Se algum dos mui habituais seguidores deste espaço velocibernético visse o Velopata, enquanto ele mais ou menos se sentia a rebolar pelos corredores do humilde estabelecimento de pernoita com uma só estrela, felizmente Michelin, jamais alguém acarditaria que ele era efectivamente o Velopata, esse mundialmente famoso Ciclista de compleição somali pontuado com anorexia nervosa, escassos minutos em antes de se lançar ao seu mais ambicioso registo strávico; calcorrear os setecentos e trinta e oito vírgula cinco quilómetros da Mítica Estrada Nacional 2 de uma só pedalada.
Como é, está no ir? – questionou o Agente da Autoridade Anónimo, já mais-que-preparado no interior do quarto triplo, notóriamente em pulgas para se lançar à épica demanda devendo, no entanto, o mui atento leitor notar que a menção a pulguedo não é sinónimo do corpo de AAA se encontrar pejado de membros da Ordem Siphonaptera e sim uma mera metáfora para aquela excitação urinária pré-aventureira.
Espera um pouco. – retorquiu o Velopata.
Sentes-te pior da gripe?
Não, olha-me só para isto.
O Velopata alevantou parte da sua t-shirt revelando o seu inchado (mas sempre bonito), abdómen mas, ao contrário das fêmeas vizinhas do Velopata que gritam que nem aquelas moças nos videoclips a preto e branco dos The Beatles sempre que a Srª Velopata se esquece da janela aberta findo o matinal duche velopático, AAA também aparentava vontade de gritar… Só que de horror.
Que pançada é essa pá?
É o efeito da alarvidade de croissants. Uma recomendação velopática… É melhor ires lá para fora – avisou o Velopata, enquanto apontou na direção da porta do quarto de dar banho – história vai ser feita nas canalizações deste hotel.
Depois de muito lastro deslargado, o Velopata pode então cumprir os seus complicados rituais pré-pedalada com todo o cuidado e cautela, não fossem os nervos pregar uma partida ao Velopata e ele terminar calçando o peúgo esquerdo em antes do direito, ou até o sapato de encaixe esquerdo em antes do direito.
(Nota velopatóide: apesar de não ser um moçe supersticiosofílíaco, o Velopata já aqui explicou a importância da ordem na qual peúgos e sapatos de encaixe são calçados, para além dos problemas que podem daí advir caso esta criteriosa ordem não seja respeitada.)
Finalmente equipado a rigor, que é como quem escreve, tudo a fazer pandã e referenciando os respectivos apoiantes velopáticos; bib shorts e jersey do Clube Desportivo Areias de São João (CDASJ), cycling cap do Germano BiciArte Café (Germano), e só a loja do Centro do Universo Velopático Conhecido, G-Ride, não levou nenhuma menção pois aquele equipamento já muito penou e um Velopata gosta demais das suas partes baixas; o Velopata dirigiu-se para o exterior, deixando para trás o quarto triplo onde o trio havia pernoitado, esperançoso que os donos de tão humilde estabelecimento conseguissem o contacto de um bom canalizador.
No parque de estancionamento da inigualável unidade hoteleira, o Velopata apresentava a Estrela Vermelha em todo o seu encarnado brilho e esplendor ao público chavense, enquanto AAA também ultimava pormenores na sua Cigarra, tendo o Velopata reparado mas nada dito, sobre o facto do Código Deontológico Velocipédico estar em escandalosa falha na que se diz nobre montada de um Agente da Autoridade que não olha a esforços para fazer cumprir a Lei – cada pneu da Cigarra provinha de uma nação diferente. Aquilo era sintomático de problemas que adviriam no decurso da travessia, no entanto, cada um sabe de si e da sua montada, tratando Nosso Senhor Joaquim Agostinho do resto, como tal, o Velopata optou por ficar calado.
Então agora é que está no ir? – questionou novamente AAA, um sorriso de orelha a orelha indicando entusiasmo em monte.
Sabes, ele acha que falta qualquer coisa. – retorquiu o Velopata.
Precisas de alguma coisa do carro, é? – questionou O Facho.
Não… Sabem… Ele acha mesmo que falta… Falta… Falta uma cafézada a sério e um cigarrinho final em antes da partida simbólica até ao quilómetro zero.
Mas ainda agora bebeste sei lá quantos baldes de café ao pequeno almoço?!?! – bradou O incrédulo Facho.
Outro cigarro?!?! – AAA também bradou como quem brada mesmo.
Aquela zurrapa escura proveniente de um pacote ou frasco não é a mesma coisa que um expresso bem tirado e ele irá agora passar muitas horas sem nenhum outro tipo de fumo nos pulmões que não o dos enlatados que com ele cruzem caminho, por isso, podeis fazer o obséquio e permitir-lhe essa última vontade?
Sabes… Começo a acreditar que O Facho tem razão e estás mesmo nervoso, sempre a tentar procastinar a partida ao máximo. – comentou AAA.
Achais que isto é procastinar como quem procastina mesmo?
Sim.
Pois achais mal. Isto é só um Velopata a dar aquela última golfada de ar em antes de um grande mergulho.
Se na vespertina viagem, os dotes de orientação de AAA já tinham deixado um Velopata apreensivo, o que dizer quando até para encontrar o quilómetro zero (foi seguida uma rota diferente do dia anterior de modo a um Velopata poder evitar o famigerado pavê em monte), o trio pedalou perdido por território chavense?
Para além de toda esta desorientação matinal, um grupo de Bêtetistas chavenses cruzou alcatrão com o dueto, no entanto, estes bravos moçes munidos das suas tuénináiners nem se dignaram a responder à saudação de bons dias que o excitado dueto lançou, deixando AAA visivelmente almariado;
Já viste isto? Nem ao bom dia responderam!
É normal pá. – defendeu o Velopata.
Como assim, normal? É uma questão de boa educação!
Pois mas já haveis imaginado a vida destes ciclistas? Uma vida sem doces, docinhos, doçaria conventual ou sobremesas para alimentar as suas necessidades açucaradas?
Pois, já me esquecia… É a cena da sobremesa com carne e presunto, não é?
Pois claro! Acháveis que serias um Ciclista simpático e bem disposto se a única fonte de precioso açúcar disponível fosse proveniente de barras e barrinhas e coiso energéticos? Que piada terá uma vida assim?
Vai na volta e é mesmo disso.
Duvidais da palavra do Velopata?
Claro que não, longe de mim duvidar da palavra d´Ele…
(Nota velopatóide: no próximo ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de dois mil e dezanove, aquando do ajuste de contas com a Mítica Estrada Nacional 2, o Velopata sériamente equaciona levar consigo jericans, resmas e paletes de Barquinhos, Dom Rodrigos, coisas com Alfarroba e outras iguarias açucaradas para, numa espécie de embaixador velocipédico da Sidul, distribuir bolaria gratuita pela populaça chavense, mostrando-lhes o quão feliz e colorida a vida pode ser.)
Sem mais considerações sobre esta bárbara região portuguesa onde a única vantagem será a de certamente existir uma menor proporção de diabéticofíliacos entre os nativos, o que resta do marco assinalando o quilómetro zero da Mítica Estrada Nacional 2, algures por entre os autocolantes de grupos de adeptos das duas rodas mas que ainda necessitam de primitivos e básicos motores de combustão para a sua propulsão, aparecia no horizonte.
E foi quando os relógios digitais de ambos os dois Garmin indicavam oito e quarenta e três horas da manhã de sábado, dia vinte de Outubro deste ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de dois mil e dezoito, que Velopata e o Agente da Autoridade Anónimo (de agora em diante será apenas referenciado como AAA pois escrever a totalidade do seu nome de guerra velocipédico é uma canseira), deram a primeira de muitas pedaladas em direção ao Pai, Mãe e todos os parentescos do que prometia ser o mais grande Empenão que o mui imaginativo leitor consiga lembrar.

No decorrer daqueles primeiros quilómetros da Mítica Estrada Nacional 2, o silêncio imperou no dueto, talvez fruto da magnificiência da paisagem mas muito provavelmente por ambos os dois se dedicarem a um momento introspectivo, o cérebro disparando sinais de alarme ante esta tamanha burrice de calcorrear setecentos e trinta e oito vírgula cinco quilómetros de uma só assentada, se encontrar efectivamente em curso.
É que até o ciclo menstrual de São Pedro parecia colaborar, não se encontrando naqueles dias xarengados, bafejando o dueto com uma amena brisa que repetidas vezes parecia soprar de costas, tornando as subidas menos duras e as descidas um mimo, exceptuando os travões que seriam os únicos a ter alguma razão de queixa. Mas o Velopata não vai aqui derreter-se em elogios a essa serigaita padroeira da metereologia pois como o mui interessado leitor verá, muitos quilómetros depois e o que não falta ao intrépido dueto são razões para aplicar umas quantas bordoadas com os cacetetes ao contrário no lombo dessa rameira do São Pedro. Só é mesmo infelicidade é que esses cacetetes, de acordo com indicações de AAA no dia anterior, já não se encontrem disponíveis no mercado, exceptuando em uma ou outra loja de velharias, que é como quem escreve, lojas vintage.
Chega o momento em que o Velopata podia extravasar toda a sua veia poética, arranhando teclas e escrevinhando aqui um infindável número de palavras caras e daquelas que obrigariam os mui incultos leitores a ter a seu lado um Dicionário de Portugês, versão Acordo Ortográfico corrigido e gluten-free, mas a verdade é que dificilmente ele faria jus à beleza com que a Mítica Estrada Nacional 2 presenteia os que nela se lançam. Como tal, resta uma única recomendação velopática – vaião fazer aquela estrada e segmentos strávicos que, palavra de Velopata, não se arrependerão.
A não ser que sejam detentores de relações velocipédicas mais indicadas ao ressabio, por exemplo, um pedaleiro 53-39 e uma cassete 11-25.
Ou gordos.
Nesse caso, preparem-se para sofrer que aquelas estradas são um parte-pernas sim, mas não como no quintal algarvio ao qual o Velopata se encontra mais que habituado. Aquilo são intermináveis subidas, algumas parecendo não ter fim, outras que até decerto foram desenhadas com o sofrimento velocipédico por antecipação em mente, na medida em que se vai subindo, subindo, subindo, vê-se o final ali ao alcance de só mais umas r.p.m. mas chegar lá que é bom… Parece que nunca mais. Mas que fure a última câmara de ar o Ciclista que não gosta da sua boa dose de sofrimento, esfrangalhamento de pernas e bofes de fora em modo pré-colapso cardiovascular.

Mantendo um ritmo sempre confortável, o dueto foi calcorreando quilómetro após quilómetro, deixando para trás muitas terras, terrinhas e terreolas de nomes, no mínimo, sui generis; Bóbeda (que diz o Google ser semelhante a uma abóboda, só que em popular e o Velopata não faz a mínima ideia que piada parva pode fazer com isto), Vilarinho das Paranheiras (quem seria este tal de Vilarinho? Alguém que se excedeu no fabrico de vergas para portas de fornos?), e até Oura, permitindo esta última a clássica piada velopática em como algures o dueto ter-se-ia equivocado no percurso e encontrando-se já a atingir o seu destino, uma vez que é senso comum que Oura é uma localidade algarvia conhecida por ser habitat migratório e veraneante de bifes, cámones e estrangeiros do norte do país.
Com a passagem por terras de águas gasocarbónicas, o Velopata é aqui forçado a abrir um parêntesis que poderá chocar os mui púdicos leitores e principalmente as mui sensíveis leitoras, equacionando estas clicar naquele botão de unfollow deste alucinado espaço velocibernético, matutando em porque razão terão sequer iniciado a leitura dos textos deste vosso companheiro, palhaço e amigo do duro circo que é a vida do pedal que afinal é… Um porcalhão.
Não será estranho para ninguém quando o Velopata escreve que os comportamentos de um pelotão de bichos humanos composto exclusivamente por machos enlicrados e um outro, composto apenas e só por fêmeas enlicradas, para além das óbvias diferenças ao nível do regalar da vista, sejam absolutamente díspares.
Agora o que é desconhecido para a maioria da população, tendo alguns teóricos da Sociologia de bicho humano debruçado inúmeras horas sobre este tema e inclusivé, publicado inúmeros sérios artigos científicos, é o comportamento adoptado por um pelotão de machos enlicrados de bichos humanos e que aparenta ser um sinal de confiança, respeito mútuo e partilha.
A flatulência descontrolada.
Tendo apenas partilhado uma única pedalada, a gloriosa e inacabada Cicloperegrinação, Velopata e AAA aproveitaram para extravasar todos os seus dotes gástricos, líricos e intestinais e se algum transeunte os ouvisse, certamente não teria dúvidas em como aquilo só poderia tratar-se de uma nova forma de doping graças aos óbvios ganhos ao nível do aero através da massa de ar que é empurrada para trás, auxiliando assim a propulsão.
Nunca esquecendo que o Velopata é uma espécie de vegetariano, cujas pestilências acarretam um qualquer extra je ne sais quois, por sorte, apenas O Facho seguia na roda do dueto, mas protegido pela vil chapa da Lata de Apoio Velopático, muito provavelmente não sentiu as fragâncias que o dueto emanava, qual torneio de imberbes juvenis de bicho humano para coroar o mais sonoro campeão dos tracks. Por se encontrar enclausurado e enlatado, O Facho não pode assim participar nesta sessão de bonding, termo patenteado pelos estudiosos cámones, ficando excluído da criação de laços e fortalecimento da amizade que Velopata e AAA experienciaram.
Quem também não terá sentido o aroma que o dueto libertava pelas belas paisagens do estrangeiro do norte do país terão sido os ressabiados rigorosamente enlicrados com as cores da Miranda-Mortágua que, ao ultrapassarem o dueto na última subida em antes de se atingir Vila Real, nada disseram.
Nem uma mísera saudação de bom dia, como um desaustinado AAA comentou;
Olha outros que nem bom dia dizem… Já viste isto?
É normal. Olhai para eles. Vão a ressabiar como quem ressabia mesmo. – apontou o Velopata.
Os moçes seguiam lançados, cinco ou seis licras vermelhas e brancas tentando descarregar-se até que apenas um pudesse ser coroado Rei do segmento strávico. No topo, o campeão ressabiado aguardava a trucidada chegada dos encarochados, e reagrupados voltavam para trás, descendo no sentido contrário para logo de seguida repetir a dose, ultrapassando o dueto em nova disputa carocheira.
Devem estar a fazer séries. – notou AAA.
Estilo hamster, não é? Sempre às voltas na rodinha?
Sim, séries é mais ou menos isso.
Sabes, uma vez o Velopata fez isso e todos os seus comparsas o apelidaram de louco e…
Uma máscula mas encarochada voz interrompeu a conversa do dueto – um dos descarregados da troupe, abandonado para trás em toda a sua miséria carocheira, optava por acompanhar Velopata e AAA, revelando que algures por entre os ressabiados da zona ainda há os que conhecem o significado de boa educação e que cumprimentar os restantes colegas de métier em nada faz perder a cadência do lactacto do mesociclo do aero.
Então a volta hoje é até onde? – questionou o Encarochado com notórias dificuldades, fruto do que seria certamente uma garganta dorida de tanta degustação carocheira.
Até Faro! – respondeu um entusiasmado Velopata.
Como assim Faro? No Algarve?
Não, Faro no Allgarve.
Hã?
Sim, Faro no Algarve, estamos a fazer a Nacional Dois. – interviu AAA.
Boa, boa. Em quantos dias? – questionou novamente o Encarochado.
De seguida. – retorquiu AAA.
De estalo! – reforçou o Velopata.
Seguiram-se uns momentos de silêncio onde o pobre Encarochado observou os sorrisos dos dois bonitos moçes heróis desta história, se por admiração e assombro ou pura e simplesmente por acarditar que aqueles eram dois raros autocolantes velocipédicos sem um pingo de amor próprio e bom senso, o Velopata não sabe.
(Nota velopatóide: este silencioso comportamento embasbacado revelou-se transversal a todos os que cruzaram caminho com Velopata e AAA nesta demanda, ficando sempre a questão acima exposta; seriam bravos e intrépidos aventureiros munidos de great balls of carbon ou só… Vá, idiotas?)
Finda a excruciante subida, sobre o promontório revelava-se uma vasta panorâmica sobre Vila Real e arredores, fotografia mental incapaz de deixar indiferente qualquer bicho humano especialmente privilegiado por a visualizar ao comando de uma Bicicleta mas, mais uma vez falta a um Velopata todo o palavreado técnico, poético e táctico que faça juz a toda aquela beleza. Recorrendo à descida como mote, o Encarochado notificou o bravo dueto;
Bem, vou acelerar para apanhar a minha malta. Façam boa viagem!
Obrigado! – retorquiram AAA e Velopata, no entanto, o moçe já não deve ter ouvisto nada do que ambos os dois disseram, lançado que já ia na vertiginosa descida.

Terminada a longa e sinuosa descida para Vila Real, nem um único sinal dos acelerados ressabiados mirandenses–mortaguenses no alcatrão, o Velopata notificou AAA das suas intenções;
Olha, agora dava-lhe jeito fazer uma paragem rápida! Por favor estai atento à existência de um tasco simpático.
Então, parar já?
Ele tem xixi.
Epá, precisas mesmo de parar num café para isso?
Acreditais mesmo que ele vai mostrar tamanho desrespeito para com a Mítica Estrada Nacional Dois, mictando nas suas bermas?
Okay, tens razão.
Além do mais, está na hora de tirar os pernitos e passá-los para a lata.
Confesso que também já tinha pensado nisso, está a ficar calor, não é?
Sim e não.
Hã?
Sim, está a ficar calor mas nem é por isso. Que outra razão pode existir para um moçe andar para aqui a cortar pedaços de bife do próprio corpo, se não para poder mostrar as pernas rijas e depiladas às fêmeas do estrangeiro do norte do país?

Com as bexigas várias litronas mais leves, cafeína embutida nos sistemas, pistons velocipédicos livres das amarras dos pernitos para gáudio das muitas cidadãs da ala geriátrica vila realense que entretidas praticavam a ancestral arte do corte e costura e diz-que-disse no interior do tasco, o trio lançou-se novamente ao alcatrão embrenhando-se na conhecida, nominada e demarcada e coiso região do Alto Douro Vinhateiro.
Durante muitos anos, infindáveis horas de soninho recuperador bom o Velopata perdeu, matutando como quem matuta mesmo em porque razão o Douro Vinhateiro é apelidado de Alto quando a existência de um Baixo Douro é desconhecida.
Hoje, ele não tem a mínima dúvida que esta zona terá certamente sido assim apelidada pelos Ciclistas dos imemoriais tempos das rodas quadradas; romanos, visigordos e afins.
É que deixando o Peso da Régua para trás, aquilo é sempre a subir em monte até ao Alto, nomeadamente o Alto de Bigorne, esse sim, um nome para terra, lugar, vilarejo ou coiso certeiramente escolhido pois a sensação que o corpo leva, findos aqueles vinte e oito vírgula nove quilómetros de subida a uma média de três por cento de inclinação (o Strava não é própriamente como o algodão e engana), é que efectivamente se levou com uma bigorna em cima. Os antigos nativos que o baptizaram, romanos certamente exímios nas artes velocipédicas, optaram pelo avequismo, recorrendo ao termo Bigorne pois é senso comum que na Velocipedia, a terminologia deve ser sempre em língua avec.
Ao longo das duas horas que esta agonizante subida levou a completar, devendo o Velopata notar que dispensa comentários da elite ressabiada criticando a média de quatroze vírgula sete quilómetros por hora registada no segmento strávico, a magnificiente paisagem tomou conta da conversa do dueto, ambos os dois enaltecendo as qualidades empreendedoras dos nativos bichos humanos, capazes de moldar montanhas e vales para a prática agrícola de produção de uveiras e vinhaça quando…
Um pipeline de vinho!
O Velopata só podia dar graças a Nosso Senhor Joaquim Agostinho por este pequeno recanto à beira mar mal plantado com eucaliptos em monte, ser apelidado pela estrangeirada lá de fora como um dos mais bem guardados segredos do mundo quiçá até da Europa. É que se os amaricanos e aquele presidente ressabiado de capachinho laranja sabem que por terras lusitanas também existem pipelines, escorrendo no interior destes um ouro tinto demais importante para a humanidade que o outro lá das arábias que nutre o opressor jugo enlatado, é certo que surgirá um novo tipo de terrorismo pela mão de um auto-proclamado Estado Vinhateiro, capaz de produzir bombas com decantadores e pipas, e lá se vai o descanso e sossego dos nativos vinhateiroenses.

Sabendo de antemão que AAA havia forrado a Lata de Apoio Velopático com um abusado número de utensílios, ferramentas e bugigangas velocipédicas suficientes para montar uma outra Bicicleta, faltando apenas só um quadro suplente para substituir a Cigarra caso alguma atroz maleita a acometesse, o Velopata berrou para O Facho enquanto este recolhia a foto acima partilhada;
Depressa! Vai às malas do Amílcar e traz a broca!
Hã? Mas desde quando o Amílcar tem ganzas nas malas? Os policiais não são sujeitos a periódicas análises ao sang…
Não é dessas brocas, é mesmo uma daquelas brocas de abrir buracos! – interrompeu um já sedento de tintol Velopata.
Ó Velopata, eu não trouxe nenhuma broca comigo. – notificou AAA.
Mas para que queres tu uma broca para abrir buracos? – berrou O inquisidor Facho.
Não haveis adquirido uns garrafões de água para salvaguardar o regime hídrico dos aventureiros nas horas de pedalada nocturna?
Sim, tenho ali dois garrafões de cinco litros.
É que assim jogáveis a água fora e com a broca abriam-se uns buracos no pipeline, podendo encher-se bidons e garrafões com o belo tintol para se brindar quando eles atingirem a sua meta em Faro!
Se a ideia do Velopata tinha tudo para resultar, AAA e O Facho pareceram discordar, remetendo-se a um momentâneo silêncio, imediatamente quebrado pelo som de primitivos roncares de básicos motores de combustão, seguindo-se uma horda de Famels, Zundaps, Sachs e Casal Boss descendo as encostas.
Os motoqueiros vintage apertaram suas buzinas, quais sanfonas do Demo, saudando e aplaudindo o intrépido dueto, levando AAA a exclamar;
Epá, isto é mesmo impressionante!
Realmente, vem esta maralha para aqui conspurcar este ar puro…
Não é isso.
Uai, então?
O poder do Velopata. Mesmo criticando como quem critica mesmo a barbárie enlatada, inclusivé as motas, eles não puderam deixar de o vir aplaudir e apoiar em mais uma das suas famosas aventuras.
Achais mesmo?
Não tenho dúvidas. É como aqueles sinais de fumo.
Uai, aquilo não são queimadas? – o Velopata perscutava o horizonte onde perdidos por entre os montanhosos socalcos, pequenas colunas de fumo se alevantavam.
Claro que não são queimadas! Aquilo são os milhares de milhões de fãs que fazem sinais de fumo entre si para assinalar a passagem da caravana velopática.
Sabeis que isto é um privilégio? – questionou o Velopata.
Que privilégio?
Poder pedalar em tão ilustre companhia como a do Agente da Autoridade Anónimo.
Recorrendo a mais uma sessão de flatulência descontrolada (o tal bonding dos cámones), o dueto reiterou confiança, camaradagem e amizade, indicando que esta é uma dupla que tem tudo para resultar quiçá deixar a sua marca nos anais da história velocipédica amadora portuga de fim de semana, ou até mesmo naquele sonho molhado da Transcontinental Race.
Sentindo o corpo esmagado por uma bigorna avec e tentando esquecer o facto de AAA e O Facho não quererem abastecer de vinho à pála, o que serviria como agente inibidor das dores que pudessem surgir no decurso da epopeia, no horizonte velopático materializou-se uma placa que remexeu com as entranhas velopáticas – a terra, lugar, vilarejo e coiso de Sande.
O cérebro velopático começou a trabalhar, projectando imagens de um belo papo-seco forrado de ambos os dois lados com manteiga e recheado com umas belas fatias de queijo, ingredientes provenientes de fêmeas bovinas tratadas com respeito, amor e carinho pelos respectivos latifundiários.
Sabeis que aquela placa está a dar ideias a um Velopata?
Já se comia qualquer coisa, não é? – concordou AAA.
Sim, podeis ver no Garmin qual é a civilização seguinte?
Lamego.
Ah! Ah! Ah! – o Velopata irrompia em sonoras gargalhadas que ecoavam nos vales vinhateiros – Epá, sinceramente… Quem é que chama a uma terra Labrego?
Lamego! A terra seguinte é Lamego!
Ah… Desculpai-o mas o vento a uivar pelos aero lóbulos não o deixa ouvir bem.

O Velopata já não escreveu inúmeras vezes que é um moçe com sorte?
Segundo indicações publicadas no Instagram velopático por Paulo Almeida, aventureiro do pedal e curador do blog nabicicleta, ao contrário de Chaves, Lamego é sobejamente reconhecido pela existência de doçaria tradicional livre de ingredientes bárbaros, sob a forma de um tal de Pastel de Lamego.
Ora o mui alarve leitor consegue adivinhar onde havia ocorrido a ruptura total de stock, não se encontrando um único Pastel de Lamego disponível?
Pois claro que… No tasco lamegoense onde o trio decidiu efectuar a segunda paragem da jornada.
Remediados com as suas próprias barrinhas energéticas, tendo o Velopata optado por uma das suas FlapJack adquiridas préviamente no Germano BiciArte Café (Germano), e cuja degustação é tão sofrível quanto subir o Malhão engatado na talega, não porque o sabor seja execrável (que não é), mas porque as dimensões da referida barra energética lembram as subidas anteriormente ultrapassadas – um moçe já tem o estômago entupido em amorfa massa calórica e a degustação da barra ainda só vai a meio, o dueto aproveitou ainda para a ingestão de líquidos açúcarados sob a forma de Colas, não só para providenciar aquele boost extra de açúcar, mas também para repôr os níveis de gás evidentemente necessários ao fortalecimento da camaradagem.
Ainda em Lamego, atingia-se um dos primeiros pontos nevrálgicos da jornada – o obrigatório telefonema às respectivas.
E foi aqui que todas as pré-concebidas ideias velopatóides sobre os Agentes da Autoridade cuja principal função é colaborar com elementos de claques desse desporto menor da bola, tóxicóindependentes e prevaricadores da ordem pública em geral, foram abaladas até às suas mais profundas fundações.
O Velopata fez um telefonema muito másculo, apenas vacilando na sua virilidade quando do outro lado da linha se fez ouvir a voz do Velopatazinho, ainda assim, conseguiu manter sempre a compostura alfa de um macho em diálogo com a sua respectiva fêmea nesse encavacado momento em que se encontra rodeado de outros machos.
Já AAA…
Por óbvios motivos (nomeadamente a envergadura de asa e tamanho de biceps de AAA), o Velopata não poderá aqui transcrever na íntegra tudo o que foi proferido, mas palavras como “fofinha”, “queriducha”, “amorzinho” e “minha alfacinhazinha” deixaram a atmosfera lameguense apinhada em lamechice e melosidade, mesmo à falta do excesso açúcarado do tal Pastel.
Findo o telefonema, o Velopata engrenava já um pesado carreto para fulminantemente gozar com toda aquela pieguice mas depois parou e pensou um pouco – seria toda aquela babosice a razão através da qual AAA conseguia o apoio da Srª Agente da Autoridade Anónima? Estaria a ausência de lamechice velopática a prejudicar o apoio da Sra Velopata a estas… Parvoíces (nas suas próprias palavras)?

À medida que Lamego desaparecia no gaseificado horizonte traseiro do trio, o Velopata tomava notas mentais sobre as dívidas que a Mítica Estrada Nacional 2 estava a acumular para com ele, sendo a degustação deste famoso Pastel de Lamego, algo que ele teria de saldar no próximo ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de dois mil e dezanove, aquando do seu regresso a esta alarvidade quilométrica.
Seguiram-se quilómetros calcorreados a confortável ritmo que lembraram o Velopata do seu querido quintal algarvio; as subidas já não eram excruciantemente longas e a estrada, até então irrepreensível, começava a ganhar contornos de região esquecida pelos governos centrais; inúmeras rachas com protuberantes raízes do arvoredo pontuadas com algum alcatrão que teimava em subsistir por entre as inúmeras e vastas crateras. As uveiras deram lugar a pinheiros e eucaliptos e também os até então respeitadores enlatados começaram a fazer das suas porque lá está… Os enlatados podem tardar mas não falham na sua habitual selvajaria e distorcida lei divina em como tudo isto foi inventado para seu único e exclusivo usufruto.
Serpenteando por pequenos montes e vales, a conversa do dueto fluía como quem flui mesmo, roçando inúmeros e importantes temas fracturantes e coiso da actualidade deste recanto à beira mar mal plantado; se a Ana Malhoa não merecia já o seu nome numa rua ou rotunda, se a Érica Fontes também não seria merecedora de uma estátua, até que várias placas com nomes de localidades captaram o olhar de falcão velopático;
Braços de Lá.
Braços de Cá.
Matança (como se chamarão os nativos desta localidade; Assassinos?).
Matancinha (uai, e estes? Serão os Assassinozinhos?).
Mas que raios de nomes para baptizar localidades seriam aqueles? Que distorcida lógica se esconderia ali por trás?
E foi então que surgiu a que se tornou já a localidade preferida do Velopata, reveladora das depravadas e rebarbadas mentes dos estrangeiros do norte do país – Colo do Pito.
É que Colo do Útero, o Velopata ainda entenderia, talvez o lugar fosse fundado e colonizado por algum migrante grupo de ginecologistas ou tal não passasse mesmo de uma homenagem a um célebre médico da especialidade vaginal… Agora Colo do Pito?
E ainda chamam o Velopata de rebarbado…
Ocupado que se encontrava o cérebro velopático com estas importantes questões, explicando a AAA que no dia da sua reforma (se alguma vez esse dia chegar, tendo em conta o deplorável estado da Segurança Social), ele imediatamente emigraria essa linda povoação, podendo assim dizer ao mundo que ele passaria o resto da sua vida no Colo do Pitio, ele (o Velopata), nem se deu conta que o Sentido de Velopata (aquele semelhante ao dO Incrível Homem-Aranha só que em carbono), disparava à medida que a roda dianteira da Estrela Vermelha pela primeira vez tocava aquele que será eternamente reconhecido como o mais execrável sector pavimentado alguma vez ultrapassado – o pavê de Castro Daire.
M-u-i-t-o-s d-o-s m–u–i c-a-s-s-i-c-ó-m-a-n-o-s l-e-i-t-o-r-e-s p-o-d-e-m p-e-n-s-a-r q-u-e t-u-d-o i-s-t-o n-ã-o p-a-s-s-a d-e f-a-l-t-a d-e t-é-c-n-i-c-a v-e-l-o-p-á-t-i-c-a, e-s-q-u-e-c-e-n-d-o q-u-e e-x-i-s-t-e u-m-a f-o-r-t-e r-a-z-ã-o p-a-r-a m-o-ç-e-s d-e c-o-m-p-l-e-i-ç-ã-o f-í-s-i-c-a e-t-í-o-p-e, c-o-m-o é o c-a-s-o d-e-s-t-e v-o-s-s-o c-o-m-p-a-n-h-e-i-r-o, p-a-l-h-a-ç-o e a-m-i-g-o d-o d-u-r-o c-i-r-c-o q-u-e é a d-a v-i-d-a d-o p-e-d-a-l d-i-s-p-e-n-s-a-r-e-m a p-a-r-t-i-c-i-p-a-ç-ã-o e-m p-r-o-v-a-s d-o e-s-t-i-l-o P-a-r-i-s-R-o-u-b-a-i-x.
E se o parágrafo acima escrito fez alguma confusão cerebral ao mui classicómano leitor, tal dever-se-á ao facto de desconhecer que é efectivamente isto que um Velopata sente a cada pedalada pavimentada; ele dá uma pedalada com as rodas em contacto com o marafado pavê e a pedalada seguinte é dada na atmosfera graças ao recuo gravitacional e coiso, as fibras carbónicas da Estrela Vermelha chocalham, as resinas chocalham, os bidons quase saltam de seus suportes, o Garmin Edge 820 Explorer na iminência de saltar para a valeta (não sem antes um comum enlatado o espezinhar), o cérebro velopático não consegue focar e manter uma trajectória constante e fixa revela-se tarefa impossível.
O Sentido de Velopata estava aos píncaros, ribombando quando o Velopata mais ou menos se conseguiu aperceber, por entre todo aquele chocalhanço, que a saída de Castro Daire consistiria numa longa e sinuosa descida pavimentada em monte, com a cereja no topo sendo o facto de a estrada não ser larga e os enlatados pulularem que nem loucos sempre com a sua pressa superior à dos outros.
Findo aquele marafado segmento, o Velopata forçou o trio a uma paragem, não só para verificar a integridade da pobre Estrela Vermelha mas principalmente para verificar o estado higiénico dos seus bib shorts tal a quantidade de cagaços com acrobáticas quedas que ele viu desenrolarem-se diante dos seus bonitos olhos castanho-esverdeados.
Por sorte, Estrela Vermelha continuava imaculada, já os bib shorts, com cento-e-muitos quilómetros pedalados encontravam-se… Erh… Uhm… Fiquemo-nos por assim-assim para dispensar pormenores sórdidos ao mui higiénico leitor.
Graças à maravilha tecnológica que é o Dente Azul, o sobrevivente Garmin Edge 820 Explorer notificava o Velopata que no seu telefone esperto, nada mais, nada menos que Professor Carochas, esse distribuidor carocheiro de eleição do grandioso clube strávico que é a Divisão Velopata, ligava, questionando por onde pedalaria a caravana velopática;
Eles estão mesmo a chegar a Viseu! – avisou o Velopata.
Quantos quilómetros bos faltam? – questionava Professor Carochas do outro lado da linha.
Aí uns quarenta.
Estão onde?
Saíram agora de Castro Daire.
Ui, então ainda bos faltam aí umas boas duas horas e meia até chegar a Biseu.
Duas horas e meia para quarenta quilómetros? Ó Professor Carochas, o ritmo deles é comedido e mais fraquinho mas também não é preciso gozar assim…
Tu já bais ber, tens aí umas duas subiditas que são um mimo, não é como aquelas rampitas que me mostraste lá nos algarves…
O Velopata sabe que Professor Carochas, nomes de guerra velocipédicos à parte, é efectivamente Professor de petizes, agora o que ele desconhece é a matéria por ele leccionada, no entanto, certamente não será Matemática, caso contrário, está aqui encontrada a explicação para um país que se diz tão rico, espectacular e coiso, encontrar-se sempre pelas europeias ruas da amargura e ter a simpática visita do FMI a cada x anos.
Verdade seja escrita, chamar duas subiditas a uma sucessão constante de parede atrás de parede parece ao Velopata um eufemismo velocipédico despropositado, tendo-se revelado opinião unânime entre o dueto, a razão de Professor Carochas ser um rijo fornecedor de carochas daquelas bem grandes, gordas e de difícil digestão – com um quintal deste calibre, o duo acabou dando graças por a troupe biseuense não ter aparecido para poderem visualizar, em primeiro plano, toda a sofrível miséria velocidade a que Velopata e AAA ultrapassaram aquele segmento strávico.
O Velopata tem de abrir aqui um novo parêntesis, especialmente dedicado a um simpático cidadão da ala geriátrica biseuense; finda uma das horripilantes paredes, o dueto descia a boa velocidade (a parte boa deste segmento é que tudo o que sobe, eventualmente tem de descer), quando um daqueles enlatados de uma tal de Mercedes, mesmo apercebendo-se da rápida aproximação do duo ao cruzamento, decidiu atirar-se para a sua frente quase dando por terminadas as aspirações velopáticas à fama, fortuna e glória que esta epopeia traria.
Por intervenção dos Santos Travões Dura-Ace (Cigarra), e Sram Red (Estrela Vermelha), Velopata e AAA evitaram a nova pintura traseira vermelho vivo na aventesma enlatada e acelerando para o acompanhar, o Velopata preparava já uma série de vaias, apupos e outros impropérios que não poderão ser aqui repetidos pois este quer-se um espaço adequado a menores de idade, mas o que ele viu no interior enlatado, deixou-o derreado e sem forças para protestar – um cidadão da ala geriátrica biseuense acompanhado por uma moça claramente uns sessenta (ou mais!), anos mais nova, envergando trajes daqueles que anteviam uma profissão duvidosa mas da qual ninguém tem dúvidas e provavelmente trazida de Ermesinde pois era boa, daquelas boas mas mesmo, mesmo boas.
Percebendo o quanto o ancião devia sentir-se ofuscado por lhe ter saído a sorte grande, talvez tenha sido um qualquer sentimento de empatia rebarbada que levou um Velopata a não protestar com tamanha manobra de asno.
Mais paredes, depois mais paredes e ainda umas quantas paredes, findas três horas de pedalada desaustinante, o dueto deixava para trás a placa que indicava a sua chegada a Biseu, tendo feito o rendez vous com Professor Carochas numa das muitas largas avenidas de duas faixas que parecem contornar a cidade, no entanto, ao contrário do medo que inspirava a chegada de Professor Carochas munido da sua Canyoncoiso, este fez-se acompanhar de uma ruidosa e primitiva lata a básico motor de combustão com duas rodas.
Mais ou menos respirando de alívio, tarefa sempre difícil quando Professor Carochas está por perto e principalmente porque venha ele de lata de duas rodas ou Bicicleta, sofre-se o mesmo para o acompanhar, o Velopata notificou-o da intenção do intrépido dueto;
Como é? Tudo bem? – berrou o Velopata, esperando fazer-se ouvir através do famigerado som do básico motor de combustão.
Comigo está tudo bem sim, agora com bocês… Especialmente com o maluco do teu amigo que conbenceste a participar contigo nesta maluqueira… Ele não parece bir nada bem…
Professor Carochas apontava na direção de AAA, que começava a perder terreno e a engolir uma ou outra carocha, cada vez que a estrada inclinava ligeiramente.
Pois, eles estão mesmo a precisar de dar ao serrote algo mais substancial. Podeis fazer o obséquio de guiá-los até ao Mac de Viseu?
Ao McDonald´s? Então mas não querem comida a sério? – indagou Professor Carochas como quem indaga mesmo.
Epá, eles querem-se despachar e necessitam de calorias à bruta.
Saindo da Mítica Estrada Nacional 2 pelo que pareceu uma eternidade, já o pseudo-estabelecimento de pseudo-comida aparecia no horizonte quando…
PING!
Uma enorme gota atingiu a protuberante aeropenca velopática, seguindo-se um dilúvio que faria Noé sair a correr para juntar madeira, comprar o Autocad, construir um estaleiro e a respectiva embarbação, por fim juntando um casal de cada animal habitante deste terceiro calhau a contar do Sol.
Fazendo tudo isto, Noé terminaria certamente encharcado até à medula dos seus ossos, já os destemidos heróis desta história, conseguiram evitar o aluvião que descia dos céus, chegando secos e esfomeados ao Mac biseuense.
AAA tratou de aviar-se imediatamente lá com o que quer que seja que a barbárie carnívora mais ou menos se alimenta neste tipo de estabelecimentos, já o Velopata, finda a tarefa de proteger a Estrela Vermelha do castigo divino que tinha lugar no exterior, aproveitou para recarregar pulmões de nicotina, verificando se a previsão para o ciclo menstrual de São Pedro se manteria naquele xarengado estado mas quanto a isso, o mui ávido de aventura leitor terá de esperar pelo capítulo final da saga velopática.
Tendo efectuado o seu pedido junto de um Colaborador nas caixas do pseudo-restaurante, o Velopata aguardava a chegada da sua pseudo-refeição com o estômago a roncar a uma verocidade tal que motivava o olhar dos curiosos transeuntes.
Depois, o Velopata esperou mais.
E esperou mais ainda.
Mas que raios? Aquilo não era um restaurante de fast-food? Que parte do fast os colaboradores não haviam entendido?
Com a demora velopática em se juntar a AAA que já matava o bicho na esplanada fechada, Professor Carochas decidiu juntar-se a este vosso companheiro, palhaço e amigo do duro circo que é a vida do pedal para averiguar porque razão se demorava;
Então mas oube lá, o que é que tu bais comer aqui?
Eles têm um menu que diz que é vegetariano, ele só não percebe é porque razão está a demorar tanto.
Sabes, eles debem estar lá fora a apanhar relva para fazer o teu hambúrguer.
Pois, deve ser isso.
Até porque aqui em Biseu não debe haber muita gente a pedir disso.
É provável, se até metem carne e presunto nas sobremesas…
Epá, por falar em sobremesas, tenho ali o que habias pedido.
Uai, o quê? Ele não disse várias vezes que não quer nenhuma carocha hoje?
Não é isso, essas já distribuí muitas hoje de manhã. Não tinhas pedido doçaria típica da zona? Pois então tenho ali Biriatos e Pastéis de Feijão.
Sério?!?! Muito obrigado! São certamente uma maravilha e servirão de óptima sobremesa!
Pois claro que são uma marabilha. O que não é uma marabilha é este tempo que estamos aqui à espera por causa desses pedidos esquisitos que tu fazes.
Findos aqueles quinze minutos que pareceram uma hora, o Velopata finalmente pode juntar-se a AAA e dar assim ao tão desejado serrote, deixando para o final o que se revelaram óptimas opções de sobremesa e doçaria regional do estrangeiro do norte do país – o Viriato e o Pastel de Feijão.

Por entre o lambão festival de alambazanço com produtos que lembram alimentos, a conversa entre o quarteto fluíu, tendo o Velopata descoberto que para além de ensinar Educação Visual (e o Velopata não se vai alongar aqui na ironia de ter um Professor de Educação Visual que vê mal), Professor Carochas é exímio na ancestral arte da motivação;
Quantos quilómetros bocês já têm? – questionou Professor Carochas.
Cento e setenta e um vírgula seis quilómetros cumpridos em nove horas e cinco minutos. – retorquiu o Velopata.
Então ainda bos falta muito… Sabes, eu acho que bocês não vão conseguir.
Como?!?!? – AAA quase se engasgava com um pedaço de cadáver bovino em versão mixórdia gourmet quase liquefeita.
Uai, com´é quié?!?! – também o Velopata quase se engasgava mas não de forma tão bárbara, com uma mixórdia à base de quinoa que não urra de dor enquanto é morta, atravancada na sua garganta.
Sim, bocês não treinam assim tanto e não me parece que tenham endurance para isto. Além de que escolheram mal a época do ano…
Obrigado pelas palavras de motivação! – retorquiram Velopata e AAA em uníssono.
Não fosse aquele Viritato e o Pastel de Feijão serem realmente doçaria com um sabor de outro universo e a coisa poderia facilmente azedar por ali.
Epá, eu falo por mim, se sobreviver até Abrantes já ninguém me tira de cima da Cigarra até Faro! – explicou AAA.
Semos dois! – reforçou ainda o Velopata enquanto sentia a moca açúcarada tomar conta de si – bem, como a ideia não é fazer aqui serão, que tal carregar-se na cafézada, ele fuma mais uma cigarrada e fazem-se à estrada?
Boa sorte! Espero que consigam chegar ao fim. – pontuou Professor Carochas.
E foi assim que com quinhentos e sessenta e seis quilómetros ainda por pedalar o dueto se despediu de Professor Carochas e deixou terras biseuenses para trás, agora mais que motivados na esperança de poder fazer Professor Carochas provar do seu próprio remédio, engolindo o que só poderá ser descrito como uma carocha psicológica (já que no alcatrão parece ser impossível).
Só havia um problema.
Os relâmpagos que se viam no horizonte montanhoso, agora que o dilúvio de proporções bíblicas parecia ter chegado a uma pausa momentânea.
Abraços velocipédicos,
Velopata
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