– Está sim? – inquiriu AAA.
Na esplanada em Nisa, o dueto percebeu o que há muito se encontrava escrito em garrafais letras brancas contrastando sobre o negro alcatrão – estavam atrasados. Para lá de.
O check-in acordado com o hotel seria até às vinte e duas horas da noite de vinte e nove de Junho deste ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de dois mil e dezanove, hora à qual certamente já não chegariam, não só pela quilometragem mas também pelo acumulado mais sério do cardápio.
AAA telefonava para inquirir sobre uma possível expansão da hora de check-in… O Velopata vai só escrever que pediram delicadamente por um check-in aí até à meita-noite, vá… Coisa menos coisa mas mais coisa;
– Sim? Não tem problema? – proferia AAA para a voz do outro lado da linha.
(pausa para resposta do outro lado)
– Okay, perto da meia-noite eu ligo-lhe e alguém nos abre a porta, combinado.
(pausa para resposta do outro lado)
– Diga?
(pausa para resposta do outro lado)
– Não, não somos um casal. Somos dois homens.
(pausa para resposta do outro lado)
– Não, nem somos um casal desses.
– UAI? – berrou um Velopata.

Muita sonora gargalhada depois e o Velopata hesitava – aquela euforia galhofeira tinha mais que se lhe diga, não podendo ele (o Velopata), negar que duvidou se tal não se trataria daquela apoteose galhofeira em antes do Grande Empenão, uma grande e explosiva mixórdia do cansaço acumulado com os já cumpridos trezentos e cinquenta e três quilómetros em vinte horas, nove minutos e trinta e sete segundos.
Era oficial e por fugazes instantes, complicados cálcuclos quântico-quilométrico-financeiros foram sussurrados ao vento, ecoando palavras sobre pernoitar ali mesmo (não na esplanada, é claro), mas algures em Nisa.
Mas lá estava o tal sentimento de Sir Galahad, O Casto. Aquele altruísmo de “diante do precipício… Dar um passo em frente”, como dizem nesse desporto menor da bola.
De Nisa a Castelo Branco, o traque ao longo da Estrada Regional Dezoito tem tanto de duro como de bonito. Juntando-lhe o nosso querido astro com suas quentes cores de crepúsculo veraneante, o nirvana velocipédico parecia estar ali, ao alcance de só mais uma r.p.m..
Seguiram-se subidas com durezas de diferentes inclinações, o sufocante calor aparentava não estar inclinado para umas tréguas e o Velopata já fazia como vê os prós do World Tour fazerem quando não estão preocupados com o aero e coiso – despejava litros de água do bidon por cima de seus ombros e costas, uma vã tentativa de refrescar o motor.
Atravessar As Portas de Ródão, a vasta visão daquela ponte elevada sobre o lavrante rio que esculpe horizontes em ambas as duas margens e… Um Velopata que não consegue deixar de pensar no lapso no contínuo espaço-tempo da Língua Portuguesa que permite a coexistência de dois acentos gráficos na mesma palavra.
Ó.
Ã.
Ródão.
Podia ser Rodão.
E nunca esquecer aquele segmento strávico de descida que desemboca naquela ponte, esse sim. Um segmento de pedalar para encher a alma.
Tendo combinado pedalar non-stop e full gas throtle chrono carbon até Castelo Branco e… Muito não tardou para que com Vila Velha de Ródão para trás, a escassez de líquidos forçasse a uma rápida pit-stop – queria o destino que o Velopata assistisse a mais um contrastante momento, daqueles que lhe deixarão marcas na memória para futuramente contar das suas parvoí… Aventuras ao Velopatazinho quiçá até aos netos.
Uma troupe de bichos humanos completamente formados, maduros e adultos aparentando tratar-se de um quinteto de verdadeiros e genuínos homens do campo, aqueles cujo perconceito nos lembra até… Vá, “um pouco rudes” para não escrever “abrutalhados”, também aproveitavam o quente e seco final de tarde para se refrescar no que parecia ser a esplanada da Bomba de Combustível.
Aquilo era malta em nada relaccionada com freaks do yuppie hipster organo-freak-biológico. Aquilo eram moçes que, na vida, tratavam tudo com pesticida à bruta, mãos com marcas e cicatrizes que bem evidenciavam suas duras vidas de labuta agrária.
E qual era o tema de conversa?
A única explicação velopática é que todos os astros conspiraram para que ele e AAA pudessem estar ali, naquele momento, para experienciar tudo aquilo.

– Eu simpatizo com a flor da Calêndula porque me lembra os girassóis.
– Ah, mas olha que eu gosto mais dos amarelos da Tithonia diversifolia.
– Sério?
– Toda a gente sabe que amarelos são os da Carqueja. – referiu um terceiro.
– Epá, a Carqueja também não! Há limites! Porra pá, daqui a pouco até os amarelos da Genista tridentata são do melhor, queres ver…
– Eh lá, também não é preciso exagerar. – acalmou o segundo.
– Pois não. – cimentou o quarto.
Flores.
O contraste: em abono da verdade, o Velopata confessa que desconhece os temas corriqueiros nas conversas entre bichos humanos da estripe Homem do Campo beira baixense, mas sendo todos machos de sua espécie, essas conversas não devem fugir muito do “novo modelo de ançinho em carbono com pega já em full aero carbono” e muito provavelmente bola e gaijas… Agora Calêndulas e Genistas?
Castelo Branco.
Rotos, esfomeados e aqui e ali jurando já conseguir ver O Homem da Marreta espreitar por entre tanta placa, raile e eucalipto, uma longa ondulante estrada foi devorada e… Por escrever “devorar”… O McDonald´s castelo branquense que se acautelasse.
Eles iam a caminho, trazendo consigo o olhar mas fundamentalmente, o estômago vazio da fome velocipédica.
Eles emborcam violenta e respectivamente versões XXL Extra Large Super Mega dos seus hambúrgueres menos evolu… Bárbar… Menos evoluído, portantos carnívoro e vegetariano, a dobrar, acompanhado da versão XXL Hiper Large Super Mega da respectiva dose de batatas, regado com a versão XXL Giga Large Super Mega de Cola, “qu´é para não parecermos uns bêbados nas redes sociais”.
O contraste: a alimentação de um civil vs a alimentação de um Ciclista. A do Ciclista, não é uma coisa bonita de se ver.
Castelo Branco para trás, seguia-se uma longa jornada de quilómetros rolantes mas a um simpático ritmo que indicava maioritariamente descidas, trazendo consigo uma boa nova – se por um lado, o facto de anoitecer e obrigar a ligar faróis e vestir coletes reflectores da Decathlon que são da B´Twin que são da Decathlon, obrigaria a pedalar de velocidades e atenções redobradas, por outro lado a rameira do São Pedro aparentava ter recolhidos aos aposentos mais cedo e o vento tinha cessado.
O calmo ritmo permitiu que o Velopata pudesse então dedicar algum tempo aos seus próprios complicados cálculos quânticos – seria só impressão sua, até mesmo um possível fritanço do Garmin, ou nos menos de cem quilómetros que faltavam… Restavam quase dois mil metros de acumulado?
– Como é que é? – berrou o Velopata.
– Sim, vamos descer muito e depois apanhamos a tal subida de doze quilómetros. – explicou AAA.
– Doze quilómetros?
– Doze. Está assinalada como Primeira Categoria.
– E que mais?
– Acho que não há mais grandes subidas de destaque.
– Ai não?
– Não.
– Então esta subida vai quase até à altitude da Torre?
– Onde é que tu vais buscar essas coisas ó Velopata? Isso não será de fumares desse tabaco aquecido?
– Atentai… Se faltam apenas sessenta quilómetros e eles vão começar uma subida de doze, depois não tem mais subidas… Só esta subida tem quanto de acumulado? É que pelas contas strávicas faltam ainda uns dois mil de acumulado.
– Se calhar. Não sei. Não me lembro bem.
O Velopata é que não se esquece.
Os temores nocturnos são sempre em mais bem enfrentados quanto temos companhia, sendo por isso que o Velopata recomenda sempre a AAA que traga seu crachá.
Hells 500.
Pelas redes sociais são espalhadas lendas sobre os grandes feitos velocipédicos dos membros desta nobre e rija estripe de Ciclistas, sendo relevante para um Velopata avisar o mui civil leitor que esta troupe em nada se encontra relaccionada com a recentemente noticiada tribo dos motards cujo nome apresenta alguma semelhança foneofílica ou lá o que é.
Até porque estes jamais gastariam dinheiro nas coisas que dizem os outros gastarem.
Estes iam gastar tudo em carbono.
E.. Vá… Pelas drogas, um Velopata não mete a mão no fogo que isto já se sabe como é quando a conversa mete Aquele-Cujo-Nome-Não-Se-Diz e lá vamos bater em mais do mesmo e coiso.
We visit dark places.
É o que dizem e escrevem os cámones dos Hells 500.
Abrutalhadamente traduzido, será algo como “nós visitamos lugares escuros”.
Dá pinta.
É cool.
De todos os encontros nocturnos que um Ciclista em demanda pode encontrar no negrume do alcatrão nocturno serrano; gatos, coelhos, coelhos suicidas, O.V.N.I.s, cereal killers, seitas pós apocalípticas, freaks afanados do trance, o José Castelo Branco a prostituir-se, uma ou outra forma mais extrema de detritos na estrada; o Velopata cometeu um crasso erro ao relevar a importância de um outro encontro para segundo plano – o encontro com sua própria mente.
Do negrume nocturno das bermas por onde passam, o mentalmente encarochado e fisicamente empenado dueto vê materializar-se uma Fonte, sendo reconhecido por AAA que esta indicava o término da marafada subida de doze quilómetros.
Pit-stop rápida para reduzir e repôr níveis hídricos – é sentimento generalizado que esta subida produziu estragos que necessitam de muito soninho bom recuperador. Até porque o Velopata já não percebia bem se a Fonte se encontrava infestada por pequenos aranhiços de diferentes portes de nojentiosidade ou se era tudo um encarochado produto de sua mente (os primeiros sintomas do que estava para chegar).
A descida que se seguiu foi longa é rápida, permitindo a um Velopata uma nova verificação do registo strávico – restavam menos de cinquenta quilómetros e continuam a faltar mil e quinhentos metros de acumulado. Estar em Paul pela meia-noite obrigaria a procurar bofes para expelir onde já não os havia. E o que seriam aqueles três papo-secos no perfil altimétrico, mesmo em antes de Paul?
O contraste: a lamentável velocidade de descida nocturna do Velopata e a vertiginosa velocidade de descida nocturna de AAA.
A passagem pelo Fundão foi rápida, uma constante dicotomia de trava e acelera providenciada pela íngreme descida pontuada a cada meia dúzia de metros por passadeiras daquelas sobrelevadas e em pavê. Um must para todos os adeptos da Velocipedia que visitem a terra da cereja mas principalmente para o muito fustigado cubo da roda traseira da Estrela Vermelha.
Curiosamente, tratando-se de uma região com tanta tradição cerejeira, o Velopata estranhou não ter dobrado uma qualquer rotunda onde a “decoração” da coisa fosse uma Cereja.
Há moçes que não têm brio nenhum com a sua terrinha.
No horizonte traseiro, as luzes dos exteriores do perímetro fundãoense perdiam-se na vastidão do negrume serrano.
Vinham de lá os três papo-secos strávicos.
E foi neste ponto de toda a história, não-sei-quantas-mil linhas escritas, que o Velopata cedeu.
We visit dark places.
Foram fragmentos de palavras que cuspidas e vociferadas ecoaram no vales, planícies, montanhas e serras e coiso à volta, que naquela escuridão completa sabe-se lá que paisagem era, até podia ser o Quinto dos Infernos que um Velopata já não ouvistava nada.
Uma estranha humidade quente que se entranhava entre licras e pele sem pêlo.
Há uma fina camada de neblina que separa um Velopata desmarcado de AAA, ambos os dois sós com Estrela Vermelha e Cigarra.
Por entre as muitas blasfémias proferidas por um Velopata a decibéis capazes de acometer de medo qualquer Abominável transeunte Compadre-Javali (podeis relembrar esta personagem da mitologia alentejana clicando aqui), ele desconhecia estar consumido pelo ódio e fogo dos Sith, discípulos do Lado Negro da Ultravelocipedia ou lá o que é.
O Velopata gritava de raiva…
De dor…
De cansaço…
Aquilo era o que qualquer tóxicóindependente reconheceria como uma Bad Trip.
Só que esta é em carbono.
O Velopata regurgitava improprério como quem regurgita mesmo improprérios, ele berrava com e para… Ele já nem sabia com quem berrava; berrava aos de trás, aos da frente e aos que estão para vir. Que se lixasse o futuro e o progresso.
“Quem é que te manda meteres-te nestas?”.
“Quem é que pôs estas subidas aqui?”.
“Amaldiçoado seja quem desenha estas estradas e seus filhos dos vossos filhos e filhos e coiso!”.
Uma escuridão tal que não podia apenas ser proveniente da conturbada, empenada e encarochada alma velopática – o farol frontal de AAA extinguia-se no breu serrano.
Mas o Velopata não queria saber, sua mente obstipada com um único objectivo – mastigar e cuspir aqueles três papo-secos sem dó nem piedade para com pernas e alma.
We visit dark places.
No final do último papo-seco, espremedor do que há muito já havia sido espremido até aos tutanos, o Velopata aguardou a chegada de AAA e talvez tenha sido a fresca brisa serrana, talvez as luzes de Paul já crepitando no vale em baixo, que o levaram a um apocalipse de arrependimento psicosomático – na sua fúria cega, quando ressabiados sentimentos tomarem conta de si; o Velopata havia abandonado AAA para trás, encarochado no seu próprio encarochamento e… Às escuras.
– Desculpai-o pelo lapso psicofisiológicosomático ali atrás. – formalizou o Velopata.
– Hã?
– Desculpai-o pelo lapso coiso. –
– Desculpar do quê?
– Do Velopata te ter deixado sozinho.
– Não és tu que dizes que quem tem uma Estrela Vermelha nunca está sozinho?
– Hã?
– Quem tem uma Cigarra também nunca está verdadeiramente sozinho.
– Sabes, não devíeis levar um Velopata tão ao pé da letra.
– Não precisas de te sentir mal. Só precisava trocar a bateria. Desligar um cabo e ligar outro. Nem fazia sentido esperares que tenho sempre a lanterna do telemóvel à mão.
– E se fosse uma bandidagem a querer apanhar-te assim, vulnerável e sozinho?
– Eu tenho crachá.
– Há gente para quem a Autoridade pouco importa. – proferiu um Velopata.
– E ias mesmo fazer o quê para ajudar?
– Uai, como assim? Ele podia perfeitamente ser enchido de porrada até os bandidos estarem cansados de tanto bater que se iam embora. – explicou o Velopata.
Paul.
Há muitos quilómetros que todas as fibras carbónicas da Estrela Vermelha almejavam encontrar aquela placa.
Pelo cansado olhar, o Velopata assiste enquanto AAA indica uma mudança de direção à direita, na direcção de uma rampa que só de a visualizar ao longe, os dedos tremelicam sobre a manete esquerda – o timing daquela mudança de prato é tudo, já não são horas de andar aqui a brincar e perder todo o ímpeto do full aero para ultrapassar aquela monstruosidade inclinada.
Subida ultrapassada e agora seria aquela gloriosa filmagem em que o cansado dueto observa Paul, quais conquistadores do asfalto não obstante a notória diferença que na realidade, a paisagem que se lhes deparou não podia ser a mais adequada.
Uma ampla vista panorâmica para o… Cemitério.
Tipo fotografia de postal e tudo.
O contraste: na realidade, não existia ali contraste nenhum. Estavam todos mortos.
Paul aparentou ser daqueles locais de concentração de bichos humanos onde, na curta experiência velopatóide, não existem avenidas – toda a circulação se procedeu em ruas apertadas demais para um só enlatado, quanto mais um enlatado e dois empenados e encarochados Ciclistas, nunca esquecendo as famosas qualidades velopáticas de primata no que a pisos flandreados toca. Valia a tardia hora.
O primeiro objectivo fora concluído com sucesso.
Eles estavam em Paul.
Só que à uma da manhã.
Trinta minutos depois dos trinta minutos em antes pedidos para descontos de tempo.
Numa pit-stop para uma última pesquisa strávica à localização do hotel, a ligeira brisa que soprava do interior da localidade parecia envolver toda a atmosfera num ambiente diferente.
Até porque não tinha aquele cheiro húmido e a eucalipto molhado que anteriormente se sentia na atmosfera. Este era diferente. Cheirava a… A… Pedaços de cadáver de suíno sendo assados nas brasas, cerveja, vinho e vá… Mais ou menos música.
Um Arraial.
Em Paul.
Isto sim, Suas Altas Entidades Velocipédicas a troçar gratuitamente com um Velopata.
Ele (o Velopata), até podia escrever que ambos os dois cansados aventureiros não pediam mais nenhum celeuma que não dar banho e cama para horas de soninho recuperador bom… Mas estaria a mentir.
Se às portas do hotel tudo estava desligado e o mundo dormia… Era tentadora ideia velopática que poderiam dar um pézinho de dança no Arraial paulense e aproveitar para aquela merecedora média de final de jornada.
– É bué tarde. – explicou AAA.
E assim como as ideias boémias de um Velopata aproveitar para a Pesquisa & Desenvolvimento da Rebarba apareceram, AAA secamente e friamente e coiso as esfumava.
– Temos um problema. – informou AAA.
– Ele tem vários mas explicai-vos.
– A Senhora do Hotel não me atende o telefone.
– Como assim, a Senhora do Hotel não te atende o telefone?
– Assim, a Senhora do Hotel não me atende o telefone. Nem vai para o voice mail, nada.
– Tendes Net?
– Sim.
– Tendes modo de contactá-la pela Net?
– Vou tentar.
Há uns segundos de silêncio enquanto ambos os dois observam os dedos A… AA… Aaáticos (?), deslizar pelo monitor do telefone esperto.
– Nada.
– Uai, como assim, nada?
– Assim, nada. A Senhora não dá sinal de vida.
– Isso é um bocado chato.
– É, só um bocado… – reiterou AAA.
– Bem, vai tentando ligar e… Sabeis se há Bombeiros ou GNR por Paul e arredores? De preferência sem arredores qu´isto deve ser só subir… – o Velopata magicava uma solução.
– Nada. – AAA parecia preocupado, pressionando o monitor do telefone esperto para agora tentar uma mensagem escrita. – Acho que sim, há Bombeiros e GNR em Paul.
– Sempre temos essa última opção para o soninho recuperador bom.
– Sim, se chegarmos a isso.
No silêncio daquela pavimentada rua pauliense, AAA insistiu uma e outra vez com o contacto pelo telefone esperto.
– Bombeiros ou GNR? – apontou o Velopata na direção do que parecia ser o regresso à rua central paulienense.
– Espera. – AAA já arrumava o telefone esperto no bolso – Vou tentar uma coisa.
– O quê?
– Vou bater aqui à porta.
Ao Velopata já não restavam mais opções que a comiseração de dormir rodeado de machos que tudo bem, pertenciam as duras fileiras de Homens da Autoridade e Lei e Salva-Vidas e coiso mas ele (o Velopata), sempre preferirá cochilar em lençóis de seda e acompanhado de umas massagistas fêmeas de uma qualquer nacionalidade que ele não é moçe esquisito.
E quando o dueto já se preparava para afastar das imediações hoteleiras… A porta abriu, revelando uma ensonada Senhora do Hotel.
Que afirma ficar sem rede no telefone esperto porque diz que é das paredes.
São muito grossas e em pedra e tudo.
A ver se um dia destes uma destas entidades fornecedoras de internet trazem para Paul a mesma tecnologia daqueles routers como os gajos do Estado Islâmico usam, que até dão sinal na caverna mais profunda lá do Buda ou o que é para os moçes andarem a recrutar e reclamar e dizer que foram eles que provocaram toda a calamidade e coiso.
O Velopata fumava aquele cigarro de tabaco aquecido promovendo a eterna glória, tendo sobrevivido a todas as agruras da viagem até Paul, quando um dos seus piores temores aventureiros se tornou bem real.
– E agora tenho aqui esta garagem, se puderem tirem o que necessitem das bicicletas que elas ficam aqui fechadas. Não se preocupem. – notificou a Senhora do Hotel.
Como assim, “não se preocupem”?.
– Este barraco com uma porta que dá a ideia que vai cair se fizer um pouco mais de vento, com um cadeado comprado no Grande Bazar Chinês, é onde a Estrela Vermelha vai pernoitar? Mas que Bicicleta você pensa que esta é? Onde está o detector de mudanças bruscas de temperatura? O básico detector de incêndios? Os controles de climatização interior? O Ar Condicionado? Como estamos de humidade? Olhe que está muita cá fora que eles bem sentiram na pele… Isso está tudo térmica e enérgicamente certificado? E nem vou perder tempo com o resto… As câmaras de videovigilância ligadas à central tuénifóreseven, os detectores de movimento, as janelas com barras electrificadas? Concorda que há aqui uma série de requisitos mínimos, não?
Como é óbvio, o Velopata nada disto disse.
Em silêncio absoluto, na medida em que foi possível cansadas travessas de pedais de encaixe patinarem por deslizantes pisos de pedra, o encarochado e empenado dueto era liderado até ao quarto, onde o Velopata pode constatar que a integridade dos quatro intervenientes (Velopata e Estrela Vermelha, AAA e Cigarra), seria sériamente comprometida a forçados a residir ali todos juntos.
Agradecimentos e votos de boa dormida efectuados, a Senhora do Hotel também se retirou para dormir, denotando mesmo algum cansaço, simplesmente o Velopata não conseguia perceber se por ter estado a malhar forte e feio no Arraial ou definhando lentamente diante de televisão nos entretantos que eles não chegavam.
O contraste: o cansaço de uns por acção e outros por inacção. Ou não que a Senhora do Hotel também parecia apreciadora de boa farra.
AAA já dava banho.
O Velopata desfazia os conteúdos da sua bagageira traseira quando seus bonitos olhos castanho-esverdeados vaguearam pelo habitáculo, detendo-se com um dos parcos adereços de toda a mise-en-scène.
E assim se coloca um busílis, um quebra-cabeças – teria a Senhora do Hotel colocado lá esta revista em antes ou em depois do telefonema?
Alguma vez iremos descobrir?
Fiquemos poar aqui, até porque esta publicação termina como todas as grandes histórias velocipédicas – “E dormiram o soninho recuperador bom até ao dia seguinte.”
Abraços velocipédicos,
Velopata
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