Arf… Arf…
“Só mais uns metros.”
Arf… Arf… Arf…
“Já ali estão as antenas.”
Arf… Arf…
“Merda mais ao vento.”
Arf… Arf… Arf… Arf…
“E…”
Arf… Arf… Arf…
“E…
Arf…
“E já está!”
A Estrela Vermelha cessou seu movimento ascendente, o término da esbaforida e já miserável cadência velopática.
Detendo-se no topo daqueles trezentos e sete metros de altitude, o olhar velopático percorreu a deslumbrante paisagem naquela que provavelmente seria a última vez, conseguindo esboçar o que aparentava ser um escalafrado sorriso enquanto vários pontinhos se destacavam no horizonte de gris alcatroado – também Neves, Pinto e Mr. Lamb se aproximavam do término da que também foi uma inesquecível pedalada para ambos os três.
Não que fosse intenção velopática terminar o Everesting em antes de seus comparsas de parvoíc… Aventura, para depois se poder vangloriar de algum marafado tipo de distribuição carocheira – era simplesmente intenção velopática recolher algumas fotografias para imortalizar o momento para além de as partilhar com a sua horda de milhares de milhões de seguidores, uma vez que durante as hostilidades everésticas, ao Velopata dificilmente havia sido dado tempo ou espaço para actividades do foro blogoesférico.
Arfando como quem arfa mesmo, o Velopata não s´acarditava.
Era praticamente oficial, indicando o Garmin que poucochinho acima de oito mil oitocentos e quarenta e oito metros de desnível positivo acumulado estavam cumpridos, restando assim apenas o envio do traque efectuado aos curadores do site de referência para todas estas parvoí… Pedaladas épicas – Velopata e restantes comparsas gravariam os nomes de seus heterómónimocoisos numa curta lista de parv… Heróis que deixam para trás suas zonas de conforto e anseiam pelo desafio assim mesmo; sorriso na face e peito ao vento.
E que vento varria as encostas arrabidoenses…
Mas… Não se queimem etapas; o Velopata continuará seu relato exatamente onde terminou o anterior Prólogo – pelas dezoito horas do dia quatro de Outubro do ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de dois mil e dezanove, momento em que as tropas se concentraram nos portões da cimenteira Secil, todos à rasca como quem está mesmo à rasca.
Verdade seja escrita, não apenas a ideia do monumental empeno apoquentava a mente velopática, afinal, ele carrega consigo nos fraquinhos ombros somali-anorécticos o peso de ser o Velopata (nem contando com os mais de nove quilogramas da Estrela Vermelha), sabendo que restantes comparsas olhavam para ele como detentor de uma certa responsabilidade e expectando um mínimo de pedalada, nunca esquecendo que pela primeira vez, o Velopata pedalaria no seio da elite velocipédica que são os Zés das Bikes.
Portantos, desistir era opção que não podia assistir ao Velopata.
Deixando o enlatado de Neves para trás, o Velopata tratou de travar os primeiros contactos com um dos bravos que lhe faria companhia nas horas seguintes; um dos humildes mas rijos membros dessa elite strávica que é a Divisão Velopata (até à data desta publicação nunca efectuou uma presença nos celebrados pódios), conhecido por entre seus párias como Mr. Lamb.
C´um catane… O moçe apresentava um físico que dir-se-ia esculpido em carbono de alto módulo, facto que não era para mais – segundo o Velopata conseguiu coscuvilhar nos entretantos do Everesting, à semelhança do Agente da Autoridade Anónimo (AAA), também Mr. Lamb labuta como Agente da Autoridade, restando assim apenas saber se suas pilhas se encontravam na mesma categoria de AAA ou não seriam daquelas adquiridas numa qualquer loja asiática.
Se dúvidas o Velopata ainda tivesse, aquela tatuagem na perna direita de Mr. Lamb, perfilando as altimetrias das várias Serras deste recanto à beira-mar mal plantado com eucaliptos em monte, era claro indicador que este moçe era adepto de uma dose bem aviada de sofrimento altimétrico e aparecia para o Everesting com tudo, só foi pena ter optado por se munir de uma Specialicoiso mas… Enfim, ninguém é perfeito.
Nervoso, o Velopata aproveitou para aquele neurótico cigarrinho enquanto travou conhecimento com outro membro da elite everéstica que mostrou toda a sua excelente forma física no decurso do último mês de Setembro, registando um brilhante sétimo lugar na Transibérica, uma pedalada de três mil e oitocentos quilómetros em total autonomia que, como o nome indica, percorre grande parte da Península Ibérica.
Seria de esperar que tão ilustre adepto das duas rodas a pedal sem conspurcante motor e dotado de um currículo desta grandeza fosse de uma magreza somali-anoréctica ainda em pior que a deste vosso companheiro, palhaço e amigo do duro circo da vida do pedal que é o Velopata, mas não. Já durante o almoço nas anteriores horas desse dia, Pinto havia alertado para o facto de Zé Obélix, apesar do excelente momento de forma velocipédica, poder vir a sofrer em mais que restantes comparsas por ser o mais… Mais… Vá, o Velopata vai só escrever que confirmou ser este o membro mais “badochinha” da troupe. Mas como em todas as boas histórias, existe sempre um, não é? O Velopata até admite que estranhou não existir ainda um brasileiro ou um ucraniano pelo pelotão everéstico porque lá está, também há sempre um nas grandes histórias, não é?
Era só nervos.
Portantos, para além do desafio everéstico per se, todos aparentavam desafiar medos e demónios dos próprios e vice-versa e coiso.
(Nota velopatóide: também Neves, à semelhança do Velopata, enfrentava o desafio psicosomático de já ter um fracassado Everesting e o Pinto… Bem, o Pinto só podia sofrer de algum tipo de disfunção cerebral, provavelmente fruto de um qualquer efeito secundário da dieta rica em shots de acetona ou lá o que é, visto encontrar-se a pedalar deliberadamente para completar o seu terceiro Everesting!)
Um terceiro comparsa aproximou-se e cumprimentou o Velopata – era Mr. Sock que, como o próprio nome de guerra velocipédico indica (numa tradução literal do anglo-saxocamónico significa Sôr Peúgo), munia-se de uns peúgos sui generis mas que, sempre apressado pelos restantes párias para que despache seu cigarro e equipe a Estrela Vermelha para se lançarem ao alcatrão, o Velopata não conseguiu fotografar as ditas para a posteridade velocipédica mas é como dizem nesse desporto menor da bola – fica o registo.
Muita coisa há a escrever sobre Mr. Sock, mas o Velopata vai deixar a explicação sobre todas as idiossincrasias técnico-táctico-diabéticofílicas que o tornam um rijo exemplar de Ciclista a seguir, para posteriores linhas da publicação.
Até porque os mui queridos leitores certamente não cabem em si na ânsia pelo parágrafo no qual o Velopata começará a descrever todas as agruras pela qual a troupe passou, no entanto, devem notar que este foi um factor dominante durante todo o Everesting – o apressar dos momentos nicotinados e devaneios velopáticos e, como tal, de gente apressada está ele cansado. Por isso, tende lá calma convosco.
Enquanto Neves, Pinto e Mr. Lamb ultimavam pormenores com o Segurança da Secil, cimenteira que simpaticamente cedeu uma tomada eléctrica onde a troupe pode ligar um pequeno e velhinho frigorífico orientado pelo Neves à última da hora (tendo sido carregado durante essa mesma tarde por ambos os dois, Neves e Velopata, mesmo debaixo de grande protesto velopático, alembrando que o Grande Merckx nem subia ou descia escadas em antes ou em depois de etapas das Grandes Voltas e eles andavam carregando frigoríficos em antes de um Everesting…), o Velopata sentia seu coração mais descansado sabendo que médias fresquinhas estavam asseguradas.
Um desconhecido enlatado vermelho entrou no local de estancionamento das tropas.
Chegava o já incontornável mais grande comparsa das aventuras velopáticas – AAA.
Alguns apupos foram lançados na nervosa atmosfera devido à tardia hora a que AAA chegava, no entanto, este é provavelmente o resultado da muita convivência com o Velopata que levou o moçe a osmóticamente adquirir alguns dos hábitos velopáticos – nunca chegar atrasado mas sim à hora a que se está destinado, como Gandalf, O Cinzento.
Trivialidades, apresentações e rezas a Nosso Senhor Joaquim Agostinho cumpridas e o sapato de encaixe era engatado pela primeira vez, marcando o início das hostilidades everésticas pelas dezanove horas e oito minutos do dia quatro de Outubro do ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de dois mil e dezanove.

A Primeira Subida
Importa realçar que o Velopata era totalmente desconhecedor do segmento em questão, salvo análise strávica – cinco vírgula seis quilómetros a uma pendente média de seis por cento.
Logo, não será estranho para o mui experiente leitor versado nas artes strávicas, quando o Velopara refere que aqueles primeiros quilómetros de ascensão o deixaram… Vá, ainda em mais à rasca – é que todos aqueles primeiros quilómetros de subida poderiam cumprir-se com a Estrela Vermelha engatada na talega sem que isso forçasse a bofes de fora. E se a inclinação era fraquinha nesta parte do segmento… Que inclinadas surpresas o aguardavam para que a média final de inclinação atingisse os seis por cento?
(Nota velopatóide: se o mui querido leitor, certamente civil, não entendeu todos estes complicádos cálculos aritmético-strávicos – não desesperai! Simplesmente estais esquecendo que três vezes seis é dezoito.)
A troupe seguia animada, a cavaqueira era em mais que amena até que finda uma pequena curva, o Velopata ouvistou Zé Obélix e Pinto distanciando-se na frente do grupo.
– É impressão velopática ou o ressabio já está a começar cedo? – indagou o Velopata para Neves que seguia confortavelmente ao comando da sua Jackie Joy.
– Não, nada disso. Aqui é a zona do Cão. Eles vão à frente de bidons na mão para lhe atirar água ao focinho caso venha de lá com ideias de afiambrar um de nós. – explicou.
– Isso já aconteceu? – o Velopata sentia o esfíncter contrair gradualmente à medida que se aproximavam os portões da habitação onde residia o tal canídeo do Demo.
– Epá, que eu saiba… Acho que não.
– ´Tá safo pessoal! Nem sinal do cão, deve estar preso! – bradou uma indistinguível voz lá na frente.
– Parece que desta vez estamos com sorte! Resta só saber se aqueles amigos do Neves do Klu Klux Klan não andam por aí hoje! – informou outra irreconhecível voz lá na frente.
Risada geral.
Só o Velopata é que não encontrava ali nenhuma razão para soltar gargalhadas;
– Uai, Klu Klux Klan? Ma´ que história é essa? – inquiriu o Velopata.
– Esta serra tem histórias e coisas esquisitas. – explicou Neves.
– Isso todas têm. Mas uma coisa são Ovnis ou histórias de amor bom entre pastores e ovelhas. Outra coisa são facínoras atrasados mentais. Por favor, defina coisas esquisitas.
– Epá, honestamente, nem sei se eram do clã. Foi durante uma pedalada em que passei aqui numa noite de um solstício qualquer e vi uma série de malta toda vestida de branco em torno de uma fogueira mas não tinham as cabeças tapadas.
– Haveis reparado se estavam preparando o linchamento de algum cidadão de etnia africana? Quiçá até cigana?
– Ah, Ah, Ah! Acho que não. Nem nos ligaram nenhuma, continuaram para lá nas rezas deles.
– Sabeis que isso nada tem a ver com fachos filhos de progenitores genéticamente muito próximos, até porque se foi durante um solstício muito provavelmente era pessoal das religiões pagãs e do Xamanismo.
– Achas mesmo?
– Sim e com essa malta não há grande problema. São da paz e do amor e coiso. A não ser que a moca dos incensos marados e dos cogumelos lhes dê para vir para a estrada, convencidos que estão possuídos pelo animal-totem. Isso pode ser perigoso durante a descida.
A inclinação reduziu bastante e a conversa ficou por ali – o Velopata ouvistou enquanto a troupe acelerou, podendo mesmo escrever-se que estavam em ligeira descida.
Uai, ma´ que jeites?
Então mas isto não era um Everesting e subida em monte e coiso?
Aproveitando que a troupe se começava novamente a aglomerar, fruto da ligeira inclinação que regressava, foi a vez do Velopata sentir confiança para lançar uma piadola velocipédica na atmosfera;
– Então mas quando é que essa tal subida começa mesmo?
A piadola caiu em cãmbra de ar rôta e mais uma vez o Velopata não pode deixar de aproveitar a oportunidade para tomar nota mental de doravante efectuar maior reflexão nas palavras da Srª Velopata – ele e sua grande, apesar de bonita, boca.
A inclinação do alcatrão adquiriu contornos tenebrosos, indicando o Garmin que a troupe pedalava através de nove e dez por cento de inclinação mas o mui querido leitor pode nem s´acarditar, o pior nem era a escalafrante inclinação.
Para variar, como em todas as épicas pedaladas velopáticas, faltava aquele toque pessoal dessa rameira do São Pedro que só agora aproveitava para mostrar todo o poder do seu almariado ciclo mentrual – a encosta que a troupe se preparava para pedalar durante duras e longas vinte e nove vezes era varrida a um desaustinante e lateral vento nortenho que obrigava ao dobro das forças e bofes para conseguir atingir o final do segmento strávico, coincidente com umas Antenas que o Velopata não chegou a perceber se de origem militar ou civil.
E cumpridos aqueles horripilantes dois vírgula vinte e dois quilómetros finais da primeira ascensão em longos, inclinados e ventosos doze minutos e cinquenta e seis segundos, a troupe detinha-se observando o último pôr do Sol em antes de se lançar na descida.
A Primeira Descida
– A´tão mas ó Velopata… Se esta é uma história sobre um Everesting e subidas e coiso, porque razão vais escrever sobre a primeira descida? – questionará o mui atento leitor.
A razão é deveras simples – o Velopata hoje sabe porque razão as novas rodas que equipam a Estrela Vermelha, produzidas pela marca de nuestros hermanos Progress, se apelidam de Phantom.
Que traduzido do anglo-saxocamónico significa Fantasma.
E foi justamente nisso que elas queriam transformar o Velopata.
Um fantasma.
Que a finar, seria certamente sua jura eterna regressar para atormentar a vida dos produtores das referidas rodas, assistir às vitórias do Velopatazinho no World Tour e claro, aterrorizar e tornar a vida dos enlatados um terror e inferno e coiso.
Durante aqueles quilómetros de descida com a encosta arrábidoiense exposta ao desaustinado vento lateral nortenho, o esfíncter velopático contraíu-se a níveis jamais experienciados. Uma e outra vez a Estrela Vermelha sacudia violentamente qual indomável corcel saído de uma qualquer película de cóbóiadas do faroeste.
Só uma opção restava ao Velopata – rezar para que o Santo Sram Red continuasse abençoando suas pinças e a integridade do full aero alumínio da pista de travagem aguentasse tanto pressionar de manete, deste modo evitando que Estrela Vermelha adquirisse uma velocidade tal que , quando restante troupe percebesse que o Velopata não seguia nas suas rodas e o Helicóptero das Forças de Socorro e Salvamento chegasse, descobririam Velopata e Estrela Vermelha já bem encaminhados para o Além Velocipédico, ambos os dois esbardalhados no fundo de uma qualquer ravina.
Descendo duas curvas de maior grau de tecniciosidade, a vegetação regressava à paisagem, assim proporcionando algum abrigo ventoso e o Velopata podia finalmente descansar suas manápulas dando azo a todas as suas qualidades de descedor – ainda assim, finda toda esta parvoí… Aventura everéstica, o Velopata tem a certeza que a opinião é unânime entre seus comparsas – o Velopata não é um Ciclista que desce mal.
Desce pior.
Juntando-se toda a troupe na base do segmento, o moral continuava em alte enquanto pedalaram para a segunda subida do cardápio e uma irreconhecível voz no seio do pelotão everéstico motivou as tropas, gritando “já só faltam vinte e oito!”.

Escalafrantes subidas e acagaçantes descidas depois…
Mesmo estando todos fisicamente aptos e mais ou menos psicológicamente preparados para tamanha parvoíc… Desafio, era simplesmente natural que à medida que quilometragem e altimetria fossem embutidas, para uns em mais cedo e outros em mais tarde, os ritmos velocipédicos obrigariam ao esfrangalhar da troupe, distribuíndo-se pela subida, cada um nos seus ritmos próprios e lutando com seus demónios e coiso.
E cedo surgiu a primeira baixa no grupo – Mr. Sock era forçado a deslocar-se ao seu enlatado para compromissos diabéticofílicos, assim perdendo o comboio everéstico.
Seguiu-se AAA, cujas pilhas não haviam sido corretamente carregadas nos últimos meses, como tal, indicou ao Velopata que seria forçado a uma paragem pois para além do elevado cansaço que já sentia, também algum soninho começava a surtir seus nefastos efeitos.
Numa tentativa de agrupar toda a troupe, foi decisão unânime proceder a uma paragem, tendo o Velopata aproveitado para tentar motivar AAA a continuar, sabendo que o soninho podia ser combatido com aquele truque já tantas vezes referido neste espaço velointernético.
Até porque um cigarrinho já calhava mesmo bem.

Uma barrinha energética, um balde de café (a troupe organizou a coisa tão bem durante as longas sessões no chat internético que estavam disponíveis aí umas três máquinas diferentes e várias variedades de café – um mimo!), e um cigarrinho depois (sempre apressado pois a frase que mais preenchia a atmosfera era “está tudo à espera que o Velopata acabe de fumar”), e lá seguiu a troupe para mais uma sessão de escalafrar de pernas altimétrico, AAA incluído.
Mais lacinantes subidas e temíveis descidas depois…
O grupo seguia unido, o companheirismo e a camaradagem mantinham seus elevados níveis quando o Velopata ouvistou um som que o fez tremer da ponta do capacete Kask Mojito à sola full aerocarbon do sapato de encaixe Mavic Ksyrium.
– Apareceram os javalis? – questionará o mui preocupado leitor.
Pior, muito pior.
Terere re…
Tereretete
Terere re…
Tereretetete
Terere Tererererere
Tereeeeeee
E depois daqueles pirosos primeiros acordes, seguia-se aquela voz ainda em mais pirosa, proveniente da época medieval negra da música comunemente reconhecida como os anos eities;
We´re leaving together
But still it´s farewell
And maybe we´ll come back
To Earth, who can tell?
I guess there is no one to blame
We´re leaving ground (Pinto e o coro piroso repetem gritando “leaving ground”)
Will things ever be the same again
It´s the Final Countdown!
The Final Countdown! (Pinto e o coro piroso berram em uníssono)
Isso mesmo, mui querido leitor.
O Pinto munia-se de uma mini-sanfona que se liga ao telefone esperto por dente azul e havia preparado uma série de “músicas” daquelas bem pirosas para, de algum sórdido modo, auxiliar à motivação da troupe.
Só que aquilo funcionou ao contrário.
De imediato, Zé Obélix começou a ziguezaguear na estrada como quem ziguezagueia mesmo, não percebendo o Velopata se tal era efeito da piroseira (o Velopata sabe que Zé Obélix partilha preferências musicais mais requintadas e próximas das velopáticas), ou se era sua ideia completar o Everesting em mais cedo para não ter de suportar aquilo – talvez Zé Obélix, à semelhança de um comparsa velopático algarvio, s´acarditasse que subir aos ziguezagues dá maior acumulado…
Mr. Lamb deixou-se ficar para trás referindo que preferia manter seu emprego, em risco ao ser ouvisto na companhia de tamanha piroseira.
Até Mr. Sock afirmou que os seus níveis de insulina tinham acabado de sofrer uma drástica redução, assim ficando também para trás.
E lá ficaram um ziguezagueante Zé Obélix, Velopata, Neves e AAA suportando toda aquela cacófona tortura a que Pinto submetia a troupe, não se ficando apenas pelos Europe – dir-se-ia que o telefone esperto (ou leitor de émepêtrês, o Velopata não pode precisar), havia sido preparado por algum locutor da estação de rádio M80.
(Nota velopatóide: em abono da verdade, o Pinto não partilhava somente piroseira com a restante troupe, preocupado com todos os gostos e moral da horda, levou também algumas malhas da Ana Malhoa, cuja imagem mental sempre auxilia o turbinar das tropas.)
Mais excruciantes subidas e compressoras de esfíncter descidas…
Durante mais uma fase final do marafado segmento strávico, o Velopata lutava contra o fustigante vento quando sentiu um toque nas costas.
AAA.
Cuja face revelava que as pilhas já nem para reciclar serviriam.
– Já não aguento mais, a seguir vou mesmo parar umas horinhas. Talvez tente dormir um pouco dentro de um dos carros e logo vejo se consigo fazer mais umas subidas convosco. – explicou.
– Sim, fazei isso. Ide procurar conforto no interior de um vil enlatado. – confirmou o Velopata.
– Mas vejam é lá o Neves.
– O que tem o Neves?
AAA não respondeu, sinalizando na direcção de Neves.
A imagem que o Velopata ouvistou nada tem de bonito, ao contrário do que as fotografias cheias de pinta e pausa velocipédica e coiso, partilhadas pelos meandros facebookianos, possam aparentar;

Os olhos de Neves eram de um Pal Plus que jamais algum Black Trinitron terá conseguido no pináculo de sua tecnologia. Aquele fio de baba conectando os lábios superior e inferior de uma aberta e contorcida boca. A posição ao comando da Jackie Joy, longe da ideal para a produção do lactato do VO2max.
– Estou mal do estômago. – informou Neves.
Portantos; Mr. Sock já andava desencontrado com o grupo, continuando sua pedalada everéstica combatendo seus demónios insulínicos, a troupe perdia AAA até sabe-se lá quando e Neves parecia pronto a partir numa demanda do Gregório nas valetas remexidas pelos javalis.
Há aquele tenso momento em que o Velopata se questiona se não é este um premonitório sinal do colapsar das intenções everésticas.
Mas a esperança renasceu por entre as brumas da serrana humidade que se alevantava, infelizmente acompanhada de uma Specialicoiso dotada de rodas full carbon, daquelas que são mesmo só carbono, 100% carbono, totalmente em carbono, full aero carbono.
Iluminação nocturna? Um mísero farol vermelho traseiro acompanhado de uma ainda em mais mísera luz frontal que nem para destacar sua presença entre enlatados dir-se-ia servir.
Nenhum quente casaco Wind Tex Gore Force Carbon Stopper ou mesmo luvas com dedos, pernitos ou agasalho de qualquer espécie dotado da mesma tecnologia à vista.
Duas simples barrinhas energéticas e um gel no bolso da jersey.
Mas aí estava mais um Ciclista respondendo ao internético apelo carbonatado de Pinto.

O televisivo ídolo dos anos noventa tudo conseguia com o mínimo dos recursos; se necessário, com 2 palitos e uma laranja construia uma mina anti-tanque.
Como não tinha trazido palitos ou laranjas, MacGyver queria adquirir tudo a troco de dinheiro, temendo o Velopata que este Everesting descambasse como quem descamba mesmo numa versão alucinada e altimétrica do OLX;
– Epá ó malta, não querendo ser muito chato, mas agora na próxima paragem, acham que vos posso comprar uma sandes? – indagou MacGyver OLX.
Silêncio.
Todos se questionavam mentalmente sobre todas as idiossincrasias técnico-tácticas-gastronómicas que aquela questão alevantava. Todos menos o Neves que a balbuciar alguma coisa, certamente sua voz acompanharia o que seria um excelente adubo para as encostas arrábidienses.
Aquele desconfortável silêncio é quebrado – a troupe irrompe em gargalhadas;
– Ó homem, podes comer todas as sandes que quiseres!
Pausa forçada
Neves emborca um Kompensan enquanto estômago e maxilares gladiam contra um Compal de Manga-Laranja e um Croissant Misto.
O Pinto queixa-se de dores no joelho.
O Velopata assiste a tudo de cigarrinho na mão esquerda e média fresquinha na mão direita.
Mais uma vez, Mr. Sock muda de indumentária velocipédica, levando o Velopata a questionar-se se o moçe veio para um Everesting ou uma passagem de modelos enlicrados.
MacGyver OLX quer comprar uma coca-cola para acompanhar a sandes.
Mr. Lamb e Zé Obélix, sempre rijos, de nada se queixam.
AAA requisita as chaves de um enlatado para se poder dedicar a uma rápida mas reconfortante sessão de soninho recuperador bom.
Neves sente-se melhor e afima que suminho e croissantezinho aparentam ter cessado o apocalipse estomacal.
MacGyver OLX quer comprar carga elétrica de um Power Bank para poder carregar seu Garmin.
Pinto afirma querer experimentar uma nova maneira de pedalar, tentando não comprometer a integridade do joelho.
E é então que o Velopata vê.
Pinto só não vê porque não quer.
Pedais de encaixe de Bêtêtê acompanhados de Sapatos de Encaixe de Bêtêtê.
Ainda para mais, montados numa Canyoncoisa.
Nenhum Bike Fit salvará isso.
Não entendam mal o Velopata, nada contra componentes e peças para Bêtêtê. O material para Bêtêtê tem seu lugar devido que é numa Bicicleta de Bêtêtê.
Depois queixai-vos que as coisas funcionam mal e que faz dói-dói aqui e ali.
MacGyver OLX tenta comprar uns pernitos mas o stock está a zeros enquanto a gelada troupe se lança novamente ao alcatrão, sabendo que está a chegar aquela hora da pedalada onde tudo pode descambar como quem descamba mesmo.
A meio da subida seguinte…
– Pessoal! Agora só paramos depois de mais três subidas, okay?
O berro que transpirava a “vontade de querer” de Pinto cai em cãmbra de ar furada – ninguém responde pois todas as atenções se centram numa Ford Transit branca que surge no horizonte, parecendo pairar numa lenta perseguição à troupe.
Talvez tenha sido do cérebro entorpecido pelo lactato que o FTPmax das pernas produzia, o Velopata não conseguiu senão escrever, produzir e realizar logo todo o filme – só podia ser um bando de etnia cigana (o Velopata vê alguma CMTv e às vezes até o CM lê no café), que aparecia para dar banhada aos donativos já reunidos para O Cantinho da Milú e claro, ao material velocipédico da troupe.
E nada podia preparar o Velopata para o que sucederia quando no final da descida, chegando por último ao local de estancionamento das latas da horda everéstica, ele (o Velopata), assiste horrorizado à Ford Transit lá imobilizada, bagageira escancarada e… Reboliço em monte.

Aquele foi certamente um dos epifânicos momentos de toda a jornada; Neves recuperava a largas pedaladas da convalescença estomacal, MacGyver OLX tentava comprar um pedaço de cadáver de ave assado e Pinto afirmava ter descoberto uma nova maneira de posicionar o pé no pedal de encaixe, evitando massacrar o joelho. Já o Caldo Verde, esse era uma versão evoluída, sem o conspurcante enchido de cadáver animal.
E o pão quentinho…
E o café quentinho…
Até tintol estava disponível, no entanto, sob o risco da troupe terminar mais uma subida abraçados uns aos outros chorando baba e ranho, decidiu deixar-se passar aquela bela garrafa incólume.
Não houve discórdia carocheira, não existiram versões velocipédicas de “a minha é maior que a tua”; eram apenas uma troupe velocipédica de gelados e cansados enlicrados, partilhando a experiência comum de esfomeada alimentação que só um Everesting consegue proporcionar.
E o Caldo Verde que estava uma maravilha…
A par da ancestral sabedoria popular, “os Ciclistas também se conquistam pelo estômago”.
Ele (o Velopata), não conseguia retirar tais pensamentos da sua maionese cerebral – no reino algarvio inúmeras foram as vezes em que a troupe que o acompanhava nem um pinguinho de preocupação havia demonstrado para com sua evoluída dieta, optando por pit-stops em bárbaros sítios como Churrasqueiras e afins. Ali, nem vinte e quatro horas de contacto volvido com todos aqueles bichos humanos e já mostravam essa preocupação, evitando enchidos derivados de cadáveres animais conspurcando um belo Caldo Verde.
E ali, enquanto molhava o quentinho pão naquele quentinho verde caldo, o Velopata soube.
Quando fôr grande, o Velopata quer ser um Zé das Bikes.



Segundo o Velopata conseguiu apurar, o moçe que preparou todo aquele manjar respondia pelo nome de guerra velocipédico Marreta Man.
Nunca esquecendo que essa é uma incontornável figura da mitologia velocipédica, capaz de abater sobre qualquer Ciclista a soma de todos os empenos, o Velopata questionava-se porque razão alguém com tanta boa fé e de uma notável simpatia podia receber semelhante alcunha.
Até que ele (o Velopata), pegou na Estrela Vermelha, pronto para se juntar à troupe everéstica e partir para mais umas boas doses de subida – mas quem é que tem vontade de se lançar a pedalar no gelado negrume nocturno… Quando tem uma marretada de paparoca quentinha no estômago?
Fim da Primeira Parte
Abraços velocipédicos,
Velopata
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