A.D.M.P.

– Ma o qu´é que se passa aqui hoje vezinha?

– O qu´é que foi?

– Ma q´iste ´tá cheie de bicicletes!

– Bicicletes?

– A´tão ma vossemeçê nã viu? Iste tá cheie de bicicletes daquelas a pedal por todo o lade, há ciclistas por todo o lade, até bicicletes em cima dos carres eles têm!

– Ah, já sei! Acho que é duma tal de Volta ao Algarve ou lá o que é.

– Vão dar a volta ao Algarve em biciclete?

– Sim.

– E arrancarem daqui de Fare?

– Parece que sim.

– Então e onde é que acabam?

– Pois deve de ser aqui também.

– Ó gente louca… Onde é que já se viu andar a dar voltas ao Algarve em biciclete… Mais valia irem de carre ou de mota que assim sempre podiam apreciar melhor a paisagem.

– Pois é, já dizia o outre, há maluques para tude.

– É, é… Se fosse para apanhar alfarroba ou para trabalhar no campe era o ´tá quiete…

– Isto é daquela juventude que já não sabe o qu´é trabalhar a sério e sofrer vezinha!

– Ah, pois é! Querem é boa vidinha e andar por aí de biciclete!

– Ó vezinha, já tem aí daquele medronhe bom de Monchique? – as anciãs farenses viravam agora a atenção para a dona do tasco, ocupada com os orange juice e as toste miste pedidas por uns cámones que enchiam a esplanada de estrangeiros lá de fora com os corpos mais desnudados que vestidos, algo que surpreendeu a Srª Velopata devido ao fresquinho matinal que se fazia sentir, mas que o Velopata prontamente explicou que estas indumentárias e figurinos nem eram assim tão estranhos, uma vez que estes deviam ser os máximos de temperatura registados no verão deles.

– Não, medronhe de Monchique ainda nã fui buscar. – retorquiu a dona do tasco.

– Olhe então traga-me aí um café ma bem fraquinhe se faz favor qu´é para não me dar cabo da tensão. – rematou a anciã.

Enquanto as anciãs farenses se entretinham com suas vestigiais doses de cafeína, não fosse o coração pregar-lhes uma partida que certamente o consumo de medronho jamais seria capaz, Velopata, Srª Velopata e o Velopatazinho deixaram a esplanada para trás e rumaram em direção ao Parque de Estancionamento que serve toda a população enlatada farense para aquela imagem anual que é o sonho molhado de um Velopata – os execráveis enlatados substituídos por uma multidão ávida de Velocipedia e por todo o lado, estendendo-se até onde o olhar alcança, Bicicletas daquelas em carbono, mesmo só carbono, totalmente em carbono, 100% carbono, full aero carbono e ainda por cima daquele que é de alto módulo.

O arranque da quinta etapa da quadragésima quinta edição da Volta ao Algarve neste ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de dois mil e dezanove.

Sabendo que muitos dos milhares de milhões de seguidores deste espaço velointernético reside longe e não conseguiram a autorização de suas respectivas para se deslocar até ao Algarve para visualizar in situ a prózada e suas máquinas de distribuição carocheira, o Velopata vem até vós sempre pensando no bem comum e com aquele espectacular serviço público pro bono, pedindo-vos apenas que tenham o cuidado de não se babarem muito para cima do telefone esperto ou PC ao visualizarem as seguintes fotografias de A.D.M.P..

Armas de Destruição Maciça de Pernas.

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As Orbea da Miranda-Mortágua.

O primeiro stander visitado pelo trio velopático pertencia à equipa portuguesa da Miranda-Mortágua, sendo o principal destaque apontado pela Srª Velopata;

– Eles vão todos naquela roulote?

– Então de que estavas à espera? As equipas portuguesas não têm os orçamentos das World Tour e…

– Não é isso.

– Então? – indagou o Velopata.

– Parece-me um bocado… Um bocado…

– Um bocado quê?

– Gay.

– Gay?!?!?!

– Sim, tantos homens todos depilados e de licras todas apertadas assim juntinhos dentro de uma roulote… Nem parece teu não achares isso um pouquinho amaricado…

– Se calhar é melhor seguirmos para a próxima equipa, não?

– Sim, não vejo a hora de irmos embora.

O Velopata ignorou esta última provocação da Srª Velopata, até porque o Velopatazinho saiu em mais ou menos corrida na direção das Orbea, berrando a plenos pulmões “É do pai! É do pai!”, e em antes que o Velopata desse por si a mãos com uma valente despesa de escaqueirado carbono daquele que é mesmo só carbono, totalmente carbono, 100% carbono, full aero carbono ainda para mais daquele que é de alto módulo para pagar, ele lançou-se na perseguição do Velopatazinho e apanhando-o em antes da catástrofe, seguiram para o stander seguinte.

(Nota velopática: cuidadosas observações do comportamento do Velopatazinho parecem indicar que para este, todos os bichos humanos que vistam licra multicolorida e enverguem capacete são o pai, já tudo o que é Bicicleta… É do pai. Isto foi algo que o Velopata já tentou utilizar em proveito próprio aquando de visitas à loja da especialidade velocipédica no Centro do Universo Velopático Conhecido, G-Ride, intencionalmente colocando o Velopatazinho a berrar a minúsculos pulmões que a linda Cannondale Synapse toda Ultegra é do pai. Claro que até à data desta publicação, tais reptícias metodologias não resultaram na aprovação da Srª Velopata à compra de tão nobre montada.)

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As Orbea da LA Alumínios – LA Sport.

– É impressão minha ou estas são iguais às outras? – atacou a Srª Velopata em cadência, qual Froomster do Parque de São Francisco.

– É só impressão tua. Se reparares as rodas são diferentes, os pedaleiros também não são os mesmos, a marca de pedais de encaixe é outra e…

– Ah, já percebi!

– Já?

– Sim, são iguais.

– É do pai! É do pai! – berrou o Velopatazinho, lançando-se sobre estas outras Orbea que também deviam ser em carbono daquele que é mesmo só carbono, totalmente carbono, 100% carbono, full aero carbono e ainda por cima daquele que é de alto módulo, o que é só estranho.

Não deviam estes moçes pedalar com Bicicletas em Alumínio mais não seja para manter o respeito e idoneidade e coiso para com o seu patrocinador?

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As Kuota da Cofidis, Solutions Credits.

Chegados ao stander da Cofidis, todas as cautelas seriam poucas, uma vez que o Velopata tinha ouvisto na lista de participantes estrangeiros lá de fora que o próprio Nacer Bouhanni marcaria presença e com este moçe já se sabe como as coisas rapidamente podem descambar como quem descamba mesmo; um esgar de boca mal interpretado, um olhar de soslaio mal entendido, umas pseudo-palavras balbuciadas pelo Velopatazinho e a coisa podia evoluír para uma valente sessão de pugilato.

– Esta equipa é só de velhos? – questionou a Srª Velopata.

– Uai, velhos?

– As bicicletas são cotas…

– Ah. Ah. Ah. Estais muito engraçadinha.

– Esta não é a equipa do Sagan?

– Opá… Ele está é a ver que ainda não foram horas suficientes a veres a Eurosport para dizeres uma bacorada dessas. O Sagan corre na Bora e…

– Então mas as bicicletas deles não dizem ali Bora?

– Isso é o modelo das rodas da Campagnolo.

– Sabes porque é que mais pessoas não gostam disto do ciclismo?

– Explica lá.

– Vocês são muito confusos. Olha, ´BORA seguir para o próximo estaminé?

Basicamente… Três a zero para a Srª Velopata.

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As De Rosa da Caja Rural – Seguros RGA.

– Sabes, estas De Rosa até têm um verde engraçado, o problema do Velopata com elas é aquele coraçãozinho… Dá-lhes um ar assim meio… Meio… Amaricado, vá.

– Pois eu não acho. – pelo tom de voz, a Srª Velopata preparava já a descida de mudança para desferir um poderoso ataque.

– Não? – indagou o Velopata.

– Se calhar aquele coração está ali para quando eles deixam as mulheres em casa e desaparecem durante horas a pedalar sabe-se lá onde, se lembrarem delas e do amor que nutrem pelas mesmas e deixando-se de parvoíces regressam logo para junto delas.

Até o Velopata, que é macho e à semelhança dos restantes, não percebe estas subtis indirectas que as fêmeas tanto gostam de proferir, acarditou que o melhor era ficar calado e seguir para o stander seguinte.

Quatro a zero.

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As Cube da Wanty – Gobert Cycling Team.

Seria de esperar que sendo os belgas uma nação de excepcional e fora-de-série valor nas artes velocipédicas, respeitassem as mais básicas leis no que às suas nobres A.D.M.P. respeita, portantos não se entendendo em que Universo ou realidade paralela, alguém acarditou que um quadro azul e amarelo faz pandã com fitas de guiador vermelhas e selim branco.

Até porque o Velopata já visitou a nova loja da especialidade velocipédica no Centro do Universo Velopático Conhecido, a On Track Your Bike Store e sabe que eles até têm umas Cube bem bonitas, óptimos preços, pandãs certinhos e tudo.

Outra coisa que também não se entende é o facto de ver belgas a pedalar com Bicicletas equipadas com travões de disco. A única explicação plausível que o Velopata consegue congeminar é a de que já não se fazem belgas como antigamente e estas novas gerações são uns… À falta de melhor termo… Mariconços.

Mas prontos, uma vez que a máquina de eleição do comparsa de aventuras velopático, o internacionalmente conhecido e principalmente temido pelos claques e prevaricadores da ordem pública, Agente da Autoridade Anónimo, é uma Cube de seu nome Cigarra, o Velopata não mais criticará a marca pois não é de sua educação cuspir na roda onde já tanto pedalou.

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As Scoisoworks da Bora – Hansgrohe.

stander seguinte pertencia aos zee germans dos exaustores mal montados mas o que deixou um Velopata de sorriso nos bonitos lábios foi o facto de estar presente um anormal e reduzido número da legião de cegos seguidores da seita da Specialicoiso, quais Testemunhas de Jeová tentando convencer tudo e todos que o seu carbono Factcoiso é o melhor, mais rígido, mais aero, mais confortável e mais tudo e mais alguma coisa do universo.

Talvez seja este um sinal que as tendências começam finalmente a mudar e a elite dos atletas de baixa competição de fim de semana encontram-se a optar por Bicicletas daquelas mais a sério.

– Ah! Esta é que é a equipa do Sagan? – questionou uma anormalmente sorridente Srª Velopata.

– É sim.

– Então esperamos aqui um bocadinho para ver se ele sai do autocarro, não?

– Uai, como assim, esperar para ver o Sagan?!?!?! Explicai-vos!

– É que ele até é giro e não parece ser assim como o resto de vocês, todos escanzelados. Até porque já que me estás a pregar uma valente seca a vir para aqui com o miúdo, podias ao menos deixar-me lavar a vista, não?

– Pois mas fique sabendo que o Sagan não veio.

– Oh… Que pena.

– É do pai! É do pai! – novamente o Velopatazinho saía em mais ou menos corrida atabalhoada na direção das Sworkscoiso e em antes que o Velopata ficasse com uma despesa que levaria várias gerações de futuros descendentes velopáticos a pagar, ele conseguiu capturar o Velopatazinho justamente no momento em que a sua pequena manápula se esticava para pegar no guiador da A.D.M.P. de um tal de Pascal Ackerman, um guiador que por si só, tinha aspecto de custar mais que toda a coleção de Bicicletas e relaccionados dos quais o Velopata é detentor.

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As Orbea da UD Oliveirense / Inoutbuild.

– É impressão minha ou já demos uma volta inteira e estamos a ver as mesmas bicicletas? – dizia a Srª Velopata de sobrancelha arqueada, indicando que uma segunda dose de observação de carbono daquele que é mesmo só carbono, totalmente carbono, 100% carbono, full aero carbono e ainda por cima daquele que é de alto módulo não era opção a incluir no cardápio.

– Estas são diferentes, têm…

– Pois já sei, são todas montadas em Endura Aço e…

– Montadas em quê?!?!

– Tu sabes, aqueles nomes parvos que vocês dão às coisas para os outros não perceberem e acharem que é tudo muito técnico. Olha, já pensáste em comprar uma destas?

– Uai, como assim? Estais dando autorização ao Velopata para adquirir uma nova montada?

– Estas devem ser baratas, não é como aquela da Cromondale ou lá o que é que estás sempre a falar. – explicou a Srª Velopata.

– Cannondale!

– Essa porcaria sim. Já viste os preços destas?

– Olha que a Orbea até tem máquinas bem bonitas mas não te iludas a pensar que são assim tão baratas quanto isso.

– Ai não?

– Não.

– Ninguém diria.

– Como assim? – o Velopata já desconfiava que aquela afirmação da Srª Velopata trazia água na suspensão.

– Não estavas a dizer que as equipas portuguesas não têm dinheiro nenhum? Então deve ser por isso que andam todos a correr com estas bicicletas, deviam estar em promoção ou saldos. Se calhar até são daquelas que têm pequenos defeitos que quase ninguém nota e eles acabam por vender por tuta e meia. Lá estes negócios assim é que tu não sabes aproveitar.

Srª Velopata 6 – 0 Velopata.

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As Cervélo da Team Sunweb.

Seguia-se o stander da Sunweb, operador turístico holandês com quem o Velopata simpatiza bastante por serem parceiros de negociata lá onde ele afincadamente labuta, podendo mesmo escrever-se que, em certa medida, o Velopata labuta para a Sunweb.

– Já viste quem é esta equipa? – apontou o Velopata.

– O que tem?

– É a nossa parceira Sunweb.

– E?

– Nada, ele pensou que pudesses achar algum tipo de piada, nada mais.

– Estou a achar uma piada tremenda. Aliás estou a achar tudo isto uma piada tremenda principalmente porque não me ocorre nada melhor para fazer a um Domingo de manhã.

– Sabes, o Velopata até estava com vontade de ir lá cravar um cycling cap deles.

– Lá estás tu com essa terminologia parva… Pedinchar o quê?

– Um cycling cap.

– Quê?

– C-y-c-l-i-n-g c-a-p.

– Hã?

– Um chapéu.

– Ah! Pois vai sim e aproveita para lhes pedir que parem de ser uns complicadinhos com as facturas que lhes enviamos.

Neste ponto da visita aos standers das equipas, o Velopata achou boa ideia deixar de contar a goleada que estava a sofrer às mãos da Srª Velopata. É que tudo isto começava a parecer o Bônfica com o Nacional da Madeira com a fulcral diferença que dez a zero não seria o limite.

Já que se escreve sobre esse desporto menor da bola, seguiam-se os standers de duas equipas que decidiram investir no mais nobre dos desportos mesmo não existindo árbitros a quem oferecer fruta e sabendo de antemão que os Ciclistas são uma estripe diferente de bichos humanos que mesmo sob a ameaça de porrada dos adeptos enquanto efeito motivador, a coisa não vai lá pois porrada é o prato do dia a que qualquer Ciclista está mais que habituado; seja do alcatrão ou trilhos, do jugo opressor tirânico do enlatado ou pura e simplesmente pelas acções dessa rameira do São Pedro.

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As Swift da W52 / FC Porto.

Como o Velopata sabe que muitos dos seus milhares de milhões de seguidores são adeptos do FêQuêPê e que brincar com o clube da bola de um bicho humano é pior atentado à sua devoção que achincalhar a sua religião, o Velopata abster-se-á de comentar a escolha dos Directores Desportivos tripeiros por estas A.D.M.P. de etnia sul-africana que são as Swift, em detrimento das anteriores KTM.

O apontamento velopatóide vai para a pintura das forquetas que apresentava um feroz dragão de uma só côr, azul e branco, mas que o Velopata acardita que ficariam Bicicletas mais bonitas e sincronizadas com os padrões do clube, destacando-se entre as demais se em vez do Dragão tivessem pintado lá umas peças de fruta.

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As KTM do Sporting / Tavira.

– Eu posso não perceber nada disto mas… As cores do Sporting não são verde, branco e negro? – questionou a Srª Velopata enquanto o trio velopático observava o stander da Sporting / Tavira.

– São sim. – retorquiu o Velopata.

– E que eu saiba, o Município de Tavira também não tem laranja no seu brasão…

– Não, não tem.

– Vês como eu digo que vocês são confusos? Então explica lá porque raios as bicicletas do Sporting e do Tavira são de côr laranja…

Por um ínfimo momento, aquela questão alevantada pela Srª Velopata até fez um Velopata acarditar que existia esperança, a sua respectiva encontrava-se mesmo interessada em conhecer um pouquinho mais sobre este mundo da Velocipedia.

– A côr laranja é uma homenagem. – explicou o Velopata.

– Homenagem? A quê?

– Aos acontecimentos do ano passado lá na Academia, quando os membros da claque deram uma carga de porrada nos jogadores.

– Tens a certeza? – a Srª Velopata parecia desconfiar da justificação velopática, avaliando aquela sobrancelha torcida.

– Claro que ele tem a certeza.

– Mas o que é que a côr laranja tem a ver com o ataque à Academia?

– É a côr do que mais foi pedido ao Departamento Médico leonino nos dias seguintes ao ataque.

– O quê?

– Betadine.

– Olha, já que falas em medicamentos, não sentes um cheiro esquisito no ar?

– Por acaso, agora que dizes isso… Sim, está realmente um cheiro esquisito. Que será?

– Isto faz-me lembrar o cheiro do medicamento para a asma que o Paulo lá do trabalho usa. – explicou a Srª Velopata.

– Ah, pois não admira! – apontou o Velopata.

– Então?

– Estamos mesmo ao lado da Estrela da Morte.

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As Pinarello da Team Sky.

A atmosfera tornou-se densa e pesada, a luz solar parecia suprimida, os risos e vozes dos alegres transeuntes não mais se ouviam e o Velopata até podia jurar ter ouvisto o cadáver de uma cegonha espezinhado sobre as rodas de uma A.D.M.P. da elite asmática britânica e por breves momentos, à medida que o trio velopático caminhava na direção do stander britânico, o Velopata não pode deixar de pensar que deve ter sido esta a sensação que Frodo e Sam tiveram quando penetraram nos vis confins de Mordor.

Correndo alguns riscos sob o atento olhar de um Soldado Imperial que guardava as máquinas do Exército Negro, o Velopata conseguiu répticiamente sacar a fotografia acima partilhada e pisgou-se dali para fora, regressando à luz.

(Nota velopatóide: por precaução, a Srª Velopata e o Velopatazinho nem se aproximaram do stander da Estrela da Morte, uma vez que nessa mesma tarde o Velopatazinho teria a sua primeira prova, a Volta ao Algarve Kids, e respirar aquele impuro ar podia dar origem a um controlo positivo.)

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As Bianchi da Team Jumbo – Visma.

– Até que enfim umas bicicletas com cores mais apelativas e com bom gosto. Estas Bianxi são muito giras! – notou a Srª Velopata.

– Estas quê?

– O que é que foi agora? O que é que disse de errado?

– Diz-se Bianqui.

– Mas lá está escrito Bianxi.

– Sim, mas o Capitão Autoridade Celeste que as vende na Caffe & Cycles afirma que o modo correto de pronunciar é Bianqui porque é como se diz em italiano.

– Ah, já percebi. Então e esse tal de Capitão Autoridade Celeste come Pizza ou Pitza?

Era oficial.

O Velopata até já tinha perdido a conta mas tudo apontava para a contagem ultrapassar largamente os dez a zero.

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As Cervélo da Rádio Popular – Boavista.

– Olha, não sabia que o Continente também produzia bicicletas… – apontou a Srª Velopata.

– Continente? Tipo Continente, o supermercado?

– Não. Continente, o hipermercado.

– Mas onde raios é que foste buscar essa ideia? – indagou o Velopata.

– Então, aquele símbolo ali na parte da frente das bicicletas não é o dos produtos da marca do Continente?

– Isto são Bicicletas Cervélo!

– Vês? Eu bem digo que vocês são confusos… E até aposto que isto são bicicletas com preços assim mais em conta, tu é que és de ideias fixas e tens a mania que és rico.

– Não tens mesmo ideia de quanto custa uma Cervélo, pois não? Isto são máquinas canadianas e são um balúrdio.

– Eu é que te ponho a andar de canadianas se não te calas com essa história de comprar mais bicicletas e ponto final parágrafo.

Como em tantas outras ocasiões, o Velopata achou a mais sensata opção ficar calado e seguir para o stander seguinte.

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Os Trecos da Trek – Segafredo.

– Olha os Trecos da Treco! – berrou o Velopata.

– Hã? – indagou a Srª Velopata.

– Não ligues, é uma piada que ele gosta muito de dizer e escrever.

– Ligar eu não ligo mesmo, só estava era a tentar perceber se estavas mesmo a tentar comunicar ou se estavas a ter algum AVC.

– Ah. Ah. Ah. Estais mesmo muito engraçadinha.

– Mas agora que dizes isso estou a reparar aí nessas coisas vermelhas e já percebo o que queres dizer.

– Já? – nos bonitos olhos castanho-esverdeados velopáticos uma pequena luzinha acendeu, sintomática da ínfima réstia de esperança que parecia ali nascer.

– Sim, essas coisas têm uma forma tão esquisita que nem parecem bicicletas. – rematou a Srª Velopata.

E por breves momentos um Velopata foi feliz; o casal velopático encontrava-se em sintonia.

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As Canyoncoisas da Team Katusha Alpecin.

– Olha, está outra vez um cheiro esquisito no ar. – notou o Velopata.

– Pois está. Mas este eu não consigo identificar. – assentiu a Srª Velopata – Parece uma mistura de… De… Parece café com detergente.

– Ah! Já sei! Olha aqui o estaminé seguinte! – exclamou o Velopata.

– Quem são estas?

– São os russos que têm um fétiche com shampoos com cafeína.

– Espera, deixa-me adivinhar… O shampoo com cafeína é… Ai, como é que vocês dizem… É… O shampoo com cafeína faz o cabelo mais aero?

– Sabes, às vezes consegues deixar um Velopata tão orgulhoso de te ter como respectiva.

– Não vem que não tem. Já devias saber que graxa não resulta comigo e outra coisa.

– Diz.

– Isto ainda falta muito? É que eu já estava farta ainda antes de ter aqui chegado mas agora já estou mesmo muito farta. E o teu filho já adormeceu.

– O Velopatazinho está a dormir?

– Claro que está a dormir, esta é a hora a que fazem a sesta matinal lá na escola.

– Acho que não. Foi sim muito entusiasmo de seguida.

– Que nada! Ele está é cansado das parvoíces do pai.

– Mas ainda bem que ele está a descansar. Assim está mais fresco para a tarde.

– Eu devo ter feito muito mal numa outra vida… Mas vamos despachar ou não?

– Calma, vamos já seguir para o próximo estaminé, deixa-o só tirar esta difícil foto porque ele não pode falhar com os seus milhares de milhões de seguidores.

– E esta foto é difícil porque? – questionou a Srª Velopata.

– Porque ele não gosta de fazer publicidade a estes moçes que são tipo o Sauron das lojas da especialidade velocipédica.

– O que é que a Guerra das Estrelas tem a ver com isto?

– Não sejas blasfema. O Sauron é…

– Eu sei quem é o Sauron. Isto foi mesmo só para te meter mais um golaço. Daqueles tipo livre directo ao ângulo em que o guarda-redes nem se mexeu.

E assim como a sintonia velopática tinha dado um ar de sua graça, voltava a esfumar-se mais depressa que um pedaço de haxixe atrás do ginásio de um qualquer liceu.

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As BMC da Team Dimension Data.

– Sabes, mesmo agora que modificaram ligeiramente o quadro e melhoraram a estética da junção do top tube com o seat tube, ele continua a achar estes quadros da BMC assim meio que feinhos. – notou o Velopata.

– Por acaso não sei nem quero saber. Mas ainda bem que não gostas.

– Ai é? Então?

– Essas bicicletas têm pinta de custar uma pipa de massa e assim é menos uma marca com que tenho de me preocupar.

Verdade seja escrita – se a Srª Velopata fosse jogadora desse desporto menor da bola, certamente seria o equivalente feminino de um CR7.

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As Scoisoworks da Deceuninck – Quick – Step.

Seguiu-se o stander onde novamente a malograda seita da Specialicoiso marcava presença, podendo um Velopata constatar que;

a) o número de crentes na religião amaricana parece realmente estar a diminuir pois este era de longe o stander mais vazio e desenxabido;

b) quando os líderes da seita perceberem que o número dos seus seguidores está a diminuir, certamente inundarão o mercado com o que pregarão ser um novo e revolucionário produto, de longe melhor que todos os outros; por exemplo, um carbono que não é só Factcoiso e sim Factcoisoplus, onde a rigidez é aumentada aí em trezentos por cento e os testes no túnel de vento revelarão que é não-sei-quantos-por-cento mais aero.

c) Bicicletas de Ciclistas belgas com travões de disco… Se Merckx já viu isto, o que realmente espanta um Velopata é porque razão Ele ainda não entregou a devida burocracia para requisitar a mudança de nacionalidade.

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As Giant da CCC Team.

De longe este era o stander mais concorrido ou não fosse a CCC a equipa que alberga o menino querido algarvio do pelotão World Tour, Amaro Antunes que, verdade seja escrita, dias antes de tudo fez para tentar pregar uma valente carocha nos restantes ressabiados na chegada à Fóia, ficando apenas a faltar-lhe um Danoninho para o conseguir.

Os taiwaneses da Giant apresentam sempre Bicicletas bem bonitas e a módicos preços que não lembram um assalto à mão armada, tendo o Velopata libertado alguma baba enquanto fotografava as A.D.M.P. da equipa polaca quando…

Tap. Tap. Tap.

Alguém dava umas palmadinhas no ombro velopático.

Era um tal de Laurens Ten Dam, Ciclista profissional cujo melhor resultado obtido na carreira foi um oitavo lugar na Vuelta do ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de dois mil e doze. Um avião, portantos. Por óbvios motivos, a seguinte conversa foi traduzida do cámone;

– Posso tirar uma foto contigo? – pediu o sorridente moçe.

– Quereis tirar uma fotografia com o Velopata?

– Quero sim, sou um grande fã do teu blog.

– Sério? O Laurens Ten Dam sabe ler português?

– Erh… Uhm…

– Vá, pede lá aí a alguém que lhes tire uma foto. Sabes, o Velopata também acompanha o teu podcast.

– Sério, o Velopata sabe falar holandês?

– Erh… Uhm… Pronto, na realidade ele não ouve o teu podcast, ele só acha mesmo piada é à tua cena do échetégue Live Slow Ride Fast.

– É assim que tem de ser.

– Pois mas o Velopata acha que é mais Live Slow Ride Slower.

– Ah! Ah! Ah! Nunca tinha pensado nisso assim.

– Claro que nunca tinhas pensado nisso assim, andas sempre a pedalar no meio de ressabiados!

– Vou tentar lembrar-me disso de hoje em diante. Obrigado pela foto, vou imprimir, emoldurar e colocar junto da estante com os meus troféus.

– Ora essa, ele é que agradece.

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Velopata (à esquerda), e um tal de Laurens Ten Dam (à direita).

– Quem era aquela? – questionou a Srª Velopata.

– Era o Laurens Ten Dam. Ciclista profissional que até já fez…

– Que ele é ciclista profissional eu deduzi. Quando saíu do camião vinha cá com umas trombas… Parecia que vinha de ressaca.

– Gostava de ver a cara da Srª Velopata se acordasse cedo para ir subir o Malhão depois de quatro dias seguidos a pedalar sempre a abrir.

– Sabes porque é que nunca vais ver isso?

– Explica lá.

– Porque eu não sou parva.

Se nesse desporto menor da bola uma lei existisse que faria o jogo terminar quando uma das equipas atingia um limite de golos tal para ser considerado uma valente cabazáda, a visita aos standers das equipas teria terminado por aqui.

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As Ridley da Lotto Soudal.

Penetrando novamente em território belga, o Velopata queria muito ver de perto aquelas que ele considera das melhores A.D.M.p. do Universo e arredores, a marca Ridley, não porque ele já tenha pedalado uma ou mesmo conheça alguém que tenha uma e fale mundos e fundos da mesma, mas sim porque uma Bicicleta onde o André Gorilão Greipel sprinta e o carbono não se estilhaça todo sob os seus watts só pode ser um maquinão.

E novamente aquela sensação que os belgas já não são o que eram, correndo um Velopata o risco de ser apelidado de uma espécie de Velho do Restelo Velocipédico mas… O mui querido leitor deve observar a fotografia acima com olhos de ver – desde quando uma Bicicleta em repouso deve ter a corrente engatada na talega?

Esta juventude já não respeita nada…

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As Lapierre da Groupama – FDJ.

– Que bicicleta feinha. – apontou a Srª Velopata.

– Sabes, são nestes momentos que ele tem muito orgulho em ti.

– Então?

– Há uma regra de bom senso… Nomes de bichos humanos nos quadros só devem ser autorizados se forem em italiano.

– Quem é este tal de Lapierre?

– Pois é como o Scott. – notou o Velopata.

– Quem?

– Exatamente.

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As Colnago da UAE Team Emirates.

– É melhor não te aproximares muito deste próximo estaminé. – informou o Velopata.

– Qual é o problema agora?

– Estes moçes são árabes. Ainda levam a mal que não venhas toda tapada e ainda por cima sem burqa.

– A sério?

– E depois ainda sou obrigado a apedrejar-te.

– Era só o que faltava!

Sem um pingo de vergonha ou medo, a Srª Velopata avançou e fez questão de se pavonear em frente dos vários Emirados Árabes Unidos que por ali preparavam as nobres A.D.M.P., provavelmente aguardando a oportunidade de algum deles dizer algo para que ela pudesse espetar-lhes a descompustura da vida deles.

O Velopata, que diante dos seus olhos via já preparar-se um grave incidente internacional, pisgou-se dali para fora levando o Velopatazinho ainda adormecido para espreitar as belezas italianas com que a UAE pedala.

Mas sempre mantendo a distância.

Não fosse uma daquelas Colnago explodir porque lá está… Isto com os árabes nunca se sabe.

Sem medo de explosões estavam os moçes do stander da equipa portuguesa que estancionou o seu estaminé a seguir ao árabe e só depois do Velopata ter vislumbrado as A.D.M.P. escolhidas por estes Ciclistas portugueses, ele percebeu que afinal estes eram Homens a sério que desconhecem a palavra Medo.

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As Bicicletas de Homem da Vito – Feirense – Pnb.

Seguidamente um nó acometeu o cérebro velopático.

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As Cannondale da Vito – Feirense – Pnb.

Então mas estes moçes guardam as Bicicletas de Homem presas no topo de seus enlatados e pedalam com Cannondale?

Mas que estranha lógica se esconde aqui?

E ainda hoje, à hora de publicação de mais este devaneio velopático, ele não encontra razões que justifiquem semelhante acto, tendo já passado muitas noites de soninho recuperador bom perdido, o cérebro apoquentado com estas e outras importantes questões.

Ainda em choque, o Velopata procurou o conforto da Srª Velopata mas não encontrava sinais desta.

Preocupado, ele tomou a única acção lógica e possível – ligar os dados móveis do seu telefone esperto e procurar pelo Alerta CM onde dariam conta de uma mulher a descompôr quiçá até espancar membros da comitiva Emirada Árabe Unida que visitava o Algave.

Mas nada.

E assim ele seguiu com o ainda adormecido Velopatazinho para o que parecia ser o último stander a visitar.

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As Jorbi da Aviludo – Louletano.

– Então mas isto ainda falta muito?

Aquele tom de voz assim tão próximo das costas de um Velopata assustou-o enquanto ele se concentrava para recolher a fotografia das A.D.M.P. dos vizinhos de Loulé.

Era o regresso à carga da Srª Velopata;

– Onde é que andáste? Ele já estava a ficar preocupado… – notificou o Velopata.

– Como os árabes eram uns mariconços e não disseram nada fui ao quiosque comprar uma garrafa de água. Já devias saber como é, quando se apanham grandes secas fica-se com sede.

– Ah. Ah. Ah. Continuas muito engraçadinha.

– Este estaminé é o último não é?

– Infelizmente é. – balbuciou um tristonho Velopata.

– Até que enfim. Vá, vamos lá despachar para ir ver a partida que daqui a pouco o teu filho acorda e temos de ir para casa dar-lhe o almoço.

– O que tens para o almoço dele? – questionou o Velopata.

– Sopa de legumes e fruta.

– Só?

– Deves julgar que ele é alguma debulhadora como o paizinho dele.

– Não é isso. É que ele tem a Volta ao Algarve Kids à tarde. Devíamos dar-lhe um prato de massa para carregar os carbohidratos!

– Sério, numa outra vida eu devo ter feito muito mal mesmo….

Mas em antes que o Velopata pudesse responder, o enlatado de Apoio Neutro encontrava-se estancionado no passeio (como é óbvio!), forçando o trio velopático a seguir pela estrada enquanto o Velopata sacou do telefone esperto e registou mais uma foto quando… Mais uma vez o Velopata foi obrigado a reconhecer que a perfídia humana não tem limites.

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As Shimano da Shimano. Que pode confundir os leitores civis mas o Velopata explica – são as Bicicletas de Apoio Neutro que correspondem ao último recurso de um Ciclista que tem um problema com a sua A.D.M.P. durante a prova e o enlatado da sua equipa não se encontra por perto para lhe fornecer uma nova. 

mui querido leitor consegue detectar o que há de errado na fotografia acima?

A Bicicleta está descansando presa no tejadilho do enlatado e…

A corrente está engatada na talega!

Isto no enlatado onde vão nada mais, nada menos, que os próprios especialistas mecânicos da Shimano!

Onde é que este mundo vai parar?!?!?!

Ainda nem recomposto do choque, o Velopata juntou-se à Srª Velopata e Velopatazinho, nos entretantos já acordado e excitadamente pronto para assistir à partida da última etapa, quando aquele aperto estomacal acometeu o Velopata.

Bexiga não era, número dois também não, o Sentido de Velopata, uma vez que ele não estava a pedalar também não seria, parecia faltar algo mas o quê?

Olhando para trás, perscutando o Parque de São Francisco no horizonte, foi com horror que um Velopata se apercebeu da tardia chegada de um enlatado amarelo-fluorescente de grandes dimensões que só agora preparariam seu estaminé – a Efapel.

– Achas que dá para voltar atrás? A Efapel só chegou agora…

– Mas tu és louco ou quê? Achas que vou voltar isto tudo para trás?!?! Quero lá saber da Éfápél!

– Taiáchichas gigong! – bradou o Velopatazinho.

– Vês? Até o Velopatazinho quer ir ver as Cipollini!

– Nem penses! Já chega! Vamos lá esperar para ver a partida e depois vamos embora. Era só o que me faltava… Quando era adolescente não fiz isto com as bandas que gostava e agora que tenho quarenta anos tenho de andar aqui à seca à espera de meia dúzia de miúdos escanzelados. Deixa-te de ideias!

E pelo segundo ano consecutivo, o Velopata não conseguiria fotografar as A.D.M.P. italianas.

Minutos depois ouviam-se as sirenes da Polícia e o pelotão passava acelerado em direção ao Malhão para gáudio do Velopata e Velopatazinho.

E pelo terceiro ano consecutivo a aparente tendência das últimas edições da Volta ao Algarve manteve-se.

Venceu um moçe de nome impronunciável.

Um tal de Tadej Pogaca… Pogac… Pogaenlatadoemcámone.

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A única razão pela qual o Velopata partilha aqui a fotografia de consagração do Tadeu na Volta ao Algarve? Aquela morenaça à direita do moçe.

Como nota final resta ao Velopata descansar a sua horda de milhares de milhões de seguidores com a promessa que os eventos da tarde deste dia serão relatados oportunamente e com a devida pompa e circunstância que merecem, afinal, foi a primeira prova do Velopatazinho, a Volta ao Algarve Kids deste ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de dois mil e dezanove.

Até lá, podem deleitar-se com esta fofura;

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A monumental estreia do Velopatazinho ao comando da sua A.D.M.P., a Bala Vermelha.

 

Abraços velocipédicos,

Velopata

 

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