este segmento strávico – os cobres e negros do céu, os verdes da vegetação, os azuis do oceano ou rio e coiso, o gris dos rochedos e até os aglomerados de bichos humanos de Setúbal e Tróia alternavam num espectacular contraste entre Pôr-do-Sol, negrume nocturno e o agora iminente Nascer-do Sol, assim providenciando um escape psicológico a tanto sofrimento sabe-se lá para quê.
Ah sim, para auxiliar O Cantinho da Milú.
A troupe sobrevivente às agruras do Everesting nocturno juntou-se no final de mais uma subida, recuperando bofes e apreciando os primeiros raios do nosso mui querido astro e…
Com mil raios e cubos, onde se teria metido MacGyver OLX?
Preocupados com o que podia ter sucedido a MacGyver OLX com aquelas rodas full carbon aero carbon no inglório vendaval lateral nortenho que continuava fustigando a troupe como quem fustiga mesmo, todos concordaram em descer lentamente, procurando algum sinal do moçe; um pedaço de carbono caído no alcatrão quiçá até alguns farrapos de licra presos a um arbusto nas bermas.
Mas nada. Zero. Bola. Nicles.
Foi ainda durante esta lenta descida (devendo notar-se que só foi lenta para restante troupe, o constante sacudir da Estrela Vermelha ao marafado vento lateral nortenho continuava a forçar Velopata a descer em pior que Thibault Pinot), que o Velopata se apercebeu que não só suas pernas começavam a atingir aquele estado Nestum, como também a Estrela Vermelha padecia dos primeiros sintomas da violência altimétrica – as mudanças engatavam mal, ficando a passagem para o carreto onze a moer como quem mói mesmo, só engatando num tardio soluçar de cadência.
De regresso ao parque de estancionamento dos enlatados de apoio, a troupe encontrou um AAA desperto, pilhas carregadas e revigoradas para se lançar a mais uma boa dose de subidas, pelo menos, até a carga que estas tinham obtido através do soninho recuperador bom se esfumasse.
– AAA, é verdade que dominais a nobre arte da mecânica velocipédica? – inquiriu o Velopata.
– Sim, dou uns toques. Então?
– Podeis fazer o obséquio de verificar as mudanças da Estrela Vermelha antes de arrancardes?
AAA mexeu e remexeu no desviador traseiro sob o atento e apreensivo olhar velopático, até que, numa espécie de marafada versão velocipédica de um tal de Nicholas Sparks, As Palavras Que Nunca Te Direi Entre Ciclistas, foram proferidas;
– Empresta aí. – pediu AAA.
– Empresta o quê?
– A Estrela Vermelha.
– Uai, como assim, empresta aí?
– Não queres que verifique se a Estrela Vermelha está bem? Ou queres continuar o Everesting com as mudanças a funcionar mal?
– Não é isso… Sabeis muito bem que só quatro bichos humanos estão autorizados a sentar-se ao comando da Estrela Vermelha. O Velopata, o Gil, o Pantera e o heterómónimócoiso do Velopata. E o Gil e o Pantera só colocam seus pandeiros sobre o selim pois são os nobres mecânicos.
– Não sejas cromo.
Em antes que o Velopata pudesse esgrimir qualquer outro (i)lógico argumento, já AAA deixava o parque de estancionamento montado na Estrela Vermelha mas, para descanso velopático, o Sentido de Velopata (aquele em tudo semelhante ao dO Incrível Homem-Aranha, só que em carbono), não emitia sinais de alerta na ligação neurocarbonoencefálica.
Ainda assim, o Velopata não conseguiu evitar ficar à rasca.
É que mesmo sendo AAA um Agente da Autoridade, isto nunca se sabe.
Se a Estrela Vermelha mexe e remexe com os sentimentos de quem a observa, imagine-se a pedala-lá… E se…
E se…
E se AAA desse a banhada à Estrela Vermelha?
(Nota velopatóide: como o mui querido leitor posteriormente lerá, isto mais não era que o mesociclo do lactato pregando partidas na cansada mente velopática, primeiros sintomas de que o Sith no seu âmago acordava.)
AAA regressava tensos e longos minutos depois para confortar o Velopata em como nada grave acometia a Estrela Vermelha e tudo funcionava agora corretamente – o VO2max bem como o retesado esfíncter velopático podiam acalmar novamente.
E é por estas e por outras que o Velopata reitera – AAA é o melhor comparsa que o Velopata podia pedir.

A troupe preparava o pequeno-almoço (que entre Everesters, de pequeno nada tem), enquanto opinava sobre o paradeiro de MacGyver OLX para além de qual das máquinas de café e respectiva variedade cafeínada seria usada para abrir pestanas, quando uma voz os surpreendeu;
– Bom dia malta! Como é, vamos a mais umas subidas? Ainda vos falta muito? – MacGyver OLX, vivo e de mais ou menos boa saúde (pelo menos física pois da mental, à semelhança da troupe everéstica… Bem, o mui querido leitor conseguirá inferir), sorriso estampado na face e um estranho pó branco cobrindo-lhe grande parte da indumentária.
– Mas onde é que tu andaste? – questionou a troupe em uníssono.
– Epá senti-me cansado e deitei-me um bocadinho naquela paragem de autocarro.
– Então mas porque não pediste a chave de um carro? Sempre dormias melhor. – notou Neves.
– Olha… Não vos queria chatear e precisava mesmo descansar um pouco antes de fazer mais umas subidas convosco. Não vou é poder ficar até ao fim porque já tenho uma volta de Bêtêtê combinada com uns amigos às oito e meia da manhã.
E se dúvidas ainda existiam sobre a rigidez lateral deste mais grande exemplar de espécime velocipédico, encontravam-se desfeitas – todos sabiam que MacGyver OLX só não completaria o Everesting porque o resto da troupe era lento e o moçe tinha onde estar às oito e meia.
– Tendes a indumentária velocipédica completamente suja de pó branco. – notou o Velopata por entre dentadas numa barra energética acompanhada de um balde (ninguém levou alguidares), de cafeína.
– Pois, foi de estar ali deitado na paragem de autocarro. – explicou MacGyver OLX.
– Nada disso.
– Hã?
– Se alguém questionar os porquês de toda essa sujidade, dizei que haveis caído ravina abaixo durante a descida e a malta juntou as correntes de todas as Bicicletas para, num épico e hercúleo esfoço, produzir uma só grande corrente e içar-te de lá. É mais épico.
– Achas?
– Claro. Eles são Ciclistas. À semelhança de Caçadores e Pescadores têm de exponenciar suas histórias com uma moderada dose de epicidade. – explicou o Velopata.
– Okay, vou tentar não me esquecer disso. Olha uma coisa.
– Dizei.
– Achas que é muito abuso se pedir para comprar um cafézinho?
MacGyver OLX bebeu todos os cafés necessários, a troupe cerrou mandíbulas sobre um forte pequeno-almoço e já os raios de Sol tornavam desnecessária toda a parafernália iluminante nas Bicicletas quando o pelotão everéstico, novamente compacto, se lançou ao alcatrão.

Mais sobe e desce seguido de sobe e desce depois…
Com o raiar do dia, dois pormenores se destacaram neste Everesting.
À medida que as gélidas temperaturas nocturnas desvaneciam (e o vento que teimava em não acalmar…), chegavam enlicrados em monte, todos contribuindo como quem contribui mesmo para O Cantinho da Milu mas também auxiliando os vários membros da troupe a momentâneamente esquecer as pernas há muito transformadas em Cérelac, recorrendo a palavras motivantes, votos de confiança e coiso.
Por entre estes Ciclistas que chegavam, o Velopata consegiu distinguir dois grandes grupos; os ressabiados que nada tinham a ver com o Everesting, aparentando ter escolhido aquele segmento strávico para fazer séries (mas quem é que no seu perfeito juízo e sanidade, vai para ali subir duas, três e quatro vezes?!?!), e que passavam pelos membros da troupe de peito inchado convencidos que distribuiam carochedo como quem distribui mesmo; e os bon vivants velocipédicos cujo objectivo era apenas auxiliar a troupe everéstica a suportar todas as agruras a que tanta subida obrigava e claro, contribuir como quem contribui mesmo para O Cantinho da Milu.
O problema é que com os enlicrados… Uma outra horda, só que execrável, chegava.
Os enlatados.
Dir-se-ia que o vil jugo opressor tirânico do enlatado também havia ouvisto a publicação de Pinto e estavam determinados a tentar atropelar o Everesting. Literalmente.
Uma e outra vez sucederam-se as razias, as ultrapassagens perigosas, as ultrapassagens ainda em mais perigosas, as vaias, apupos e impropérios… Enfim, toda a vulgar estupidez generalizada que só o enlatado consegue proporcionar.
Mas se o mui querido leitor s´acardita que apenas os enlatados tentavam sabotar a aventura everéstica…
Subidas, descidas e… O Inferno sobre quatro patas
O Velopata pedalava a solo, subindo enquanto tentava recuperar seu lugar na roda da troupe finda mais uma escabrosa descida, quando ouviu gritos dos comparsas logo depois da curva cega na sua frente. Aqueles uivos de horror uma só coisa podiam significar – o Cão do Demo estava solto e tentava afiambrar alguém da troupe.
Preparando-se para um sprint de fazer inveja a Cavendishes, Bouhannis e Gronevegu… Grunhove… Aquele moçe de impronunciável nome holandês da Jumbo-Visma, o Velopata pedalou pela curva, preparado para o confronto directo com um Cerberus oriundo das mais vis pesadelos que qualquer Ciclista tem com canídeos.
Ao contrário da restante troupe, o Velopata não segurava seu bidon de água – a correta opção seria bebida isotónofílica de modo a deixar o Canídeo todo gosmento e meloso, assim fazendo as delícias de abelhas e mosquedo que não o deslargariam quiçá assim aprendendo a lição de não se voltar a meter com Ciclistas.
Sem sinal de carbono estraçalhado ou mesmo membros decepados ou até semi-digeridos, de um qualquer comparsa da troupe everéstica espalhados pelo alcatrão, foi então que o Velopata ouvistou o Canídeo do Demo, de costas e afastando-se lentamente da estrada – e sprintando como quem sprinta mesmo, o Velopata conseguiu passar despercebido, agradecendo a Divina Jurisprudência das Altas Eminências Velocipédicas.
Claro que a ironia não passou desapercebida ao Velopata – e se o Everesting com intuito de recolher donativos para auxiliar um refúgio para Canídeos e Felinos… Fosse ralo (ou estômago), abaixo devido aos infernais devaneios de um Canídeo?


– Então que foi toda aquela gritaria ainda há pouco? – o Velopata questionava Neves enquanto colava na roda do grupo durante o sector ligeiramente descendente do segmento strávico.
– O cão jogou-se à malta. Tivemos sorte que fugiu com a água que lhe atirámos.
– Atentai uma coisa. Porventura, já alguém pensou em apresentar uma formal queixa às Autoridades?
– Não sei, acho que não.
– Pois devíeis. E quando muito, se as Autoridades nada fizerem, o problema com aquele canídeo não é nada que um seiscentos e cinco forte não resolva.
Silêncio desceu sobre a troupe.
Horrorizados, todos observavam o Velopata.
E o Velopata sabe que finda a leitura destas linhas, também os seus milhares de milhões de seguidores se colocam a mesma questão – como era possível o Velopata proferir tamanha brejeirice, ele que tanto se gaba da sua evoluída dieta não compactuar com qualquer tipo de sofrimento animal? Ele que diz preferir a companhia de animais, excepto baratas e aranhas, a bichos humanos? Como podia ele desejar o falecimento, ainda para mais, um lento e horrível, a um… Vá, mais ou menos inocente canídeo?
Pois é caros companheiros, palha… E amigos do pedal, o Velopata sabe hoje que tal não passou de mais um marafado efeito secundário do lactato a remexer como quem remexe mesmo com a já muito fustigada maionese cerebral velopática.
E este segundo sintoma… Apenas uma amostra do que ainda estava para chegar.
Muito sobe e desc… Bem, por estas linhas o mui querido leitor já sabe…
O Velopata novamente a solo, completa e totalmente desfasado da troupe everéstica que se espalhava pelos inclinados quilómetros do segmento strávico. As forças vacilando como quem vacila mesmo, as pernas para lá de Nestum, Cérelac ou outra qualquer papa, o FTPmax muito aquém dos mais ou menos gloriosos níveis de outrora.
E ele (o Velopata), sentindo aquele pérfido chamamento interior.
O Lado Negro da Velocipedia a despertar.
O Sith a tomar conta de um cansado Velopata.
“Mas que raios está ele aqui a fazer?”
“Ele só espera é que a Milu seja tipo moça de Ermesinde. No mínimo devia cá vir e dar umas massagens ao pessoal.”
VRUUUUUM!
Mais uma razia enlatada a alta velocidade, provocada pelo facto do asno condutor s´acarditar que pisar o traço contínuo no meio de nenhures serranos é em pior relativamente ao Código da Estrada que atentar à segurança e integridade física de um bicho humano. É aquela psicologia enlatada que o Velopata, numa oportuna publicação, certamente dissecará.
“Que merda mais este segmento strávico… Isto é só enlatados e vento… Quem terá tido esta triste ideia? Ah, sim, o Pinto. Ele não percebe é nada disto, já ouvirá poucas e boas…”
“Ó rico segmento do Barranco do Velho, onde os enlatados não proliferam em monte!”
“A Srª Velopata é que tem razão… Quem é que o manda meter-se nestas parvoíces?!?!”
“E a inclinação desta parte final. Mas o que é que é isto Santo Anquetil?!?!?! E o vento. Ó querido Barranco do Velho cuja inclinação e encostas protegidas são tão menos sofredoras…”
“Ó triste vida esta a que ele se sujeita em troca de uns likes strávicos e facebookianos e…”
VRRRUUUUUUMMMMM!
Outra razia enlatada, esta em pior pois após o alevantamento dos braços velopáticos como forma de protesto, o mentecapto condutor da lata ainda mostrou toda sua gentileza e educação lançando um manguito na direcção velopática, devendo o mui querido leitor não esquecer que o Velopata não se refere à fulcral peça de indumentária velocipédica e sim à fixação que os condutores de enlatados aparentam ter com cestos de gávea no mais alto mastro de uma Nau portuguesa.
“Mas tanto sofrimento para quê?… Ele devia era fazer como o outro… O… O… O Mata-Sete… Esse sim é que a soube fazer. Ele pegava num espigão de carbono de alto módulo e realizava aqui um massacre que deixaria a CMTv com material suficiente para muitos anos de programas e emissões especiais e…”
– Bom dia! Como é que isso vai, ainda falta muito?
A simpática voz que soava na roda velopática interrompeu os negros pensamentos de múltiplos homicídios em vários graus e carregados de pormenores sórdidos e maquiavélicos que assolavam a mente velopatóide.
Nuno Rosado, mui importante membro da elite strávica que é a Divisão Velopata, respondia ao apelo carbónico de Pinto mas também ao apelo velopático para entrega das medalhas respeitantes à sua exímia prestação no transacto ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de dois mil e dezoito – segundo classificado na Jersey Papa-Quilómetros e terceiro na Jersey Melhor Macho Ressabiado.

Nuno Rosado acompanhava-se ainda de um outro honorável discípulo da nobre arte strávica e velocipédica, Paulo Russo, e através daquela nova companhia foi possível a um Velopata descartar ideias de possíveis manchetes para a CMTV como “Massacre carbonatado na Arrábida”, algo que certamente faria as delícias do vil jugo opressor tirânico enlatado.
Mais subidas e descidas depois…
Nuno Rosado e Paulo Russo desempenharam uma função que nem os próprios saberão, afastando vis pensamentos da mente velopatóide, distraíndo-o com temas da actualidade velocipédica (importantes), e civil (menos importantes), assim permitindo ao Velopata continuar a labuta everéstica liberto das vicissitudes do Lado Negro da Velocipedia.
Mas cedo ambos os dois partiam para seguir com suas vidas (não são moçes tão parv… Aventureiros como os hérois desta publicação), enquanto a impotente troupe assistia a duas outras perdas de peso – MagGyver OLX seguia para volta de Bêtêtê préviamente combinada com seus comparsas e também AAA se despedia, evidenciando bofes e pernas que no somatório, traduzir-se-iam num empeno que levaria dias a curar.
E lá pedalava o Velopata únicamente acompanhado de Zés das Bikes e seus muitos comparsas que aqui e ali apareciam mas, desconhecendo seus nomes e lembrando que muitos não pertencem à nata da nata da velocipedia strávica que é a Divisão Velopata, tornam-se irrelevantes para esta publicação.
Todos excepto um.
Um moçe que por estas linhas, já liberta apreensivo súor pela iminência do puro vilipendiar velopatóide.
E agora, lido o parágrado anterior, liberta ainda em mais súor.
O moçe (que o Velopata acima amostrou ao mui querido leitor na foto do pequeno-almoço – é aquele mais à direita, envergando colete fluorescente e dotado de uma compleição física mais para o badocha), até entrou com o sapato de encaixe direito no círculo de conhecimento velopático; indicou ter frequentado a loja da especialidade velocipédica no Centro do Universo Velopático Conhecido e inclusivé, ao reconhecer a jersey empregue pelo Velopata, requisitou um abraço ao Gil, Big Boss da referida G-Ride, em seu nome.
O problema é que a pintura do moçe saíu toda borrada quando a troupe passou aquela linha que parecia separar a galhofa velocipédica do holocausto tibial – a inclinação aumentava até zonas maquiavélicamente empinadas e o ciclo menstrual de São Pedro continuava mostrando todo o seu almariado poder através do vendaval lateral nortenho.

Passando aquela marafada linha, o silêncio tomava conta do pelotão everéstico, apenas quebrado pela voz do moçe;
– Então ó Velopata, e aventuras em Bêtêtê? Quando é que te vais aventurar pelos trilhos?
– Sabeis… Se o Velopata um dia destes aparecer no lar com uma roda tuénináiner, é muito provável que a Srª Velopata o meta a viver na rua. Para além da forte probabilidade de algumas de suas nobres montadas saírem voando pela sacada, nunca esquecendo que ele vive num quarto andar mas que nas traseiras, onde também há uma sacada, parece um quinto.
– Ah! Ah! Ah! Isso é o que elas dizem todas. Mas olha que tens uma boa solução.
– Por favor, elucidai-o.
– Podes sempre meter uns pneus de gravel ou ciclocross nisso.
N-i-s-s-o.
Aquelas cinco letras ecoaram violentamente pela mente velopática.
A Estrela Vermelha abanou e sacudiu. Desta vez, o vendaval não era a razão.
É certo que o desplante, má educação, fraco civismo e coiso dos bichos humanos não pára de surpreender o Velopata mas… Quem se julgava este moçe para denegrir assim a Estrela Vermelha?
O Velopata olhou em volta; nem AAA (nos entretantos já devia estar a caminho do conforto do lar), ou Mr. Lamb (desencontrado do grupo), estavam por perto, podendo assim providenciar ao Velopata um dos seus aclamados cacetetes. Não que o Velopata pretendesse recorrer a este (virado ao contrário, é claro), para aplicar umas valentes bordoadas educativas no moçe (afinal, violência é coisa que não assiste ao Velopata), mas talvez atirando o cacetete para os raios da roda dianteira da Merida do moçe durante a descida, permitisse incutir algum bom senso, assim aprendendo à bruta que não se troça de Bicicleta alheia, muito menos a Estrela Vermelha.
“Nisso”…
Com mil raios e cubos, como podia aquele moçe chamar “isso” à Estrela Vermelha; uma Bicicleta de Homem produzida com toda a tradição, know-how técnico-táctico-carbonatado, amor e carinho, pela segunda marca velocipédica mais antiga neste Terceiro Calhau a contar do Sol, e principalmente quando se atenta ao facto que este moçe se munia de uma Merida que;
- todos s´acarditam que a marca é espanhola quando, na realidade, é totalmente taiwanesa, contribuindo este facto para os problemas de identidade e género que a marca tem;
- a marca é uma espécie de sucursal em mais fraquinha da Giant, portantos, não admira que exista ali algum tipo de recalcamento;
- o mui querido leitor não deve esquecer que esta é uma marca que até fonéticamente apresenta problemas – todos dizem Mérida, quando na realidade está lá escrito Merida e nas publicidades televisivas da Eurosport dizem Murida.
Confortando a Estrela Vermelha após tamanha afronta (umas carinhosas festinhas no quadro acompanhadas de umas palavras ainda em mais fofinhas nunca fizeram mal ao carbono), o Velopata deixou moçe e restante troupe distanciar-se durante a descida, pois sentia-se novamente acometido de obscuros, tenebrosos e sanguinolentos pensamentos, sabendo que facilmente podia deslizar novamente para o Lado Negro da Velocipedia e o Everesting terminar não apenas num massacre de pernas e sim num full massacre velocipédico, sem eufemismos ou metáforas à mistura.
Pausa para Almoço
A manhã continuou a ser pedalada, os inúmeros enlicrados que marcavam a encosta arrábidiense lentamente desapareceram, restando apenas a troupe everéstica e seus…
Estômagos.
De tal modo estes roncavam que, por breves momentos, a troupe se questionou se algum Javali mais afoito não se aproximava do alcatrão just to see what all the fuss was about.
Assim, foi tomada a unânime decisão – uma longa pausa para dar azo às hostilidades gastronómicas do Almoço era mais que merecida e bem-vinda.

Não obstante as muitas supresas que o Everesting proporcionava ao Velopata, dificilmente ele podia esperar a que o destino lhe aguardava – enquanto as mandíbulas da troupe carregavam sobre toda uma variedade de iguarias (como sempre, no caso dos comparsas velopáticos escreve-se sobre iguarias em mais bárbaras), uma até então desconhecida voz entrou em cena;
– Então como é que vocês estão? Ainda falta muito?
Todas as cabeças se viraram na direcção da voz – qual David-Kung-Fu-Carradine da Velocipedia, um dos mais grandes Gurus e Influencers e coiso do Bikepacking portuga, nada mais, nada menos que o próprio Carlos Sousa marcava presença no solidário evento, disposto a contribuir como quem contribui mesmo com uma palavra de incentivo à horda e aqueles trocos para O Cantinho da Milu.
Actualmente, findo o excretar do excesso de mesociclo do lactato armazenado na maionese cerebral velopática, ele (o Velopata), sabe que a presença de Carlos Sousa não só se devia a incentivar a malta e contribuir com sua dose de solidariedade, mas também devido a uma complicada questão existencial que o apoquentava e esperava ver respondida;
– Epá, ir do ponto A até ao ponto B, mesmo que muito distantes e numa só épica pedalada eu até entendo, agora andar aqui às voltas para cima e para baixo… Porque raios se meteram a fazer isto?
– Porque são… Parvos? – a opinião era unânime e ainda bem, nunca esquecendo que a união faz a força e coiso.
Impressões foram trocadas e a certa altura o Velopata acarditou-se ser melhor opção alhear-se da conversa – não apenas porque era chegada a hora daquele cigarrinho, mas também porque Carlos Sousa referia que as suas aventuras se tinham reduzido drástica e dramaticamente agora que era progenitor – um Velopata não precisa desses negativos exemplos na sua vida.
Até porque enquanto esfumaçava aquele cigarrinho, talvez acometido de alguma saudade alevantada por aquele diálogo, o Velopata cometeu o crasso erro de telefonar à Srª Velopata para fazer um ponto da situação everestiana, apenas para descobrir que uma só preocupação apoquentava a Srª Velopata – regressaria ele cedo, no dia seguinte, ao conforto do lar, para tal recorrendo novamente ao transporte ferroviário?
– Depois desta última viagem, ele acha que prefere regressar a pedalar. Dependendo do empeno, é claro. – explicou o Velopata.
Silêncio do outro lado da linha.
Só depois de alguns estupefactos segundos, o Velopata entendeu – a Srª Velopata não reflectia na explicação velopática… Efectivamente, a Srª Velopata tinha cortado completamente a ligação, desligando seu telefone esperto na face velopática.
O Corolário velopático só podia ser um – não só o fim de semana seria épico se ele regressasse a pedalar, também o amuo da Srª Velopata atingiria proporções bíblicas.
Xarengado, o Velopata regressou para junto da troupe onde Carlos Sousa já se despedia, e claro – seguiram-se as vaias e apupos a este vosso companheiro, palhaço e amigo do duro circo que é a vida do pedal pois ele ainda esfumaçava um último cigarro na vã esperança de reduzir todo aquele xarenganço que o telefonema à Srª Velopata proporcionou.
Cigarrinho apressadamente carregado nos pulmões e toda a troupe se encontrava novamente pronta a lançar-se ao alcatrão, excitação urinária nos píncaros pois já bem mais de metade da sofrida altimetria estava ultrapassada, faltando apenas pouco mais que um danoni… Vá, não faltava um Danoninho mas também já não era um Danonão.
E…
Isso mesmo, mui querido leitor, mais subidas e descidas depois…
Não será facto desconhecido para os mui queridos leitores versados na nobre arte velocipédica quando o Velopata refere que aquando de uma qualquer pedalada, o que não falta são Encontros Imediatos de Invertebrado Grau; são Abelhas, Vespas, Vespas Asiáticas (um problema sobre o qual o Velopata se debruçará a publicação oportuna), Borboletas, Gafanhotos, Mosquitos, Melgas (notar que o Velopata não se refere a nenhuma tipologia específica de enlatado e sim ao chupista insecto voador), e afins; a lista de bicharada que teima fazer do choque contra um Ciclista ou sua nobre Bicicleta uma válida opção para suicídio é interminável.
Depois existem as Moscas.
Ao contrário da restante bicheza acima descrita, a Mosca é deveras diferente; sempre irritantes; rondam, pousam e criam aquela incómoda comichão enquanto se tentam alimentar sem nada ter produzido, quase podendo escrever-se que são uma espécie de Cigano do Reino Animal (piada patrocinada pela CMTv), verdade seja escrita, o mosquedo consegue mexer com qualquer nervo ou neurónio transportando qualquer bicho humano com uma pinguinha de respeito pela Higiene para lá do irascível.
Mas depois existem as Moscas da Arrábida, capazes de fazer todas as outras restantes estripes parecer umas míseras Drosophila melanogaster (que, para os leitores menos versados em terminologia técnico-táctico-biológica, é a Mosquinha da Fruta).
Com a pedalada a entrar na tarde do dia cinco de Outubro do ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de dois mil e dezanove, pela encosta arrábidoieniense o calor apertou – jerseys foram abertas, bidons de água foram despejados pelas reentrâncias full aero dos capacetes e súor escorria em monte pelas faces, peitos e pernas – o que significava uma só coisa para o nativo mosquedo da região – banquete!
E aqui se estabelecem as diferenças entre a Mosca arrábidoiense e restantes estripes; o mosquedo algarvio, por exemplo, pode ser afastado com um simples chicotear de mão, já estas voadoras filhas de uma concubina aparentavam não ter receio de nada ou ninguém.
Uma e outra vez o Velopata esbraçejou, praguejou e até aquela técnica de morder a atmosfera em vão, aprendida com a Cadela Descontrolada (Paz à sua alma), ele tentou mas nada demovia o mosquedo de continuar ali, rondando e infernizando como quem ronda e inferniza mesmo.
Aquilo já mexia com todas as sinapses velopáticas até que por entre o exército alado, uma mosca houve que se chegou à frente, desafiando Velopata e as mais básicas regras da ASAE – pousou na lente dos óculos velopáticos, mexeu e remexeu suas patinhas gosmentas para depois começar a lember a lente como quem lembe mesmo.
Uma e outra vez o Velopata tentou enxotar aquele insecto do Demo mas nada a demovia.
E como ela lembia e lembia sôfregamente…
E um Velopata ali, assistindo a tudo com uma impotência tal (tirar as manápulas do guiador sob aquele vento lateral nortenho seria deveras perigoso), que o único pensamento que atravessava sua mente é que para qualquer transeunte, ele devia parecer um daqueles animais pejados de mosquedo nos documentários da National Geographic.
´Ca nojo.
Até que, provavelmente já saciada de tanto lember bedúm velopático, a infernizante Mosca decidiu partir, provavelmente para tirar uma satisfeita soneca no topo de um qualquer excremento de Javali.
(Nota velopatóide: querida Mosca; se um dia leres estas linhas, ficai sabendo que é profundo desejo velopático que tenhas sofrido a indigestão da tua vida.)
Moscanado.
Sim, era nisso mesmo que o Everesting se estava a transformar.
Uma versão da aclamada película Sharknado, só quem com mosquedo em vez de peixes cartilagíneos.
E ainda…
Mais subidas, descidas e a Pistola de M&M´s
Verdade seja escrita, durante grande parte do Everesting, ele andou desencontrado do grupo lutando contra seus demónios insulínicófílicos e quando já se conseguia ouvistar a luz no fundo do túnel everéstico, ambos os dois pedalaram um pouco lado a lado, Velopata e Mr. Sock.
– Sabeis que uma vez, aquando da publicação do texto dedicado à frustada tentativa de completar a Mítica Estrada Nacional Dois de uma só assentada, ele recebeu críticas e queixas de um diabético? – comentou deliberadamente casualmente o Velopata.
– Sim, sei.
– Uai, como assim, sabeis?
– Fui eu que te enviei aquela mensagem.
Há aquela tensa troca de olhares entre Velopata e Mr. Sock que só não descambou para algo em mais tenso porque nas redondezas ninguém tocava harmónica. Até porque mesmo que tocasse, dificilmente seria ouvista sobre os uivos de São Pedro.
– Ah… Bem… Pois é como o Velopata te respondeu, se levásteis a sério algo que ele escreveu no blogue… O problema é outro. – explicou o Velopata enquanto mentalmente agradecia às Altas Eminências Velocipédicas por não ter feito uma entrada a pés juntos e em riste aquando do início da conversa.
– Pois mas não imaginas o que é ter de viver com isso desde os três anos de idade…
– Correto, mas atentai que o Velopata até compreende bem o que vós passais, afinal, tanto a Srª Velopata como o Sogro velopático sofrem dessa maleita.
– Sim, tu explicaste isso mas… Não precisavas ter feito aquela piadola.
– E vós não precisáveis de o ameaçar de perseguição pela serra algarvia e porrada.
– Epá, isso foi a reinar contigo. – explicou Mr. Sock.
– Pois mas ficai sabendo que o Velopata tem seus milhares de milhões de leitores em boa conta e só por respeito e boa educação e coiso é que não sugeriu que pudésseis persegui-lo à vontade pois ele iria munir-se de… De… De uma Pistola de M&M´s!
– Ah! Ah! Ah! Estás a falar a sério?
– Claro, um Velopata nunca brinca com assuntos sérios. Ele até tem uma loja perto do local onde ele afincadamente labuta que vende dessas iguarias.
Uns instantes de silêncio são pedalados enquanto ambos os dois tentam manter o equilíbrio à passagem de uma rajada de vento lateral nortenho.
Continua a não se ouvir nenhuma harmónica, acarditando o Velopata que aquilo é um bom augúrio em como o esgrimir de argumentos poderá fluir para bom porto.
– Sabes Velopata… Se voltarmos a pedalar juntos… Vais ter de trazer uma dessas Pistolas de M&M´s.
Gargalhada geral, assim comprovando como os inúmeros mal-entendidos deste Terceiro Calhau a contar do Sol podiam ser resolvidos se os bichos humanos usufruissem mais dessa maravilha que é o diálogo acompanhado de umas pistolas de guloseimas e, porque não, umas garrafas de tintol, sabendo o Velopata que agora, os mui queridos leitores não descansarão enquanto não ouvistarem aquela foto no Instagram velopático dele e Mr. Sock pedalando juntos enquanto ambos os dois partilham as lambonas delícias gulosas que só uma Pistola de M&M´s consegue proporcionar.
E se mais alguma prova faltava do real valor deste moçe – Mr. Sock seria o primeiro a terminar o Everesting.
Só para mostrar que com este diabéticofílico não se brinca às carochas.
A Última Subida
Assim como começa, o escalafrar de pernas termina.
Longas e sinuosas dezoito horas depois, quase duzentos e noventa quilómetros pedalados desde que o primeiro sapato de encaixe foi engatado no pedal, a troupe everéstica iniciava a última subida que levaria ao culminar de todos os oito mil oitocentos e quarenta e oito metros de desnível acumulado positivo.
Numa mescla de excitação urinária e transe, o nirvana velocipédico já no horizonte, o Velopata seguia lançado na frente do pelotão quando um uivo como ele jamais quer voltar a ouvistar soou na roda.
Zé Obélix detinha-se em pleno asfalto, olhos marejados de lágrimas;
– Malta… snif, snif… vão ter de… snif, snif… Vão ter de seguir sem mim! – bradou.
– Então pá? Que conversa é essa? Só falta mais esta subida! Que se passa? – retorquiu um côro de agora já não tão excitadas vozes.
– O Garmin… snif, snif… O Garmin desligou-se! Já não é a primeira vez que me faz isto, quando a bateria fica fraca… snif, snif… simplesmente desliga-se… Não vou conseguir gravar tudo isto… snif, snif… e Eles não vão aceitar o meu Everesting… snif, snif…
Pinto, com todo o seu conhecimento técnico-táctico-garmínico, acercou-se da Canyoncoisa de Zé Obélix, observando o defunto já para lá de cadáver GPS.
– Tens aí o teu telemóvel, certo? – inquiriu Pinto.
– S… snif, snif… Sim… snif, snif.
– Fazes assim, usas o telemóvel para gravar esta última subida e depois vais à cache do algoritmo no sharing do feed que te permite fazer o streaming do track no upload.
(Nota velopatóide: a transcrição acima não é a mais correta do que foi explicado por Pinto, no entanto, mais detalhe, menos detalhe, foi o que o Velopata entendeu.)
– Epá… snif, snif… mas Eles assim não vão aceitar o meu… snif, snif… Everesting… snif, snif… – Zé Obélix estava inconsolável.
– Vão sim, em última instância, nós somos testemunhas de que o fizeste conosco! – notou Neves.
Toda a troupe abanou a cabeça afirmativamente – certamente não seria por uma falha garmínica que tanta labuta altimétrica seria strávicamente e internéticamente desfeita.
Apesar de todas as palavras, palmadinhas nas costas, apoio e consolo, Zé Obélix encontrava-se determinado a colocar o pé no chão, sabendo o Velopata que, no que à sua competência respeita, pouco ou nada podia dizer ou fazer que motivasse o moçe a não desistir – talvez Zé Obélix experienciasse todas as nuances que o lactato do mesociclo provoca no cérebro dos heróis, não conseguindo lidar com estas.
Resoluto, o Velopata decidiu continuar e deixar a troupe para trás enquanto entregue à miséria strávica e infortúnio de Zé Obélix, com o intuito de poder recolher algumas fotografias para a posteridade velocipédica, tal como explicado na primeira parte do texto que se o mui querido leitor não leu… O Velopata não percebe como raios e cubos conseguirá fazer algum sentido desta publicação, logo, podeis tratar disso clicando aqui.

Agora que o mui querido leitor recordou a primeira parte desta publicação subordinada ao Everesting velopático, certamente já terá entendido porque razão apenas Pinto e Neves chegaram ao topo do segmento strávico pouco tempo depois do Velopata.
Zé Obélix colocou o pé no chão, desaustinado e almariado pela falha do seu marafado GPS, no entanto, a opinião era unânime – Zé Obélix havia completado o Everesting e não seriam os curadores destas parvoíc… Desafios internéticos que o contradiriam.
Contrastando com a desgraça que se abatia sobre Zé Obélix estavam o júbilo e regozijar de Mr. Sock e Mr. Lamb, ambos os dois encontrados pelo Velopata enquanto seguiam já na sua acelerada fase descendente, primeiros a completar a totalidade das hostilidades everésticas.
Seguiram-se o Velopata, depois Neves e Pinto e num ápice já a troupe se juntava no parque de estancionamento dos enlatados para celebrar sua vitória.
Conhecendo a elevada importância e relevo social deste desafio, o Velopata preparou uma surpresa para seus comparsas, transportanto uma garrafa desse delicioso Mel algarvio que é a Aguardente de Medronhe (Medronho, em português), cuja principal função seria a de permitir um digno brinde a tanto sofrimento ultrapassado e objectivo cumprido.
E foi justamente aqui que os Zés das Bikes meteram o pedal na poça.
Zé Obélix não estava nem aí, Mr. Sock referiu que aquele teor alcoólico só desaustinaria umas já muito desaustinadas mitocôndrias e Mr. Lamb afirmou que teria de regressar rapidamente ao conforto do lar pois os compromissos com a Mrs. Lamb encontravam-se há muito marcados e uma desfeita depois de tanto tempo fora do lar… Ou seja, o Velopata sabe que o sofá da sala de Mr. Lamb não deve ser assim muito confortável.
Como ninguém parecia interessado em festejar com um brinde daquela excepcional categoria (e ainda se auto-denominam Ciclistas…), restava ao Velopata contentar-se com aquela média fresquinha e cumprir uma última tarefa – oferecendo a garrafa de Medronhe a Neves como agradecimento por tudo aquilo em que auxiliou (e ainda auxiliaria), Velopata, Neves e Pinto reuniram-se para finalmente colocarem um ponto final parágrafo nos importantes assuntos pendentes.

Uma espécie de Epílogo
O regresso a Chez Neves foi bem mais calmo, ao contrário do que o Velopata esperava.
A buzina do enlatado de Chaves não pigarreou durante todo o percurso e a conversa sobre todas as especificidades técnico-tácticas-empenantes de um Everesting seguiu tranquila, excepto quando Neves colocou novamente um Velopata a carregar aquele velho frigorífico, só para o mui querido leitor como eles são machos com um M bem maiúsculo – Merckx nem escadas subia ou descia em antes ou em depois de etapas nas Grandes Voltas e eles até frigoríficos carregavam mesmo findo um Everesting.
Nesse final de tarde, o Velopata pode confraternizar com a restante família de Neves, sendo apontado pela sua respectiva, após servir na mesa um manjar digno de alimentar uma legião romana durante várias incursões, que ambos os dois bebiam mais médias fresquinhas que comiam.
– Eles parecem vampiros. – notou um Velopata.
– Como assim? – inquiriu a Srª Neves.
– Têm uma sede que não se apaga.
E depois de todo aquele tratamento VIP para o qual jamais um Velopata será capaz de encontrar palavras que exprimam toda a sua gratidão, que mais podia um ele pedir?
Nem os relógios analógicos e digitais de Chez Neves marcavam as nove da noite e já ambos os dois se retiravam para seus respectivos quartos, carentes daquela dose de soninho recuperador bom.
Quer-se dizer, o Velopata até podia pedir que não o colocassem no quarto de uma das crias de Neves que parece ter uma qualquer fixação doentia com os USofA; com inspiradoras frases de Presidentes ávidos de militarização e distribuição de democracia em países contando que estes forneçam pitrólio, bem como, imagine-se, detalhados planos e esquemas de construção de material bélico inclusivé mísseis, forrando as paredes do quarto.
Não é que o Velopata se queira meter na educação das crias de outrém mas… Ó Neves, tu tende alguma cautela com a educação desse moçe…
No dia seguinte, Domingo, seis de Outubro deste ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de dois mil e dezanove, Velopata e Neves voltaram a madrugar, desta vez com o intuito de uma velopática boleia enlatada até Setúbal onde a Estrela Vermelha perderia sua virgindade em transportes marítimos, desembarcando posteriormente em Tróia e daí seguindo numa maravilhosa pedalada até ao reino algarvio, contabilizando mais duzentos e vinte quilómetros.
E que magnânime pedalada foi – se ainda não pedalaram lá, façam um favor a vós e vaiam percorrer a estrada em antes e em depois de Santiago do Cacém – uma beleza inigualável, com o Oceano Atlântico do lado direito e montes e pinhais a perder de vista no lado esquerdo (no sentido de Odemira, pois claro, caso contrário vosso GPS deve ser aparentado do Garmin de Zé Obélix…).
E foi já pelas onze da noite desse mesmo Domingo, que o Velopata entrou no conforto do lar, apenas para encontrar um Velopatazinho há muito adormecido e uma Srª Velopata já em modo Zapping Dead.
Que é aquele estado de vida suspensa onde não se está a dormir mas também não se está acordado e o único músculo que mexe é o do dedo premindo o comando televisivo para mudar de canal – talvez por isto, o Velopata se tenha safado de uma valente reprimenda, mas nunca esquecendo o óbvio; era certo e sabido que na semana em que agora se entrava, muita refeição seria preparada, muito chão lavado e varrido, muita roupa lavada e estendida, muita fralda mudada.
Se o mui querido leitor s´acardita que a história termina por aqui… Engana-se.
O pior de todo este devaneio velocipédico everéstico ainda estava para chegar.
Depois de tanto quilómetro e alcatrão pedalado, agora com seu nome gravado no seio dos Hells500, curadores desta e outras parvoíc… Aventuras, como podia ele regressar à secante vida normal e quotidiano e coiso?
Nenhum colega de métier velopático se dignou a parabenizá-lo.
Na rua, mesmo com peito inchado e sentindo-se uma espécie de CR7 da Velocipedia, o maior da sua rua e aldeia e coiso, ninguém ligou pêvas ao Velopata. Nem mesmo a Empreg… Trabalhad… Funcionári… Colaboradora do McDonald´s farense pareceu atribuir alguma importância ao facto de atender o pedido do Velopata, esse herói que completou um Everesting e sobreviveu.
Tanto sofrimento para nenhum reconhecimento…
Resta a consolação que O Cantinho da Milu recebeu uma excelente ajuda.
Como nota final o Velopata não pode senão deixar aqui um tremendo agradecimento a todos os que de alguma forma contribuíram para o sucesso desta demanda velopática;
- Neves e família Neves
- Pinto
- Mr. Sock
- Mr. Lamb
- Zé Obélix
- Agente da Autoridade Anónimo
- MacGyver OLX
- Chicken Piri-Piri
- Marreta Man
- Nuno Rosado e Paulo Russo
- Carlos Sousa
- E vá… Até Tiago Domingues, o moçe que chamou a Estrela Vermelha de “isso” porque o Velopata é um moçe que sabe perdoar.
Um grande MUITO OBRIGADO a todos e… Para quando a próxima?
Abraços velocipédicos,
Velopata
Épico e escaldante!!…
Maravilhoso!!
Gostei do meu onomástico
Abraço velocipedico e um beijinho à estrelinha
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Nice
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