

– Tenho quase a certeza, a subida para a Torre pela Covilhã está fechada ao trânsito hoje.
A dura realidade das palavras proferidas pela Senhora do Hotel atingia Velopata e Agente da Autoridade Anónimo (AAA), com a potência de um soco no estômago, faces torcidas em esgares que qualquer transeunte connoisseur o identificaria – aquela expressão que os Ressabiados fazem quando o Strava está off-line.
Mas que merda.
O traque préviamente combinado, a subida ao ponto mais em alto do Centro do Universo Velopático Conhecido e de Portugal Continental, a mítica Torre na Serra da Estrela, corria o sério risco de se tornar mais um monumental fiasco velopático, desta vez restando apenas a comiseração e coiso de que os sempre simples planos velopáticos haviam descambado e afundado devido à usurpação indevida do espaço público pelo vil jugo opressor tirânico do enlatado.
Enquanto o diabo enlatado esfrega um olho, a Senhora do Hotel era tomada por sentimentos de arrependimento em relação à informação partilhada – não arrancando de imediato para a aventura e discutindo planos alternativos na mesa do pequeno-almoço… Aquelas duas marabuntas não embainhariam seus serrotes.
– Queriam mesmo subir pela Covilhã? – questionava a Senhora do Hotel, empatia perante o desalmarianço que emanava da mesa do marafado dueto.
– Era esse o traque sim. – informou o Velopata.
– Era esse o quê?
– O track. – esclareceu AAA antes de continuar – O problema é que já vimos os horários dos comboios para regressar a Lisboa e só temos ao meio-dia e trinta e cinco ou às dezoito e quarenta e cinco. Apanhar o do meio-dia seria perfeito, subíamos à Torre pela Covilhã e voltávamos, chegávamos cedo. Agora se a subida da Covilhã está fechada…
– O que ele disse. – anuiu o Velopata como quem anui mesmo por entre dentadas no papo-sequinho número… Bem, ele não estava a contar.
– Então mas… E porque não sobem por outro lado? – a Senhora do Hotel esforçava-se. Uma impecável, uma porreira. Ela e o pão caseiro em formato papo-sequinho que um-qualquer-vizinho-que-o-Velopata-já-não-se-alembra produzia.
– Por onde podíamos subir? – inquiriu AAA.
– Por Unhais da Serra, daí não apanham o Rally que acaba antes.
– Unhais da Serra? – interrompeu o Velopata, sentindo aquele baque surdo do Sentido de Velopata alertar para o inominável segmento que se sugeria para o cardápio.
– Sim.
– Isso leva-los-ia directamente ao Adamastor. Com todo aquele peso na Estrela Vermelha a juntar ao empeno de ontem, é forte convicção velopática que nem o comboio das seis-e-qualquer-coisa eles vão conseguir apanhar se subirem à Torre pelos Unhais da Serra. – o Velopata previa AAA quanto ao futuro, caso seguissem aquela encarochante ideia.
As hostilidades gastronómicas do pequeno-almoço (sendo “pequeno” um adjectivo do qual a Senhora do Hotel discordará), terminaram e o dueto separou-se por instantes. AAA foi atender às necessidades carbónicas dA Cigarra enquanto o Velopata, após uma primeira e rápida inspecção visual à integridade larápio-carbónica da Estrela Vermelha, regressou ao quarto para completar aqueles complicados rituais pré-pedalada – descarga rápida de lastro e besuntamento das partes viris com o refinado creme da Assos.
Contas, agradecimentos e despedidas feitas, o dueto estava pront… Tinham nascido prontos para se lançar ao alcatrão (assim é que é), e enchendo os pulmões com uma grande inspiradela da não-assim-tão-fresca-para-esta-hora-da-manhã atmosfera paulense, onde o Velopata ainda conseguia detectar pequenos apontamentos de cadáver de suíno chamuscado e urina provenientes do arraial da noite anterior, fizeram-se à estrada.
O problema é que nenhum de ambos os dois conhecia seu destino.
Desconhecia-se o registo strávico a seguir.
Que traque?
“E agora?”; a expressão com que ambos os dois olhavam o outro e mutúamente e coiso.
O contraste: a partida velopática pesada com o infortúnio e a felicidade da Senhora do Hotel que finalmente tinha aqueles dois poços sem fundo fora de sua mesa.
– Acho que devíamos manter o plano. – informou AAA.
– Achais?
– Sim. Vamos até onde pudermos da subida. Depois desmontamos, tiramos umas fotos, se quiseres até podes fazer um vídeo onde criticamos o vil tirânico opressor jugo do enlatado que veio para aqui sabotar os planos de um Velopata e olha… Voltamos e apanhamos o comboio do meio-dia. Não se perde tudo.
– É escandaloso, não é? – o Velopata ainda não s´acarditava que tudo aquilo estava a acontecer. Não depois de quatrocentos e sessenta e três vírgula três quilómetros pedalados no empeno da noite e dia e noite anterior.
– É um bocado mas não tens culpa… Olha, como é que estás?
– Ele podia estar muito melhor, obrigado. E tu?
– Não é isso. Como é que estás de pernas? Eu até me sinto bem apesar da sova de ontem.
– Conheceis a película Pet Sematary?
– Hã?
– Pet Sematary ou O Cemitério do Demo ou O Cemitério de Animais ou O Cemitério Maldito ou lá o que é em português. Haveis visto esse filme?
– Acho que não. – confirmou AAA.
– Nele existe um felino, um miau daqueles de ter por casa, grande comparsa aventureiro do filho petiz do personagem principal. Acontece que o bichano esbanja todas as sete vidas de uma vez ao ser atropelado por um cam… Cami… Enlatado de grandes dimensões, destinado ao transporte de mercadorias que, por acaso, o condutor até tinha furado a greve. Em desespero pelo desgosto do petiz, o pai decide enterrar o Tareco num antigo cemitério que se dizia assombrado pelos poderes dos índios daqueles do tempo dos cóbois. Como é óbvio, passado uns tempos, o miau regressa só que vem todo marafado dos cornos, meio zombie, meio do demo e cheio de instintos homicidas… Estais imaginando o aspecto do gato?
(pausa silenciosa enquanto AAA e Velopata se fitam, qual cóbóiada do esparguete do Sérgio Leone)
– O Velopata sente-se como o miau. – remata ele (o Velopata).
– Epá, isso é sério?
– Palavra de Velopata. Ele não brinca com empenos.
– Não é isso… Donde vem isso dos instintos homicidas?
– Não te preocupes, isso foi só ontem à noite, quando ele te deixou sozinho. – (podeis recordar a terrível bad trip velocipédicopática, clicando aqui.) – Já passou.
Nos quilómetros seguintes, silêncio abateu-se sobre a pedalada.
Teria AAA hesitado, temendo o que este vosso companheiro, palhaço e amigo do duro circo que é a vida do pedal, conseguiria congeminar quando consumido por uma fúria Sith e do Lado Negro e coiso? Mesmo quando se atenta como quem atenta mesmo à notória diferença entre Velopata e AAA, no que à envergadura de asa e bíceps toca?
– Sabes AAA, o Velopata vinha aqui a pensar com o fecho éclair do jersey… Eles podiam fazer um traque alternativo. – informou o Velopata durante umas das curtas duras subidas que aparentavam pulular pelo traque à medida que a Covilhã se aproximava no horizonte.
– Conta lá.
– Podeis verificar aí no teu Garmin as localizações dos Lidl ou Aldi aqui das redondezas? Espera, talvez o Lidl seja melhor que o Aldi não tem opções tão baratas.
– Hã? Lidl? Aldi? O que queres ir fazer ao Lidl e ao Aldi?
– É como ele te diz, o Lidl é melhor. Compramos umas quantas garrafas daquele Rachmaninoff e Highland MacGregor ou lá o que é, mais algum papel higiénico ou algodão. O que fôr mais barato.
– Hã? Mas que queres tu fazer pá?!?!
– Cocktail Molotov. Sabes, para Agente da Autoridade, a tua perspicácia é um bocado… Vá, coiso.
– Sei muito bem o que é e como se faz um Cocktail Molotov.
– Um não, vários. Eles fazem vários Cocktails Molotov, colocam-nos dissimulados por entre as suas malas do bikepacking e coiso, vão calma e casualmente até perto da linha de arranque da prova dos enlatados e… Irrompem por ali acima, é sprintar como quem sprinta mesmo até só parar na Torre!
– Mas tu és louco ou quê? E os carros?
– Os quê?
– Os car… E o que queres fazer quando aparecer um daqueles enlatados do rally a abrir?
– Para que achais que servem os Cocktail Molotov? E já agora, o plural de Cocktail Molotov é Cocktails Molotov, Cocktail Molotovs ou Cocktails Molotoves? Cocktailes Molotovs? Bem, não interessa. Assim que vier de lá um enlatado todo armado em Direito Divino ao alcatrão e coiso… Chuva de Cocktail Molotov para cima deles.
Há um momento de silêncio enquanto, espera o Velopata, AAA equaciona juntar-se ao final de aventura épico, acompanhando o Velopata numa pedalada digna de perdurar nos anais da história velocipédica portuguesa, manchetes da CMTv (com privilégios de Alerta CM e tudo), National Geographic, Revista Caras e quiçá com alguma sorte, daqui a uns anos uma edição inteira do magazine Sexta às 9, onde será relatada a história do valoroso dueto, quais cavaleiros de luzidio carbono que protagonizaram aquela última estocada no bastião do tirânico jugo opressor do enlatado em representação de toda uma classe alcatroadamente oprimida mas que, infelizmente para eles, e como em todas as grandes histórias clássicas da Antiguidade, só teria dois desfechos possíveis – Prisão ou Morte.
– Isso é do tabaco aquecido, não é? – AAA proferia sua sentença.
O Velopata preparava já a engrenagem numa mudança mais pesada para encarar com toda a sua FTPmax aquela provocação barata de AAA, detendo-se ante a materialização da inegável sombra de dois Ciclistas no horizonte dianteiro, muito provavelmente nativos.
Encetada a rápi… Empenada perseguição, e já o parv… Intrépido dueto trocava amenas palavras velocipédicas com os dois nativos a quem o Velopata não pode senão deixar aqui um grande e sentido;
MUITO OBRIGADO!
Foi a clarividência e jurisprudência e outras ências e coiso divinas que levaram à sugestão do seguinte plano por parte de um dos nativos;
– Então mas ouçam lá… Passam a Covilhã e vão dar a volta por trás da Serra, depois em não-sei-quantos-que-o-Velopata-não-percebeu-mas-AAA-é-que-estava-na-navegação é que viram à esquerda e é sempre em frente até Manteigas. Sobem pelo Vale Glaciar até à Torre e à hora a que descerem já o Rally acabou. De certeza que já não está lá ninguém e podem descer à vontade. Assim cumprem o percurso todo e ainda apanham o comboio das seis de certeza.
Velopata e AAA ficam mal na fotografia.
Como é que eles não ouvistaram este simples plano em antes?
Se cansaço, os muitos quilómetros já pedalados, os quentinhos pães caseiros dos vizinhos da Senhora do Hotel ou puro e simples melodrama a obstipar a mente de ambos os dois, até à hora desta publicação Velopata e AAA continuam sem explicações.
Agora tudo fazia sentido, os planetas, astros e coiso estavam novamente alinhados.
E deixando para trás aquele que só pode ser considerado como uma espécie de Anjo Velocipédico Divino, enviado pelo próprio Nosso Senhor Joaquim Agostinho a este Terceiro Calhau a Contar do Sol para guia e aconselhamento e luz espiritual velopática, o dueto mais ou menos que carregou nos pedais, vigores mais ou menos que reforçados e vá… Um poucochinho nutridos pelo espírito de fama, fortuna e glória velocipédica e… Paragem forçada porque está um calor daqueles.
(Nota velopatóide: tudo isto do Divino Velocipédico é realmente muito bonito e tal, no entanto, importa referir que na companhia do Anjo Velocipédico acima, que proferiu as palavras da Salvação Velopática, seguia um outro comparsa que era daquelas moçes que para além de ser a antítese do Anjo, não proferindodo uma única palavra após o “bom dia””, pedala em estrada com uma Bicicleta de Bêtêtê só que munida de pneus a imitar os estradeiros. Agora interpretem lá isso…)
O calor.
Os moçes da Metereologia acertaram.
Há muito tempo que Velopata e AAA não experienciavam um braseiro assim. Principalmente um Velopata, já que a sua evoluída alimentação predispõe uma menor utilização de grelhas e fogareiros, indispensáveis à tortura post-mortem que é a preparação alimentar dessa espécie em menos evoluída que é o carnívoro.
Um sufoco em igual ou em pior que durante o final de manhã e tarde do dia anterior.

O contraste: a malta do estrangeiro do centro e norte do país cheia de fontes, fontezinhas e fontezonas com água potável e fresquinha e gratuita e um Velopata aqui no Allgarve, com as únicas opções mais ou menos semelhantes a existirem somente nos arredores de Monchique e, de acordo com Intelligence Velopática, ele sabe por terceiros que muitas já se encontram secas.
À medida que o dueto devorava quilómetro atrás de quilómetro, é certo que devorando com menos ímpeto nas duras subidas encontradas à saída da Covilhã mas nunca sem a mesma força mental, o Velopata sentia um je ne sais quois em como algo estava em falta. Não só algo banal mas sim algo quase… Ritualístico. Espiritual.
Algo para completar a alma.
– Um café. Ele precisa de parar para beber um café. Daqueles de rua, de máquina. Não interessa que saiba a queimado ou a borra ou que seja o pior tasco no TripAdvisor para bebericar um café nas imediações da Serra da Estrela. Café. – notificou o Velopata.
Onde o dueto fez a sua pit-stop, os traumatismos psicosomáticos auto-infligidos durante essa mesma tarde terão suprimido uma ou outra memória, numa espécie de variante da Memória Selectiva, sendo esta reconhecida como Memória Encarochada Selectiva, assim não permitindo que o Velopata se alembre do nome do lugar, ainda assim tão cedo ele não esquecerá a profunda fachada daquela esplanada, uma espécie de oásis cafeínado por entre muitas árvores que não eram eucaliptos.
Esplanada que mais dia, menos dia, terá o privilégio de ser será peça fulcral e central de um… Alerta CM.
– Bons dias! – proferiu o Velopata para a Assembleia de velh… Cidadãos vintage na esplanada, enquanto misturava a espuma creme com o líquido negro da sua merecida bica – Será que podiam fazer o obséquio de indicar a dois nobres cansados viajantes Ciclistas se Manteigas fica muito longe e a estrada daqui para lá é boa?
O que sucedeu a seguir, será certamente um Mistério que o Velopata levará por esclarecer para sua tumba de carbono de alto módulo.
Um dos cidadãos vintage encontrava-se convencido que Manteigas “não era mais de vinte quilómetro”, outro acarditava-se pela saúde da defunta Mãezinha que “eram bem mais q´isso, p´ráí uns cinquenta ou mais”, um tinha a absoluta certeza que “por aí e de biciclete a pedal não chegam lá hoje” e outro rogava pragas, tormentas, raios e coriscos pois ninguém o acarditava ao afirmar que, na sua Zundapp, já tinha percorrido essa estrada tantas outras vezes e “é bem mais de sessenta quilómetro e a estrada é boa”.
Velopata e AAA enveredavam pelas constatações do último cidadão vintage, até porque fazer sessenta quilómetros numa Zundapp, ou cento e vinte se esquecesse algo, é de… Vá, mais ou menos Homem porque todos sabemos que os Machos vão é de Bicicleta.
Registo strávico consultado e a opinião do cidadão vintage exaltado mantinha-se válida – o dueto encontrava-se corretamente posicionado no traque e à Lagardère nas horas.
Mas quem não estava nada à vontade? Os Velh… Cidadãos Vintage.
A inocente questão velopática da distância a Manteigas parecia ter acordado sentimentos e ódios ancestrais enraízados nos habitantes da esplanada, azedando o clima como quem azeda mesmo – um cidadão vintage já se alevanta com punhadas na mesa, notando-se o tom full ofendido de sua voz e aquele esgar de boca que não se percebe se é AVC ou apenas mais uma fralda para mudar.
Ou o Velopata muito se engana ou… Mais dia, menos dia, aquela esplanada será palco de um brutal e violento Alerta CM, os arcos de árvores que não eucaliptos que rodeiam a esplanada tudo pintado com um bonito tom vermelho-escarlate, noticiando um velh… Cidadão vintage que durante uma rixa incendiada por uma antiga quezília entre clãs, alevantou-se, foi a seu lar e regressou, trazendo consigo um trabuco com o qual assassinou a sangue frio vários outros velh… Cidadão vintage e dois turistas que tiveram o azar de estar no momento errado à hora errada com questões erradas sobre o érrebiénebi mais próximo.
Assistindo ao descalabro emocional e provavelmente fraldário de todos aqueles cidadãos vintage à beira de um colapso nervoso, Velopata e AAA acarditaram ser boa ideia proceder a uma Retirada Estratégica – sair de fininho.
Expressão que adquire um contorno ainda em mais caricato e coiso pois é exatamente essa uma das carinhosas alcunhas a que muitos Ciclistas portugueses recorrem para se referir à sua Bicicleta de Estrada – a Fininha (Velopata, sempre a contribuir para a Iluminação dos seus leitores, inclusivé civis, para não dizerem que é discriminador e coiso).
A tal curva à esquerda no lugar que o Velopata nunca chegou a conhecer o nome surgiu, o intrépido dueto virou e escassos quilómetros decorridos, Velopata e AAA encontravam-se estarrecidos pelo choque sensorial e emocional que toda aquela beleza pedalada conseguia proporcionar.
Uma estrada de uma beleza indescritível.
Alcatrão irrepreensível, qual pista de enlatados da F1.
Por vezes inclinava positivamente, lembrando o dueto das forças perdidas há muitos quilómetros atrás mas tudo o que sobe tem de descer e as descidas foram qualquer coisa de especial.
Estrada Nacional Duzentos e Trinta e Dois.
EN232.
Uma paisagem só possível de sentir a pedalar; vales recortados por altas escarpas, desliza-se numa sucessão de agradáveis cheiros a flores e cursos de água (excepto quando um ou outro raro enlatado fazem sua conspurcante aparição), um crocodilo atravessa a estrada (AAA disse tratar-se de uma Lagartixa da Montanha mas o Velopata discordou, argumentando “a partir de que dimensões físicas deixa uma Lagartixa de o ser para passar a Jacaré? E de Jacaré para Crocodilo?”, a densa vegetação que cobre desfiladeiros e penhascos, a extensa cobertura de muitas outras árvores que não eucaliptos, uma pista de Ski abandonada lembra o turístico potencial perdido da região porque é mesmo de trotinetes eléctricas, “comida” das roulotes a ser apelidada de “Street Food” e Queijo da Serra misturado com sementes de Açaí porque é isento de glúten e orgânico e biológico e tem CoEnzima Q10, que os nativos da área necessitam.
Como em universal resposta ao Velopata, surgem de um e outro lado do alcatrão, plaquinhas com a indicação da existência de AL – Alojamento Local.
– Um sítio porreiro para fazer a base de um campo de treino. – concordaram ambos os dois apontando na direcção do que pareciam ser excelentes casebres para umas férias.
Uma serpenteante e ondulante estrada que deixou as pernas velopáticas esquecerem as dores e sentirem-se efectivamente… Vivas.
O contraste: a simples beleza daquele momento contra tudo o resto no mundo.
Ainda nem o perímetro civilizacional de Manteigas se vislumbrava no horizonte e já o Velopata compreendia a razão dos Antigos escolherem nome tão sui generis para construir seus lares.
Chegando a época veraneante, tudo ali devia ser Manteiga se não préviamente tratado com um qualquer composto químico para protecção contra o que se aparentava ser o bafo do próprio Demo.
Até pela integridade fibrocarbónica da Estrela Vermelha o Velopata começou a temer – aquilo eram certamente temperaturas semelhantes às usadas nos fornos operados por menores de idade nas fábricas chinesas da especialidade velocipédica.
(Nota velopatóide: o Velopata sabe o que o mui atento leitor está a pensar… “Ó Velopata, então mas a Estrela Vermelha não era produzida numa misteriosa liga mineral recolhida pela sonda que poisou no Cometa, tendo a própria NASA desenhado e construído o quadro?”. Ao que o Velopata responde – a NASA também tem contas para pagar e garantindo que as suas parafernálias e bugigangas são fabricadas por mão de obra infantil nas ásias, ao menos não pode ser acusada de não ter as crianças a investir no futuro. Literalmente.)
Seria de esperar que um local habitado por bichos humanos e baptizado pelo que é basicamente leite batido até se transformar numa emulsão de água em gordura, fosse… Vá, escreva-se… Um sítio fofinho.
Estas são Manteigas certamente produzidas com leite de Bode – rijas que nem cornos.
E porquê?
Manteigas é um daqueles locais onde aí uns noventa e nove vírgula noventa e nove nove nove nove nove nove nove nove nove nove nove nove por cento do piso é… Pavê.
E um Velopata não se cansará de dizer e escrever – no que toca à nobre arte velocipédica classicómana, o Velopata tem o impressionante valor e perícia de um australopiteco.
O contraste: o árido bafo que emanava do pavê queimando o límpido ar que os pulmões deles (Velopata e AAA), tinham absorvido.

O contraste: os Ciclistas. Parece tudo farinh… Carbono do mesmo módulo, mas não.
Por entre a elite das elites do pelotão amador que devora alcatrão e trilhos durante o fim de semana, o mui desconhecedor leitor civil pode até s´acarditar que todos são uma mesma coisa, uma mesma mentalidade, uma mesma forma de encarar a Bicicleta enquanto maior, melhor e mais nobre invenção desportiva.
A verdade não podia pedalar mais longe; uns gostam de Cicloturismo, portantos, passear, outros são apreciadores de umas horas longe das preocupações do quotidiano (que é como quem escreve, fugir da respectiva), e não vamos esquecer os nossos adorados Pro Ressabiados.
E depois existem estes, duas personagens para as quais o Velopata não conseguia encontrar categoria.
O modus operandi; saem de casa para uma boa dose de pedalada, percorrem uns escassos trinta a quarenta quilómetros e… Assentam arraiais e acampamento no primeiro simpático tasco que encontram, emborcando mins como se um pré-aviso de Greve da indústria cervejeira assolasse o país. Já aquecidos pelo teor alcoólico, tranquilamente sacam do telefone esperto, usando-o para clamar pelo auxílio da sua respectiva para que o venha buscar – uma espécie de Wifuber.
Enquanto os moçes justificavam suas presenças ali (mais ou menos o explicado acima), o Velopata não conseguia evitar que certos ímpetos de gargalhada travada o acometessem – ele não paráva de pensar na face da Srª Velopata se alguma vez ele telefonasse para sequer tentar sugerir semelhante ideia…
Ciclopândegos.
Um nome que parece ao Velopata fazer justiça à categoria velocipédica a que estes dois moçes pertenciam.
– Então os amigos vêm d´aonde? – questionou o que tinha mais voltas completas ao Sol no currículo o e aparentemente mais experiente nestas artes do Ciclopândeguismo, dado o maior desnível acumulado positivo de sua pança.
– Hoje de Paul, ontem, pelo menos eu vim da Amadora. Aqui o meu amigo veio de Faro. – explicou AAA, apontando na direcção velopática.
– Faro? – os olhos do pândego mais novo arregalavam-se na direcção deste vosso companheiro, palhaço e amigo do duro circo que é a vida do pedal.
– Sim, Faro. No Algarve. – anuiu o Velopata como quem anui mesmo.
– Isso são mais de quatrocentos quilómetros, não?
– Quatrocentos e sessenta e três vírgula três. – esclareceu o Velopata.
– Éh lá… E agora onde é que vão?
– Ainda não estamos satisfeitos de tanta parvoíce. Agora vamos subir à Torre aqui pelo Vale Glaciar e depois descemos pela Covilhã até ao comboio de regresso a Lisboa. – explicou AAA.
– Éh pá… Isso é muita fruta.
– Muita fruta mesmo… Isso é alguma promessa ou quê? – questionou o que aparentava maior nível de pândeguice.
– Para além de um monumental empeno, não há mais promessas aqui, é só parvoíce mesmo. – clarificou AAA enquanto o Velopata voltava a anuir como quem anui mesmo.
– Então e que fazei vós por aqui? – foi a vez do Velopata colocar as questões, enquanto observou as nobres montadas que haviam transportado os pândegos até ali. Ambas as duas Bicicletas pareciam conforme padrões, normas e regulamentos Velominati.
– Olhe amigo, já estou cansado. Nem quarenta quilómetros fizemos e já mamei com dois furos. Ao segundo interpretei aquilo como um sinal, parar na primeira esplanada e telefonar ao Uber lá de casa. – explicou o mais experiente nas artes pândegas.
– E eu? Bem, eu já tenho quarenta anos. Nunca fiz desporto na vida e é agora que vou ser atleta?!?! – explicou o outro pândego que se confirmava mais novo.
– Sim, isto do ciclismo é muito bonito e tal mas é uma vida a sofrer e já não tenho idade para isto. – rematou o que cada vez mais se aparentava com um Ancião Pândego, tais as lições que tinha para partilhar.
Se algum comentário o Velopata tecerá em relação a estas duas afirmações dos Ciclopândegos, será apenas “Sem comentários”.
A conversa com o pândego dueto só viria a recomeçar depois do outro dueto (o pré-empenado, heróis carbonatados desta história), ter concretizado seus mais profundos desejos gastronómicos – uma sandes de Queijo da Serra com bárbaros pedaços fumados de cadáver suíno a acompanhar (AAA), e uma sandes mais evoluída, apenas com Queijo da Serra (Velopata). E Colas. Frescas. Com gelo. Mais gelo. As pedras de gelo que caírem do copo não se desperdiçam, eles colocam por cima dos próprios corpos, derretendo e refrescando. E mais Batatas Fritas. Aos Pacotes. Mais. Sal e Hidratos e coiso. E sobremesa? Terão ingerido hidratos suficientes? Uma fatia de salame se fizer o obséquio. Das mais grossas, se não fôr muito incómodo.
Bebericando seus cafés e o Velopata aproveitando para aquele último cigarro de tabaco aquecido em antes da Grande Privação Pulmonar, o dueto experienciava a tranquila calmia fresca proporcionada pela sombra das árvores que até nem eram eucaliptos, pois como bem referido pelos pândegos – esta seria a pior hora para subir à Torre.
Despedidas trocadas com o dueto que ficou na pândega como quem fica mesmo na pândega, Velopata e AAA lançaram-se ao alca… Pavê, mais ou menos resolutos e confiantes para o que se previa o mais duro segmento strávico de toda a viagem.
Claro que em antes das hostilidades altimétricas terem seu início, conseguiu-se sempre arranjar tempo para mais um tareão no já muito fustigado cubo da roda traseira da Estrela Vermelha, fruto de um longo e execrável segmento de pavê que permitiu ao Velopata usufruir de todo o potencial brejeiro de seu vocabulário para amaldiçoar os responsáveis manteigueiros por ainda não ter substituído “aquilo” por uma estrada digna desse nome.
Uma última curva à esquerda, uma última curva à direita, alevanta-te do selim, força que é agora, salta da talega para o prato pequeno rápida e eficazmente para não perder o ímpeto do aero e…
Queriam mais, não era?
Esta semana ficamos por aqui.
Só para espicaçar, o Velopata partilha aqui uma das fotografias da próxima e final publicação dedicada a esta parvoí… Aventura, numa espécie de trailer fotográfico.

Abraços velocipédicos,
Velopata
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