Uma Escapadela Altimétrica – parte II

O Velopata comandava a Estrela Vermelha serra acima, a Torre já iminente no horizonte. O nosso querido astro brilhava pleno no alto mas a Temperatura não era sufocante. O eterno inimigo vento frontal, fraco ou ausente, sintoma de que a rameira do São Pedro ainda devia dormitar.

R.p.m após r.p.m., o Velopata aproximava-se do objectivo de sua jornada, a conquista do ponto continental mais em alto deste recanto à beira mar mal plantado com eucaliptos em monte, mais um pequeno esforço e tudo estaria cumprido.

TUM! TUM! TUM!

Atrás do Velopata irrompiam poderosas batidas no alcatrão.

Seria Enlatado? Seria Gente? Gente não era certamente e enlatado não polui assim.

Confuso, o Velopata olhou para trás e os seus bonitos olhos castanho-esverdeado não s´acarditavam com o que ouvistavam – uma Carocha de gigantescas dimensões perseguia o Velopata.

TUM! TUM! TUM!

Sendo um Ciclista completo, na medida em que é completo a fazer tudo completamente mal, o Velopata puxou de todas as inspirações na nobre arte sprinter mas a cadência do FTPmax produzida revelava-se sempre insuficiente.

Rajadas de frontal vento alevantaram-se, todos os watts velopáticos pareciam desperdiçados ante aquele portentoso vendaval, nunca esquecendo que o Velopata é um Ciclista capaz de produzir tantos watts quanto aqueles moçes dos vídeos da internet, sendo capaz de gerar ele próprio, por exemplo, watts suficientes para carregar…

Uma pilha, vá, bem esticado.

Daquelas redondinhas e pequeninas.

Por oposição aos moçes que ele já viu produzirem watts que até as torradas dá para fritar ou alimentam todas as necessidades energéticas do lar de uma família classe média na Suazilândia durante um ano.

Velopata e Estrela Vermelha.

Perseguidos por uma Carocha Gigante.

Cada vez mais perto.

Oh, a ironia.

A Carocha Gigante abre suas mandíbulas, mostrando o negrume de sua boca fétida e para espanto velopático e do mui estupefacto leitor, da sua garganta saltam comprimidos de ibuprofeno em vez de pestilenta baba, muco e coiso.

Qual sobrenatural película de Madeira Sagrada (Hollywood, em cámone), o Velopata assistia horrorizado e impotente enquanto os comprimidos de ibuprofeno desafiavam as leis da Gravidade dotados com uma maquiavélica vontade própria, subindo em vez de sucumbir ao desnível positivio, com uma ânsia tal de rodear o Velopata, provocando o deslizar dos Vittoria Rubino Pro Graphene 2.0.

Bem, pelo menos, a Carocha Gigante não cuspia supositórios.

Isso seria só nojento e até esquisito.

TUM! TUM! TUM!

A Carocha Gigante cada vez mais próxima, sentir aquele cheiro fétido de sua boca que lembra a fragância de uns bib shorts pedalados durante dias seguidos.

 

Segundos de suspense enquanto um Velopata à beira do colapso cardiovascular pedala em vão para suplantar uma Carocha Gigante. O vento. A cadência.

Imaginai uma cena tipo Matrix da Velocipedia.

 

E foi naquele momento que o Velopata percebeu que talvez a parvoíc… Aventura combinada com o Agente da Autoridade Anónimo (AAA), não chegasse a bom porto.

Por falar nisso, onde andava AAA?

Teria já sucumbido à voraz raiva da Carocha Gigante?

RRRROOOOOAAAAAAR!

Exausto, o Velopata desistiu. Cessou sua pedalada, desengatou a travessa do pedal de encaixe e ficou ali, inerte, desaustinadamente esperando que o encarochamento chegasse rápido e ele sentisse pouca ou nenhuma dor.

 

Ti! Ti! Ti! Ti! Ti!

O alarme do despertador fez um estremunhado Velopata dar um salto na cama apenas para encontrar a Carocha Gigante na cama do lado.

E novamente aquele sentimento de morte por encarochamento, mas não sem antes um Velopata apontar mentalmente que devia escrever uma review negativa sobre esta unidade hoteleira que permitia Carochas Gigantes nos quartos.

 

Ti! Ti! Ti! Ti! Ti!

Novamente o alarme do despertador e o semi-zombie Velopata salta na cama, apenas para encontrar AAA, também ele sentado na cama do lado;

(Nota velopatóide: o pormenor de AAA se encontrar a dormir na cama vizinha é fulcral num ponto em mais à frente na história. Estai atentos.)

– Então, pronto para subir à Torre? – questionou AAA com um sorriso que o Velopata não entendia; seria aquilo boa disposição matinal (afinal o moçe habita em Lisboa e certos maus hábitos pegam-se), ou só sadismo?

– Ele até diria que nasceu pronto e coiso… O problema é mesmo a coça de ontem. – explicou o Velopata.

– O Grande Velopata duvida das suas capacidades?

– Ele é com´ó outro, nunca tem dúvidas e raramente se engana mas… Deixai-o ver como estão as pernas quando começarem a trabalhar.

– Pois, é isso mesmo. Vamos tomar um pequeno-almoço à grande e quando começarmos a pedalar logo se vê como foi a recuperação. Também estou todo partido e, feitas bem as contas, fiz quase menos cem quilómetros que tu.

Rapidamente equipados, o dueto fez aquela típica e infeliz dança dos machos enlicrados que se tentam deslocar a penantes enquanto munidos de sapatos de encaixe em hotéis rurais com deslizantes pisos de pedra, conseguindo sobreviver sem humilhantes esbardalhanços até ao piso inferior, onde iam mais uma vez mostrar ao mundo hoteleiro porque razão não devem aceitar reservas com refeições incluídas por Ciclistas em antes ou depois de uma pedalada.

Não importa como, vai dar prejuízo.

Deixando a dona do hotel questionando-se sobre a legalidade de cobrar um “Suplemento de Ciclista” quando estes optam por reservas com refeições (no Centro do Universo Conhecido da Simpática Hoteleira, esta afirmou desconhecer a existência de seres humanos “normais” capazes de comer tanta quantidade pela manhã), o dueto deixou a modesta unidade hoteleira para trás, embrenhando-se nas pavimentadas ruas, ruelas e becos de Paul, decididos a seguir para a Covilhã.

– Ei, ei, ei, ó Velopata! Então mas a semana passada estavas em Montemor-o-Novo, tínheis terminado o rendez-vous com o Agente da Autoridade Anónimo e agora já estais acordando em Paul? O que fizésteis ao relato dos duzentos e quarenta e três quilómetros nos entretantos? – questionará o mui atento leitor.

O contraste: a boa memória de uns e a memória selectiva de outros.

Verdade seja escrita, o lapso do Velopata nem foi totalmente despropositado, tendo em conta os quilómetros seguintes, Montemor-o-Novo para trás – o dueto aproveitou para manter toda a conversa em dia, proporcionado por uma boa e larga berma, deixando-os mais ou menos que à vontade perante quaisquer fundamentalista enlatado indignado que sugisse pelas costas.

Se por um lado o perfil rolante destas estradas é agradável pois permite a calma confraternização entre colegas de métier, por outro é exatamente esse o problema.

Aquilo é rolar em monte.

Depois de rolar em monte é… Rolar mais.

E depois há aquelas rampas. E rampinhas. Estradas que parecem planas mas são a subir. Estradas que são a subir mas que afinal são para subir em mais. O dueto sente-se forçado a recuperar algum tempo perdido pela conversa e galgam rampa atrás de rampinha e de rampa e mais rampinha sempre na talega para que o sofrimento seja em mais rápido.

E depois o sono de beleza da rameira do São Pedro deve ter cessado e veio de lá um vento nortenho tal que o dueto percebeu ser companheiro para restante viagem.

E depois rolou-se… Mais.

Sempre com planos simples bem delineados, a pontaria do dueto coincide sempre com gloriosas datas no calendário civil – “o primeiro fim de semana com calor a sério”, gritava a histérica comunicação social.

O contraste: o bafo quente e sufocante do alcatrão e o fresco vento nortenho.

Escrevendo sobre sobrevivência, a receita é simples – muito chop-chop calórico e líquidos e médias. O importante é não parar de pedalar.

A rolar como quem rola mesmo, AAA acena na direção do horizonte e o Velopata finalmente vê o que parece ser uma subidita mais a sério.

Só que não era em subidita coisa nenhuma.

– Olhai, AAA. – clamou o Velopata por entre bofes.

– Sim? – retorquiu AAA também por entre bofes.

– Há muitas coisas destas no percurso que haveis desenhado?

– Para passar em Arraiolos, era isto ou pavê. Que preferes?

O Velopata enfiou a viola no saco, cerrou dentes no guiador e sobreviveu ao que certamente será um complicado segmento strávico onde as delícias do pelotão ressabiado local do World Tour de Fim de Semana devem ser saciadas.

– Mas a partir de agora também não temos mais grandes subidas. – informou AAA.

– Ai não?

– Não. Sabes que estas estradas foram muitos anos o meu quintal.

– Isso quer-se dizer que… Rolar, não é? – constatou o Velopata.

– Sim, agora é essencialmente a rolar muito quilómetro.

– Que bom saber. – o sarcasmo é forte num Velopata.

Pavia.

Diz a ancestral sabedoria popular, bem notada por AAA no decurso das hostilidades velocipédicas, que Roma e Pavia não foram feitas num dia.

Se era esta Pavia que os antigos referiam, o Velopata não sabe e provavelmente nunca saberá, agora que um dia parecia ser o tempo de espera para atendimento no único tasco aberto, isso será tema de outra conversa.

Divididos entre sentimentos de “vamos parecer uns bêbados se nos pomos já a postar fotos nas redes sociais de médias na mão” e “que se lixe, está calor”, o dueto optou pela única e sensata opção viável.

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Um brinde ao primeiro de muitos. Com médias porque está calor. E se mais justificação fosse necessária, devem lembrar que os Ciclistas gostam de cenas com Médias e coiso.

Medianamente refrescados, o dueto já engatava os pedais de encaixe quando um número anormalmente elevado de enlatados de grandes dimensões destinados ao transporte de materiais aparentava seguir pela mesma estrada do traque.

– AAA, estais observando aquele comportamento? – questionou o Velopata.

– O quê? Os camiões?

– Não, os enlatados de grandes dimensões para transporte de mercadorias onde muitos estão acometidos daquele marafado primitivo instinto territorial e a pressa deles é maior que a dos outros justificando-se tal pelo facto de estarem a trabalhar, esses todos estão a seguir na única estrada alcatroada que sai daqui. É este o comportamento a que o Velopata se referia.

– E?

– E que é a estrada que eles vão seguir, certo?

O Velopata hesitava, lembrando os muitos quilómetros de alcatrão já percorridos por entre o reino alentejano, sabendo que muitas das ligações nacionais entre aglomerados populacionais de bicho humano se encontram pejadas de crateras provavelmente ainda dos tempos geológicos em que a Ilha de Faro estava presa a Faro.

Misturar isso com enlatados ainda por cima em mais pesados que o enlatado vulgaris e com em mais pressa que o bicho humano enlatado comum… E o calor. E o vento. E o cansaço acumulado…

– É mas não te preocupes. É na boa.

– Ah, é na boa. – o sarcasmo continua forte num Velopata.

O dueto preparava aquele impulso para lançar nobres montadas ao alcatrão e eis que se detinham novamente.

Por entre a romaria enlatada de grandes dimensões, estariam os bonitos olhos castanho-esverdeado do Velopata a traí-lo? Seria já cansaço e raios U.V. a mais? Uma daquelas miragens do ultracyclinglismo ou lá o que é, influenciada pelos marchantes eventos da noite anterior? (Podeis recordar clicando aqui.)

O Cortejo da Banda Filarmónica de Pavia ocupava a estrada, passando em corriqueiro ensaio.

Se foi do humor negro sui genereis velopático ou não, ele nunca saberá. Muito menos saberá se a imagem que lhe percorreu a mente; um enlatado de grandes dimensões de transporte de mercadorias surgia de lá, lançado em velocidade excessiva e excesso de velocidade, perdia o controlo da viatura, tombava e varria aquela Banda Filarmónica do mapa… Isso seria bom presságio ou não?

Enquanto se pedala, a mente rapidamente divaga para outros locais.

Principalmente quando se rola mais.

E depois rola-se mais.

Crato.

À semelhança do Allgarve, já deviam ter mudado para Krato. Ficava mais cool.

No Krato, o Velopata pode experienciar o primeiro de muitos contrastes técnico-táctico-civilizacionais que assistiu durante esta Escapadela Altimétrica.

O contraste: feminazismo e o moçe kratoense. Do Krato, portantos.

Quais vampiros de líquidos do asfalto, Velopata e AAA irromperam por uma simpática esplanada kratoniense procurando refrescar-se com o que foi comunemente acordado como Colas pois “vamos continuar a parecer uns bêbados se nos pomos a postar fotos de médias na mão”.

Enquanto bebericavam Colas, arrefeciam pernas e mente, Velopata e AAA assistiram enquanto na mesa do lado, três exemplares de adolescente de macho de bicho humano também bebericavam seus sumos de eleição açúcarados.

Até que se aproxima um outro exemplar de adolescente de bicho humano, só que em fêmea, e as hormoinas tomaram conta do resto.

– Ó pórca, anda cá. – chamou um dos moçes na mesa.

– O que é que tu queres? – retorquiu a moça.

Isto não era de todo a maneira que um Velopata esperava encontrar no cumprimentar entre gaiatos alentejanos.

– Anda cá minha gorda! – insistiu o moçe.

– Não me vou assentar ao pé de vocês porque tu não-sei-quê, não-sei-que-mais, porque o amigo da Jessica diz que fizestes isto, a Graciete aquilo e não-sei-quê-não-sei-que-mais…

Ainda por cima pareciam cúmplices alentejanos, tratavam-se por tu.

– Ó minha vaca, anda lá p´áqui p´o´pé da gente! – berrou novamente o moçe.

– Eu vou! Mas ai de ti ca contes à não-sei-quantas que o não-sei-quantos…

E todos bebericaram os respectivos sumos açúcarados, felizes e contentes.

E um Velopata a pensar que um vídeo de todo aquele momento, bem capturado e espalhado pelo incendiário e ofendido reino internético, certamente em algum lado do mundo, qualquer feminazi crossfiter vegetariana choraria ao ver aquelas imagens.

O dueto deixou terras kratoneenses para trás.

Repetição de um contraste anterior: o bafo quente e sufocante do alcatrão e o fresco vento nortenho.

Rolar, depois rolar mais, calor e um vento lateral que não dava tréguas.

Armado ao herói velocipédico cheio de estilo, o Velopata pedalava de licra aberta, peito ao vento, como ele vê fazerem os prós menos preocupados com o aero e coiso. Uma vã tentativa de refrescar o quente motor.

Como bem apontado por AAA, foram muitos os fãs da Estrela Vermelha que acorreram ao alcatrão, não perdendo a oportunidade de a ver passar em mais uma aventura; vacas, porcos, bois, cegonhas, corvos e talvez até um moscardo que quisesse apenas vangloriar-se perante os restantes moscardos que um dia conseguiu picar o condutor da Estrela Vermelha, merecendo-lhe créditos para o resto da curta vida – o Velopata foi mordido por um moscardo ou lá o que era aquela sombra negra que embateu sonoramente no Kask Mojito e voou para o interior das costas do jersey.

E toca de aferroar suas mandíbulas no pobre Velopata.

Forçando a uma paragem prolongada porque bicho marafado parecia não querer deslargar o jersey, ferroando mesmo desalmadamente como quem ferra mesmo desalmadamente mesmo.

O Velopata nunca chegou a ouvistar o que era, sendo confirmado por AAA que tinha ouvisto algo saír voando das costas dele – uma localizada e pungente moínha naquela zona corporal sobraria para um Velopata nos dias seguintes, em vez de um qualquer super-poder sobrehumano.

À excepção de umas mudanças de última hora por motivos de orientação strávica vs real, Velopata e AAA chegavam a Alter do Chão.

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Uma pequena pit-stop para verificação da orientação strávica do traque, sendo o dueto presenteado com mais uma multidão de fãs que correram à estrada para ver passar a Estrela Vermelha.

Como isto é Alter do Chão e não Halter do Chão?

Como isto não é um lapso no contínuo espaço-temporal da Língua Portuguesa?

A malta do Crossfit sabe disto?

Se uma tal de Ivete Mangalho ou lá o que é já aqui deu um concerto, o Velopata espera profundamente que ela tenha berrado aquela do “Tirópéduchão!!!!” como “Tiróhalterdúchão!!!”, só para assistir ao regozijar dos populares.

O governo devia investir num Centro de Alto Rendimento do Crossfit e coiso em Halter do Chão quiçá Halter do Xão para ser mais moderno e apelativo e do turismo e coiso, aproveitando assim para juntar toda aquela malta de cabelo à viking de trazer por casa e que vestem calças apertadas demais para ser saudável com comprimentos ideais para a apanha da amêijoa, todos no mesmo sítio.

Sem saber, Velopata e AAA preparavam-se para ver seus neurónios abalados com informação capaz de mudar vidas – e não era apenas do famigerado pavê que atravessavam; desconhecedor, o Velopata chegava a uma agradável esplanada… Imediatamente localizada em frente do palco das internacionalmente celebradas Festas de Alter do Chão, em plena hora de cheque-som.

E que algures em Halter do Chão, um enlatado de grandes dimensões para transporte de passageiros se ocultava.

E vinha de Ermesinde.

E-R-M-E-S-I-N-D-E.

TUM! PÁ! TUM! TUM! PÁ!

– Então, que haveis pedido? – o Velopata aproximava-se de AAA, já composto na esplanada.

– Pedi TUM! uma TUM! TUM! PÁ! sopa.

– Só PÁ! PÁ PÁ PÁ TUM! uma sopa? Não comes PUM! PÁ RATATATATA TÁ TÁ TUM! mais RÁTÁTÁ TUM! nada?

– Talvez coma TUM TUM! uma TUM TUM PÁ! RÁTÁTÁTÁTÁ TUM TUM! bifana.

– Pois, ele também TUM TUM PÁ! pensou TUM TUM TUM TUM PÁ! trincar mais qualquer coisa mas TUM TUM! uma RÁTÁTÁTÁTÁTÁTÁ TUM TUM TUM! sopa.

O Velopata deslocou-se ao interior do tasco halterofílico, para formalizar seu pedido de forma audível, sendo surpreendido pelo atarefado dono do tasco quando sugeriu a ideia de uma omelete sem carne;

– Coméquié? Vossemecê quer uma omelêta só sem nada?

– Não precisa de ser com nada, pode colocar mais qualquer coisa desde que não carne. – explicou o educado Velopata.

– Bem omelêta com nada pode ser com quê? Pode ser com quêije?

– Sim! Se puder colocar queijo seria porreiro. Não tem também uns cogumelos?

– Nã temos cogumelos a esta hora. Mas podemos pôr um pouco de fiambre.

Com aquela última do fiambre, o Velopata já sabia estar na presença de alguém que usa o fiambre como adereço psicológico para evitar assim dizer o que lhe vai na alma, uma espécie de bengala psicológica para o que na realidade o sujeito quer dizer mas devido a básicas regras de salutar convivência entre bichos humanos não diz – “tendes uma doença, vai-te tratar tu mais a tua omelêta com ou sem nada”.

– Ó pai, o moço nã pode pôr fiambre porque fiambre é carne na omelete. Podem ser uns espargos? – interrompeu uma espécie de salvador , aparentando ser o educado e evoluído Filho do Dono do Tasco.

– Olhe, uns espargos seria óptimo! – o Velopata agradecia e já lambia os bonitos lábios.

– Não devem de haver espargos a esta hora mas já se vê. – rematou o dono do tasco.

O contraste: a simpatia dos alentejanos.

Na esplanada, o cheque-som do homicida baterista devia ter terminado porque o que se seguiu podia ser muita coisa menos cheque-som de instrumento algum.

A não ser que se tratasse de um instrumento de tortura. Efectivamente, os nativos parecem simpatizar bastante com feiras medievais e coiso.

Ao Velopata tudo indicava que o governo devia estar a conduzir uma daquelas experiências militares utltra secretas com teatro de operações em território haltérense, estudando o efeito de ondas sonoras de baixo comprimento sobre a populaça desprevenida mas principalmente tudo o que era feito de vidro nos quilómetros envolventes.

Por sorte, o cheque-som do assassino baixista pareceu dar-se por terminado e, pelo menos até á hora da festa, todos os tímpanos, copos, garrafas, vidros e montras de Halter do Chão sobreviveram.

Naquele silêncio que só uma esplanada alentejana sabe proporcionar, prostados ante a sova aerodinâmcia e metereológica já ulrapassada, foi quando Velopata e AAA viram – em escassos minutos, o pescoço de Velopata e AAA foram mais solicitados para trabalho que em todos os anteriores quilómetros.

Moças de Ermesinde por todo o lado.

Lá está, dir-se-ia que um Expresso directamente de Ermesinde havia aberto suas portas a uma multidão de fêmeas visitava suas internacionalmente aclamadas festas.

Velopata e AAA trocaram olhares. Sendo fãs de Monty Python, eles conheciam por demais os históricos pormenores das privações a que heróis lendários como Sir Galahad, O Casto, tinham sido sujeitos.

Nenhuma palavra foi proferida.

Ambos os dois sabiam que teriam de resistir à tentação de não mais pedalar até Paul e assentar arraiais por ali, à mercê das predadoras ermesindenses durante o nocturno baile.

À medida que alimentação e suplementação são distribuídas, regra geral uma mesa de Ciclistas em modo pedalada épica transmuta-se para um ambiente radicalmente diferente onde não há diálogos ou sorrisos, cada um é transportado para o deslumbramento com o alimento sólido que tem pela frente, o que motiva a momentos de instrospeção e coiso.

Não existiam espargos aquela hora.

A omelete tinha efectivamente queijo.

Findas as hostilidades culinárias, o ambiente instrospectivo terá levado AAA a instrospectivar como quem instrospectiva mesmo um pouco mais, dirigindo-se para o quarto de dar banho.

O Velopata encontrava-se entretido a coscuvilhar um pouco das redes sociais, sempre atento ao ambiente circundante por motivos de Pesquisa & Desenvolvimento rebarbada, quando prestou atenção a um casalito de recém-adultos bichos humanos acompanhado de um terceiro recém-adulto macho, que fizeram sua aparição na esplanada requisitando uma mesa para três almoçarem.

O Velopata rapidamente concluiu; o macho alfa aparentava ser um franzino moçe com franginha que lembrava um pavão, parecendo ainda deter os direitos de cópula com a que o Velopata reconheceu ser uma dádiva das Pitas de Ermesinde, enviando às multipremeadas Festas de Halter do Chão, a que seria certamente um de seus melhores exemplares na categoria de Barely Legal.

Uma Pita que faria qualquer Mãe de Ermesinde sentir-se orgulhosa.

Como ele não é de se meter em vida alheia; enquanto AAA se detinha no seu momento instrospectivo, os jovens foram fazendo seus pedidos e a atenção do Velopata regressou ao telefone esperto e redes sociais, ocasionalmente interrompida pela passagem de exemplares femininos como só a categoria ermesindoense sabe proporcionar.

– Desculpe… Posso tirar uma fotografia consigo?

O Velopata não se queria acarditar.

Anos e anos a dar ao pedal e a arranhar teclas para este momento único na carreira de um artista, companheiro, palhaço e amigo do duro circo que é a vida do pedal.

Alguém queria tirar uma foto com o Velopata.

Só que não queriam.

Um outro exemplar de pré-adulto de bicho humano, aparentemente macho, requisitava uma foto apenas com o macho alfa com cabelo à moda de pavão da outra mesa.

Quem raios seria aquela outra personalidade que roubava a merecida atenção velopática?

Mais estranho ainda é porque razão quereria o moçe tirar uma foto com o outro moçe e não com a Pita. Ocupado com estes complicados raciocínios sobre psicologia de bicho humano, o Velopata só tardiamente percebeu que O Sentido de Velopata disparava – um enlatado familiar quase irrompe pela esplanada dentro.

Do interior do lançador de pó para esplanadas sai um progenitor exaltado, bem mais exaltado que o que aparentavam ser as suas duas crias em idade pré-adolescente ou pré-adulto, o Velopata já não consegue precisar.

Lançado, o progenitor rapidamente interpela o macho alfa estilo Pavo cristatus;

– Se não for muito incómodo gostava de lhe pedir um grande favor. – babava-se o progenitor.

– Não é incómodo nenhum, diga. – responde a celebridade.

– Os meus dois filhos estão com vergonha mas gostavam muito de tirar uma fotografia consigo.

– Ora essa, tiramos sim! Onde estão os seus filhos?

E seguiu-se um babado momento em que as crias e os próprios progenitores puderam tirar muitas selfies com a personalidade.

Desaparecendo tão rapidamente como entraram nesta publicação, a família fãnzoca seguiu seu caminho. Provavelmente não lavariam as mãos durante meses e inundariam o perfil facebookiano com tão solene momento acompanhado de frases lamechas do Ghandi.

Ao Velopata continuava a fazer confusão – e ninguém pedia uma selfie com a Pita?

O Velopata até queria regressar às redes sociais e avaliar avaliar as interações dos milhares de milhões de seguidores do seu perfil instagrâmico, o problema foi a histeria da filha da que aparentava ser uma das cozinheiras do tasco.

Deu bem para entender o quão fãnzoca do moçe a miúda era.

Mais histeria e muitas selfies depois, o dilema continuava.

O próprio Velopata equacionava já requisitar ele próprio uma selfie com a Pita.

Para não ficar tristonha, pobre coitada.

AAA regressou do seu prolongado momento instrospectivo, apaziguando a chama velopática que se acendia pela Pita e trazendo-o de regresso ao mundo dos vivos com questões como o intrépi… Os parvos estavam atrasados.

Existindo sempre espaço para um cafézinho e cigarrinho de tabaco aquecido final, enquanto aguardavam a chegada das recargas cafeínadas, o Velopata aproveitou para uma visita ao quarto de dar banho, ocupado com pormenores do foro técnico-táctico-genitálico, pois ele demonstra muito amor para com suas viris partes e aquele creme da Assos é realmente uma maravilhosa invenção dos bichos humanos.

A esplanada não era muito grande.

Mas certamente o mui compreensivo leitor entende quando o Velopata explica fazer todo o sentido existir uma espécie código de conduta no que respeita à distância higiénica entre mesas ocupadas numa esplanada quase vazia, certo?

O Cota não precisava sentar PRATICAMENTE na NOSSA mesa, ponto final parágrafo.

Mas ele lá estava, AAA já com a conversa engatada na talega.

Ele tratou logo de se apresentar. Homem de negócios do Porto, procurava escapar da velocidade citadina com uns dias passados numas termas ali perto, hospedado num espectacular quarto com vista sob a piscina, na luxuosa Pousada com estrelas caras demais.

A vista sobre a piscina, à noite, era mágica.

Passam moças de Ermesinde. Velopata e AAA trocam trocadilhos parvos mas não daqueles que mereçam direito a multa ou repreensão por um Agente da Autoridade de serviço que ouvisse.

Mas aquela vista sobre a piscina, era realmente qualquer coisa.

Velopata e AAA mudam o tom para assuntos relaccionados com o traque; como parecem estar a chegar as primeiras dificuldades mais montanhosas do dia. Não esquecendo que o calor e as paragens para hidratação serão importantes.

E o que dizer do ar condicionado do quarto? Não imporava mesmo a temperatura no exterior, o isolamento era muito bem conseguido.

Eles (Velopata e AAA), tentaram regressar novamente ao tópico da rebarba com transeuntes ermesindoenses, mas nada demovia o Cota – aquele quarto é que era.

Pediu-se a conta já com o dueto praticamente pronto.

– Uma vez também comprei uma biciclete cara dessas como as vossas. – o Cota lá conseguia captar a atenção do duo.

– Ai sim? Quanto gastou? – retorquiu AAA.

– Uma pipa de massa na altura. Há uns bons anos. Mas não era como as vossas, assim toda de pneus fininhos e volantes em cornos, eh, eh, salve-se a expressão…

– Ora essa.

– Era de Bêtêtê? – questinonou AAA.

– Devia ser sim. Pr´áí uns mil euros custou-me. Há uns anitos. Dizia Full qualquer coisa que não me alembro. Mas uma coisa eu sei que quem ma vendeu era de confiança e confirmou, o quadro já era todo em alumínio.

– Pois, devia ser Full Aero Alumínio. – explicou AAA.

– Devia ser isso sim.

– Pois, infelizmente as boas bicicletas são caras – anuíu o Velopata.

– É como o meu quarto. Vocês não imaginam quanto custa por noite. E nem vos vou contar do pequeno-almoço.

E ala que se faz tarde.

Tendo deixado Estrela Vermelha e Cigarra a descansar na sombra providenciada por um edifício no outro lado da estrada (a sorte de alguns edifícios), eles (Velopata e AAA), equipavam-se quando o trio da Pita também deixou as instalações.

Só depois o Velopata ouviu gemidos e pequenos grunhidos nas suas costas.

Uma comitiva de pré-adolescentes descontrolados por muita hormoina internética aos saltos.

Pareciam praticar o stalking ao trio da Pita.

AAA parecia confuso.

Confessou acarditar-se que aquela troupe de petizes estava ali para ver de perto a Estrela Vermelha mas o Velopata sucintamente, bem mais sucintamente que por este meio, explicou tudo o que havia presenciado na esplanada durante o retiro espiritual.

O choque e a confusão foram inevitáveis para AAA.

Jamais ele esqueceria aquela pedalada onde pode conviver tão de perto com dois fervorosos ícones do mundo internético do século XXI, o puto com o cabelo à pavão (também é o pormenor do moçe que AAA mais lembra), e a Estrela Vermelha.

– Sim, e também jamais esquecerás que se tivesseis optado por passar aqui a noite, levarias uns bons dias até te poderes sentar novamente sobre um selim. – notou o Velopata.

Na realidade, deixar Halter do Chão para trás era um longo segmento strávico de atroz pavê, no entanto, foi indicação strávica que o Velopata ali conseguiu um pequeno PR.

O contraste: as licras mexerem em mais com os sentimentos dos cotas que das fêmeas. Uma porra.

O Velopata acardita-se que escreve por ambos os dois, escrevendo que seus assustados esfíncteres só acalmaram quando Halter do Chão já desaparecia no horizonte.

Já o esfíncter velopático ainda sofreu uns quantos ajustes ao selim nos quilómetros seguintes, onde durante um troço de uma qualquer nacional que se entendia menos usada pelo regime enlatado, um rápido segmento em tremelicante descida vê seu mais ou menos alcatroado piso transformar-se em… Pavê.

Sem aviso.

Aquilo doeu na alma velopática mas principalmente doeu no já muito castigado cubo traseiro da Estrela Vermelha.

Ele ouvia os uivos de dor daquelas esferas.

Com unhas e dentes bem fincados no guiador em formato de cornos… O Velopata lá sobreviveu, novamente traumatizado mas principalmente vivo, já AAA parecia divertido.

Rolaram mais um pouco sobre o que parecia ser um pequeno vale, aqui e ali pontuados com pontes que a escassez de tempo não permitia paragens velopáticas para a posteridade velocipédica.

Mas começavam as primeiras vantagens de deixar desertificados reinos para trás.

As Fontes.

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Se AAA pudesse, ter-se-ia atirado para dentro da Fonte. O Velopata tem a certeza que algures no mundo, um dia chegará em que um Cota vislumbrará esta fotografia e verterá uma lágrima.

As Fontes existentes nos quilómetros seguintes ajudariam a paragens técnico-táctico-hídricas em mais rápido, não mais estariam ambos os dois dependentes apenas de tascos.

Sucederam-se os quilómetros rolantes com duas notórias diferenças para os primeiros.

O vento batia de frente, a intensidade maior.

As rampinhas eram em piores. Cada vez mais duras de trânspor na talega.

Nisa.

O Velopata tem algumas memórias de Nisa na sua infância. Muitos Natais familiares lá passados, portantos, o alentejo é frio.

É é mais ou menos essa a memória velopática.

Não era aquele pavê.

Muito menos aquele calor.

Que afinal não era já depois de mais uma daquelas rampas.

O traque fritou-se e enganou-se e comeu uns quilómetros ou lá o que foi. Pelo menos foi o que o Velopata entendeu dos berros de AAA por entre o eco do vento.

Mais uns quilómetros a rolar.

Nisa.

Agora é que é.

Pit-stop mais que merecida para hidratação da tropa.

E mais uma longa estrada de pavê até ao refúgio de um santo tasco com esplanada à sombra.

Onde os primeiros sentimentos de dúvida existencial e crise de meia-idade e coiso se instalariam.

 

Siga para a terceira parte?

 

Abraços velocipédicos,

Velopata

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