Este país não é para… ebikecoisas

Bicicleta.

Substantivo feminino.

Do avec, bicyclette.

Velocípede de duas rodas com igual diâmetro, propulsionado pela força do operador ao accionar um sistema de pedais que actua sobre uma corrente.

Mais ou menos in Diccionário Priberam da Língua Portuguesa.

 

Inicialmente, o Velopata acarditou que os seus bonitos olhos castanho-esverdeados o traíam.

Depois foi inundado com aquela sensação de mau-estar, azia acompanhada de uma tremenda náusea que o levou a equacionar sair correndo para procurar um quarto de dar banho onde pudesse efectuar uma descarga involuntária de conteúdo estomacal, no entanto, valeram as forças que o seu fraquinho core consegue produzir, mantendo os semi-digeridos restos da frugal refeição no interior estomacal e permitindo que o Velopata passasse novamente os seus bonitos olhos castanho-esverdeados pela montra de revistas e magazines expostas na sua frente.

Como seria aquilo possível?

A dúvida toldava a mente velopática; não existiria uma espécie de Provedor de magazines a quem se pudesse apresentar queixa por tamanha falta de respeito, pressionando os editores de tamanho disparate para que aquela blasfémia fosse removida das prateleiras deste pequeno recanto à beira-mar mal plantado com eucaliptos em monte?

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O horror esconde-se nos mais improváveis lugares.

A medo, não fosse dar-se o caso da coisa poder transmitir algum vírus ou bactéria, o Velopata aproximou-se para ler além das gordas letras que enchiam a capa.

Specialicoiso.

Turbo.

Motor.

Bateria.

Um recheio de substantivos, adjectivos e coiso que não faziam qualquer tipo de sentido, ainda por cima, juntos da palavra Bike.

Mas que raios é uma Bike?

Bicicletas, Bicicletes, Binas, Biclas e Velocípedes, o Velopata conhece na sua língua materna de Camões, agora uma Bike?

Mais estranho ainda é ele recordar os seus imberbes tempos de Escola Primária, quando nem a letra pertencia ao alfabeto português…

Só instantes depois o Velopata lembrou-se; perdem-se na contagem dos dedos as inúmeras vezes com que ele cruzou caminho com motoqueiros em serranas esplanadas, ouvindo-os apelidar seus poluidores e primitivos veículos de duas rodas com esse tal nome de bikes. Como raios pode aquela coisa que ainda necessita de um conspurcante motor de combustão receber o mesmo nome de algo tão bonito, simples e belo como só uma Bicicleta pode ser?

E novamente aquela sensação de náusea misturada com uma cólica estomacal e uma comichão cerebral como o Velopata há muito não sentia, tudo apontando para uma única resolução possível.

Convencer a Srª Velopata a pegar no Velopatazinho, na Cadela Descontrolada, na Gata e Gorda e… Emigrar.

É que um Velopata ainda tolera muita coisa; um Sistema de Saúde decrépito, um Sistema de Segurança Social à beira da implosão, forçando-o a labutar até aos noventa ou mais anos de idade (se lá chegar, é claro, sobrevivendo às muitas tentativas de atropelamento por raivosos enlatados), um Sistema de Educação pelas ruas da amargura, a gestão danosa por políticos de índole da qual ninguém tem dúvidas, a cerveja sem álcool, o kizomba… Mas isto? Certos limites não devem ser ultrapassados e um indivíduo com consciência social tem de saber quando chega a hora de fincar o pé e a plenos pulmões berrar; Basta Pum Basta!

Uma vez que a hora indicava o regresso à segunda parte da labuta diária lá onde o Velopata afincadamente labuta, finda a pausa para almoço que saía agora arruinada com aquela constante sensação aziada, o Velopata aproveitou para caminhar um pouco, respirar precioso ar e reflectir sobre toda aquela monstruosidade.

Se aquilo enchia as prateleiras das lojas, então é porque certamente existia  um mercado para tal, moçes e moças que fariam questão de gastar seus árduamente ganhos eirios naquele pedaço de papel que nem para auxiliar de visitas ao trono servia, fosse para companhia de leitura ou outros fins.

Estaria o Velopata apenas e só a ser embirrento?

Ou tratar-se-ia de um sinal enviado pelas mais Altas Entidades Velocipédicas?

Seguindo esta última lógica, o Velopata matutou nas oportunidades que aquele exemplo abria – porque não uma inventar uma revista dedicada a algálias? Seria certamente um sucesso que traria um retorno de milhares de milhões de eirios; um magazine com páginas e páginas de reviews, análises de performance, fotos de bonitas moças com belos corpos e pouca indumentária, envergando os mais recentes modelos carregados de inovações tecnológicas (algálias com uaifai e dente azul, por exemplo), reviews das melhores apps para controlo de bexigas incontinentes e o que mais o mercado dos utilizadores de algálias necessitassem.

E porque não um magazine sobre fraldas para adultos?

E em antes que venham daí mui ofendidos leitores criticando o Velopata por estar troçando da bonita idade geriátrica, lembrem-se que nós, Ciclistas, passamos muitas horas no selim e com o avançar da idade, não serão necessários muitos anos para todos fazermos PR´s a meio da noite, em vãs tentativas de chegar ao quarto de dar banho em antes que a incontinente bexiga aliada a uma esfarelada próstata nos preguem partidas bem molhadas.

Matutando nestas duas fortes opções temáticas para a produção de revistas, talvez tenham sido os muitos transeuntes que se faziam deslocar a penantes e que pululavam pela baixa farense a auxiliar à epifania velopatóide – e porque não um periódico sobre footing?

Epá, ó Velopata, perdoai-nos a ignorância mas que raios é isso do footing? – questionarão os leitores menos exímios na língua anglo-saxocamónica e modernices.

footing é uma nova tendência desportiva em voga pelo estrangeiro lá de fora e que só agora aparenta estar a dar os seus primeiros passos em Portugal, tendo o Velopata descoberto esta actividade depois da rotineira visita ao médico de família de um seu amigo que sofre de excesso de peso.

É gordo, portantos.

Você devia experimentar o footing. – afirmava o médico.

Perdoe a minha ignorância Senhor Doutor mas experimentar o quê? – indagou o amigo que durante uma refeição alimenta-se da mesma quantidade de comida que uma família ruandesa consome durante um ano inteiro e depois ainda se queixa que a sua balança inteligente, uma iBalança portantos, grita “POR FAVOR, UM DE CADA VEZ!” sempre que se tenta pesar.

footing. Não sabe o que é?

Não Senhor Doutor. O que é o footing?

É andar a pé.

(Nota velopatóide: em antes de continuar, desde já o Velopata pede uma ovação de pé perante esta pérola da Medicina Geral Portuguesa.)

Portantosfooting.

O acto de andar a penantes agora já é considerado actividade física e desportiva.

Mas anda tudo a gozar com um Velopata?

E ainda dizem os relatórios da Direção Geral de Saúde que os portugueses praticam pouca ou nenhuma actividade física… Claramente estes investigadores nunca se deslocaram até à baixa farense onde facilmente se certificariam que não faltam por lá atletas praticantes de footing.

Aliás, quem diria que até o Velopata, é um atleta que inúmeras vezes pratica o footing nas suas horas de pausa para almoço?

E assim, fica a questão a pairar na maionese cerebral velopática – porque não um magazine, revista ou periódico sobre esse duro desporto que é… Andar a penantes?

Sinceramente…

Mas se o mui querido leitor acardita que a azia velopática se ficaria por aqui, engana-se.

Chegando ao local onde ele afincadamente labuta, o Velopata dispunha de alguns minutos em antes de iniciar a referida prática que lhe permite auferir eirios para gastar em carbono, tendo decidido passar os olhos (reiterando que são de um castanho-esverdeado muito bonito), pelo feed facebookiano do seu heteromónimocoiso, desconhecendo que nada o podia preparar para as imagens e texto que lhe seriam mostradas.

Todos o conhecem, particularmente os mecânicos e donos de lojas da especialidade velocipédica.

Se hoje ele escrever, numa das suas mui celebradas publicações facebookianas, que pedalar com uma Beterraba inserida onde o Sol não brilha é melhor que EPO e não acusa nos testes anti-doping, amanhã pela mesma hora, a Bolsa lá na Rua da Parede (Wall Street, em cámone), entrará em colapso devido à brutal valorização das cotações das empresas produtoras de Beterraba, stocks esgotar-se-ão nos supermercados e será muito fácil reconhecer os Ciclistas mesmo que vestidos à civil – são aqueles que da noite para o dia, ganharam um andar esquisito. O mesmo aplica-se, por exemplo, a parafusos da marca XPTO, produzidos em carbono, daquele que é mesmo só carbono, 100% carbono, totalmente em carbono, full aero carbono. Se este moçe escrever que instalar parafusos desses no pedaleiro aumenta a eficiência do lactato da cadência do VO2 max, no dia seguinte, os mecânicos das lojas da especialidade velocipédica não terão mãos a medir para tanta encomenda e montagem.

Vitor Gamito, aclamado vencedor da Volta a Portugal no ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de dois mil, partilhava uma publicação onde esclarecia os mitos e benefícios de adquirir uma ebikecoisa.

Como o Velopata sabe que muitos dos seus milhares de milhões de seguidores não acompanham as publicações de alguém com tão pouca experiência e desconhecedor das agruras da vida velocipédica como Vitor Gamito, nunca esquecendo as sábias palavras da Drª Rute Remédios, “as opiniões são como as vaginas, quem as quer dar, dá”, o Velopata vai esmiuçar como quem esmiuça mesmo esta história das ebikecoisas tal como Vitor Gamito a publicou.

  • As ebikes são só para os velhos!

O Velopata é forçado a concordar com Vitor Gamito, nada podia estar mais errado.

Primeiro porque todos sabemos que as reformas estão pelas ruas da amargura e como as ebikecoisas têm de levar ainda mais crabone (termo carinhoso com que os velhotes apadrinham o carbono), que as Bicicletas a sério, apenas para conseguirem suportar o peso do vil motor, todos sabemos como termina esta equação – mais crabone, menos peso na carteira.

Segundo; os velhos já viveram primaveras suficientes para ganhar algum juízo, tendo percebido que esta vida da Velocipedia tem apenas um desfecho; dor, sofrimento, fome e que mais adjectivos miseráveis o mui querido leitor consiga engendrar, logo, não admira que encontremos poucos velhos a dedicarem-se à arte velocipédica. Como tal a última coisa que lhes passará pela cabeça é trocar aquele quadro em aço inoxidável e grupo Campagnolo de três velocidades que apodrece na varanda por uma ebikecoisa.

É firme convicção velopática que as ebikecoisas não se destinam ao mercado geriátrico mas sim a outros mercados como o dos fracos, os que não têm vergonha na face, os muito fracos, os possuidores de alguma maleita física impeditiva de desfrutar da Bicicleta na totalidade (se bem que o Velopata aqui é forçado a dar a manete à palmatória; é que ele até já viu alguns vídeos na internet de moçes que mesmo só com uma perna pedalam à campeões, não deixando dúvidas que até o Velopata seriam capazes de enxovalhar e sovar), os mesmo muito fracos e outros ainda mais fracos que isso.

  • Um grupo de amigos com andamentos muito diferentes.

Imaginem que no seio de um grupo de amigos, uns quantos há cujos andamentos e ritmos são muito abaixo dos restantes de modo a que os fracos e miseráveis começam a escapulir-se às pedaladas conjuntas porque não querem atrasar os restantes. Vitor Gamito propõe que para manter o bom espírito do grupo, estes desgraçados optem pela aquisição de ebikecoisas.

Já o Velopata propõe que a melhor maneira de manter a coesão velocipédica do grupo é bem mais simples e barata, assentando num ancestral e milenar método denominado…

Treinar mais.

  • Um casal onde um deles tem uma condição física pior.

Esta é uma razão apontada por Vitor Gamito que já levou o Velopata a dar voltas e mais voltas cerebrais, nunca chegando a entender… Então mas se um moçe já foge da respectiva para poder ter umas horas de descanso na companhia de seus comparsas a emborcar mins no tasco serrano sem o olhar reprovador da fêmea… Que razão poderia existir para a querer levar com ele?

  • Fazem-se mais quilómetros em menos tempo.

Outra que o Velopata não entende… Se queres mesmo fazer mais quilómetros em menos tempo, o Velopata lembra aquele que é o protocolo seguido por milhares de milhões de atletas ao longo dos muitos anos de história desportiva.

Intitula-se “treinar mais”.

  • Às vezes estamos cansados para forçar a pedalada.

Se estás cansado, não precisas de ir comprar uma ebikecoisa para continuar a pedalar.

Basta que faças o que já os antigos habitantes da Mesopotâmia praticavam tendo inclusivé inventado um nome todo pomposo para esta crucial actividade.

Chamavam-lhe “Descanso”.

  • Isso é batota!

Pois a última vez que o Velopata viu, os Giros, Tours e Vueltas ainda são praticados por atletas com Bicicletas a sério.

O que vão inventar a seguir; o eGiro, o eTour e a eVuelta?

Certamente que a inventarem semelhante parvoíce, Santo Bartali, Santo Coppi e Nosso Senhor Joaquim Agostinho estarão a assistir a tudo isto do Além Velocipédico, podendo fazer pouco mais que raivosamente espumar da boca, ante a gozação e chacota de que estão a ser alvo.

  • As ebikes são boas para brincar, principalmente nos trilhos.

Sabem o que também é muito agravável de brincar mas ninguém dedicou o seu tempo a criar revistas, magazines e periódicos sobre tal?

Os genitais.

Todos os que afirmam semelhante blasfémia parecem esquecer que a Bicicleta é um meio para um fim, seja ele atingir o nirvana velocipédico, o nirvana velocipédico ressabiado ou pura e simplesmente deslocar-se pelos seus próprios evoluídos meios do ponto A ao ponto B. É suposto suarem-se as estopinhas para chegar a este ou aquele cume, conseguir sobreviver a este ou aquele vendaval frontal e lateral.

Até porque necessitares da ajuda da EDP ou seja lá qual for o teu operador fornecedor de energia eléctrica, não tem nada de bonito, heróico ou ambientalmente consciente.

E o Velopata nem se vai alongar sobre as desastrosas consequências ambientais que as baterias para equipar as ebikecoisas poderão provocar. Vaiam ver o que se está a passar com as baterias dos telefones espertos que os ocidentais enviam para reciclagem na Índia e arredores…

  • As ebikes são o futuro.

Sabem o que é o futuro?

É durante uma das suas muitas pedaladas, o Velopata encontrar um pelotão de moçes moribundos que carregam suas ebikecoisas completa e totalmente arrebentados por alombarem com trinta quilogramas de Bicicleta ao empurrão serra acima, cleats dos sapatos de encaixe carcomidos de tanto footing sobre o alcatrão como castigo por se esquecerem de carregar suas baterias e horripilantes motores.

Então, orgulhosamente o Velopata vai poder dizer que é um Ciclista, macho viril da velha guarda e que infelizmente não os pode auxiliar pois desconhece o número do piquete da EDP.

Isto para não escrever sobre baterias que explodem, lutas entre praticantes do que deverá ser apelidado de eCiclismo (sinceramente…), na luta com a maralha dos enlatados eléctricos por lugares de parqueamento e carregamento de suas baterias, algo que certamente fará as delícias dos repórteres com brutais manchetes no Correio da Manhã.

Tudo isto porque há semelhança da comida gromet, do footing e restantes cópias absurdas do diccionário anglo-saxocamónico, ninguém se lembrou que uma ebikecoisa, atentando à definição de Bicicleta na língua de Camões que abre as hostilidades desta publicação, devia efectivamente chamar-se…

Mota com pedais.

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A primeira edição da eBike Magazine. A fulcral questão que se coloca é; se já existem várias publicações em papel dedicadas a veículos de duas rodas com horríficos motores, porque raios foi alguém inventar esta bodega? Porque não juntaram o inútil ao desagradável e estragavam um só espaço de prateleira, colocando as ebikecoisas como um suplemento das revistas das motas?

Abraços velocipédicos,

Velopata

 

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