O Arco do Triunfo Velopático.
O relógio digital do Garmin Edge Explorer 830 indicava dez horas e quarenta e cinco minutos da manhã de domingo, dia três do mês de Junho do ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de 2018, quando se materializou no horizonte velopático aquele que ele apenas pode reconhecer como uma versão historicamente menos sucedida da ponte romana, aqueduto, águas furtadas ou lá o que é aquilo nos Campos Elíseos na França, só que numa versão torre vedroense, o que só significa que sendo portuguesa, o seu estado de conservação era tão deplorável que Velopata e o Agente da Autoridade Anónimo a deixaram para trás com a notória sensação que uma mudança engrenada nas suas nobres montadas de um modo mais sonoro e aquela coisa desabaria sobre seus capacetes.
Ao contrário do Arco celebrado pelos avecs, este que parecia um típico monumento português podia apenas tratar-se daquilo que a malta das artes e culturas contemporâneas apelidam de Instalação. Até porque aquela gigantesca assinatura em arte graffiti que se destacava numa das paredes para isso apontava, sendo o nome do criador um tal de “Chupamos”, artista plástico que o Velopata acredita já ter ouvisto outros dos seus trabalhos espalhados por inúmeras outras paredes deste pequeno recanto à beira mar mal plantado.

Sobrevivendo à passagem por aquele desconsolado monumento, uma placa indicava que Velopata, AAA e O Facho finalmente atingiam a Cidade Santa da Velocipedia, Torres Vedras, findos 344 quilómetros pedalados em aproximadamente 18 horas (excepto AAA, cuja quilometragem embutida nas pernas, apesar de menor, em nada era menos honrosa e infelizmente o Velopata já não consegue precisar quantos quilómetros ele tinha percorrido, fundamentalmente devido a questões de P.D.I.).
Até São Pedro pareceu ter ficado sentida com a passagem do dueto pelo Arco do Triunfo Velopático, cessando a teimosa chuva e reduzindo a intensidade da nortada que já muito estrago nas pernas velopáticas havia provocado.
Capítulo X
Uma Faca de Dois Legumes
É o sentimento que o Velopata nutre por Torres Vedras; parafraseando o grande Mister da bola e bordoada Jaime Pacheco – Torres Vedras foi tipo uma faca de dois legumes.
Mas vamos por partes para não queimar etapas; que isto não é a octagésima Volta a Portugal (a deste ano), onde a organização acreditou que atravessar o Alentejo com temperaturas ambientes no intervalo de desnaturação do DNA humano, é menos mau e muito mais prazeroso que subir à Torre, assim arruinando a etapa das etapas a todos os que esperavam ver distribuição carocheira à grande e à avec no mui estimado pelotão nacional.
De todo as estradas torre vedrenses pareciam más, os enlatados com quem o Velopata cruzou a pedalada também se portaram mais ou menos dentro dos limites do aceitável, aqui e acolá, um ou outro cruzamento inspirou mais cuidados pois já se sabe que todo o enlatado aparenta sofrer de algum tipo de miopia no que aos velocípedes respeita quando…
“Olha ali!” – questionou AAA apontando para uma zona do passeio, perdida por entre muita lata estancionada.
“O quê?” – o Velopata nada via para além de muitas caixas de fósforos ladeadas por passeios atulhados em enlatados.
“As Agostinhas!” – berrou novamente AAA.
Como bom macho viril que é, aquela fugaz menção a fêmeas fez o Velopata desviar o olhar do alcatrão na direção do passeio. Homicidas enlatados e crateras não mais importavam, pois já que o Velopata andava por ali com a intenção de galgar setecentos quilómetros de uma assentada, mais valia aproveitar e lavar a vista com umas fêmeas boas, daquelas boas mas mesmo, mesmo boas.
O problema é que afinal as Agostinhas não eram um ajuntamento de gaijas vestidas de apertadas licras ou até uniformes qual cheerleaders amaricanas prontas a receber e brindar com muitos mimos os Cicloperegrinos que sobreviviam até à Cidade Santa.
As Agostinhas eram mesmo… Bicicletas.
Bicicletas de Cidade, conhecidas na terminologia velocipédica técnico-táctica como Pasteleiras, disponíveis para qualquer cidadão torre vedrense que as quisesse utilizar.

“Isto das Agostinhas é muito giro, só tem um problema!” – notou o Velopata.
“Então?”
“Desde que se chegou a Torres, já viste alguém a pedalar numa?”
“Epá, não sejas assim. É domingo e está mau tempo, chuva e vento!” – tentou AAA justificar a injustificável atitude dos habitantes de Meca Velocipédica.
“Estais esquecendo uma regra muito importante.” – atacou o Velopata.
“Qual?”
“Não existe mau tempo, só mau equipamento.”
“Ai é? Quando chegámos à Ponte de Vila Franca de Xira e praguejavas a cada pedalada, não me pareceu que o teu problema fosse mau equipamento…”
Se o Velopata anteriormente atacava em cadência froomiana, com aquela sagaz resposta AAA tinha mostrado que era bem capaz de se manter na roda e quiçá até contratacar.
E foi então que o dueto viu algo que lançou o silêncio sobre a discussão deontológica.
Os registos strávicos indicam que se trata do segmento comunemente conhecido como Bairro das Alminhas.
0,73 Km, 130 metros de acumulado, 18%.
A palavra a reter é Alminhas.
Uma desaustinada e serpenteante subida por entre muitas caixas de fósforos ladeadas por estancionamentos apinhados em latas, apimentada por passadeiras elevadas em relação ao alcatrão e… Em pavê, pois claro.
A cada meia dúzia de metros, lá surgia mais uma daquelas inimigas das viris partes, fazendo saltar e gemer até as mais ínfimas fibras carbonatadas da Estrela Vermelha.
Findo aquele excruciante segmento onde Velopata e AAA súaram as alminhas (boa escolha de nomenclatura a quem baptizou o segmento strávico), seguia-se o que só pode ser descrito como a cereja no topo do bolo.
Tudo igual, só que a descer.
Com a vantagem velopática do alcatrão estar ensopado.
E ele já referiu as passadeiras de pavê que eram em monte?
Com o cérebro ainda a badalar de tanta violência pavimentada e as partes baixas quase transformadas em quétechupe, o trio chegava ao que parecia ser a longa avenida exterior que delimita Torres Vedras e voltando a conseguir focar a visão, o Velopata observou que no horizonte se erguia a portentosa estátua de Sua Alta Santidade Nosso Senhor Joaquim Agostinho.
E umas quantas passadeiras do demo depois, o trio Velopata, Agente da Autoridade Anónimo e O Facho, cumpriam a primeira parte de seu destino.
Mas a dúvida toldou a mente velopatóide pelo primeiro sério momento de toda a Cicloperegrinação; uma moínha alevanta-se no joelho direito, em tudo semelhante à que ele experienciou no fim de semana em antes da Cicloperegrinação.
E ainda o pelotão ia no adro.
Capítulo XI
Mini Sagans
Foi difícil para um Velopata parar de admirar a estátua representativa de Sua Santidade Joaquim Agostinho – com inúmeros lindos pormenores fiéis aos detalhes da época, dir-se-ia engravada numa lateralmente rígida liga que combinava Carbono de alto módulo, Titânio e Alumínio daquele da Cannondale, fabricada pelos Elfos da Terra Média – pormenores como o bidon encontrar-se soldado ao suporte, não fosse o tal artista Chupamos ter ideias de o roubar, faziam as delícias de um Velopata.
Até que o som de cubos de rodas traseiras em monte soou à esquerda do Velopata.
E o que ele viu, mais não pode ser interpretado se não um óbvio sinal que Sua Santidade Joaquim Agostinho fazia descer do Olimpo Velocipédico – uma bonita visão do futuro.
Era catraios e catraias, moçes e moças em monte, todas as idades formas e feitios (um ou outro puto gordo que o Velopata viu e que muita larica terá de passar se almeja dedicar-se ao mais nobre dos desportos), organizados num lindo e multicolorido pelotão versão Escoteiro Mirim, só ficou mesmo a faltar a publicidade a enchidos vegetarianos mas um Velopata não pode querer tudo para si. Até porque encontrava-se por lá uma jersey que a depender do Velopata, ele ter-se-ia dirigido imediatamente à Segurança Social para apresentar queixa daqueles progenitores e patrocinadores; um petiz equipado de jersey com referências a standers de enlatados!
O Velopata até cuspiu três vezes na direção do vento para afastar aquele mal.
Afastar o mal e libertar o alcatrão acumulado dos pulmões porque o vício de fumar é só… Chamemos-lhe estúpido.
Alheios a tudo isto, moçes e moças davam-lhe forte e feio nas manobras.
Se o Velopata tentasse metade daquelas manobras? Estariam apenas a dar trabalho aos Senhores da Câmara Municipal de Torres Vedras, raspando o bonito cadáver velopatóide do alcatrão, a Estrela Vermelha irremediavelmente partida, algures no ermo.
Moçes e moças não tinham medo de fazer nada montados em suas Bicicletas.
Com pedais de encaixe.
Apanhavam bidons do chão a sacar cavalinhos.
Apanhavam bidons das mãos dos soigneurs enquanto sacavam éguas.
Executavam Flip Flops perfeitos enquanto malhavam Inside Out Offshore à régua e esquadro.
E um Velopata não pode deixar de pensar numa só imagem, aquele que era o mais importante sinal que Sua Santidade Joaquim Agostinho lhe estava claramente a fazer chegar.
O Velopatazinho.
A encarochar aqueles putos todos.
Capítulo XII
O padrão
“FOI O MÁIOR PÁ!”
Primeiro o Dono da Bomba de Gasolina, depois o Esfregona, mas faltava ainda uma última personagem cuja voz interrompia solenemente a sessão de fotografias e baba velopática ante uma obra de arte digna de Panteão Nacional.
Um Panteão Nacional sério, não como o outro onde se organizam jantaradas para os estrangeiros lá de fora e se enterrou gente que mais de metade da populaça portuguesa não sabe quem são ou o que obras fizeram. Porque não um Panteão Nacional sério e com nomes como Érica Fontes ou aquela sua nova colega que em tantas películas tem levado o nome de Portugal mais long… Mais fundo, Susana Melo? E o Éder? E o Manuel Luís Goucha ou a Cristina Ferreira?
Levar para o Panteão Nacional estas figuras de renome da sociedade portuguesa faria alevantar o orgulho nacional a níveis nunca antes ouvistos.
Isso e meter lá um restaurante de junk food até porque já se sabe que nesses jantares de gala com toda a pompa e circunstância da estrangeirada lá de fora não se come nada de jeito; aquilo é tudo gromet e um moço sai da lá com mais fome que quando entrou.

Há aqui um padrão.
Em todas as viagens velopáticas, as paragens mais longas revelam-se sinónimos de personagens que com o Velopata cruzam uma certa… Pedalada.
Escreve-se sobre Gatunos Pá.
O Gatunos Pá entrou em cena com vários gritos e urros de “FOI O MAIOR PÁ!”, alternando com muitos “E JÁ NÃO SE FAZEM COMO NO TEMPO DELE!” variando com outros “FOI O MAIOR PÁ!”, rematando com “ISTO HOJE É TUDO UMA CAMBADA DE DROGADOS PÁ!”, finalizando com “CAMBADA DE GATUNOS PÁ!”, não sem antes e depois ainda deslargar mais uns uivantes “FOI O MAIOR PÁ!”.
É óbvio que captou a atenção do trio; Velopata, Agente Anónimo da Autoridade e o agora transformado em fotógrafo residente O Facho.
Se Gatunos Pá seria de algum rocambolesco modo associado ou familiarmente relaccionado com Esfregona, o Velopata não chegou a entender, mas certo é que ambos navegaram ligeiramente demais na mesma maionese, ainda por cima daquela que já nem sabíamos ter no frigorífico, finda a validade há uns bons meses atrás.
Por entre os muitos “FOI O MAIOR PÁ!” que continuaram, sempre a fazer-se ouvir sobre toda a praça qual excitado pregador de uma variante de I.U.R.D., Gatunos Pá lançou-se num frenesim de escárnio e maldizer, informando o trio dos seus notórios sentimentos antagónicos em relação à família de Nosso Senhor Joaquim Agostinho; Sua mulher, Seu pai, Seu irmão, Seu tio, Seu sobrinho e até Seu bisneto que ainda não nasceu.
Vilipendiando como quem vilipendeia mesmo, aquilo só tinha tendência a piorar ao longo de toda a árvore genealógica de Joaquim Agostinho & Associados – a conclusão de todo aquele devaneio, sempre apadrinhada com uns quantos “FOI O MAIOR PÁ!”, terminava sempre com “CAMBADA DE GATUNOS PÁ!”.
Parece que em vida, todos os que rodeavam a encarnação terrena de Sua Santidade Joaquim Agostinho, O tentaram roubar.
E Gatunos Pá sem papas na língua, sempre a aviar cartucho.
E continuando a navegar como quem navega mesmo, o achincalhar seguia agora pela sua própria árvore genealógica. Gatunos Pá não ia dar tréguas.
Toda a sua genealogia, antepassados e os que ainda vão chegar.
Tudo e todos.
Tudo e todos não passavam de uma cambada de gatunos.
Percebendo as horas que ali se poderiam perder acompanhando o devaneio genealógico de Gatunos Pá, que pelo meio da sua navegação maionésica ainda colocou uma ou outra questão ao trio, o registo strávico indicava uma última dificuldade em antes de visitar Silveira e o Santo Sepulcro, para depois se separar de AAA.
E assim o trio deixou Torres Vedras e Gatunos Pá para trás.
Ou pensavam eles.
Capítulo XIII
O Passeio dos Tristes – parte II
O segmento strávico solenemente baptizado de Rotunda Torres – Rotunda Casa Joaquim Agostinho indica 7,37 quilómetros.
Que mais não foram que a segunda parte do anterior Passeio dos Tristes.
Uma almariada subida seguida de uns planos onde a selvajaria enlatada voltou a vibrar, roncando com seus primitvos motores e modus operandi neandertalis ao rubro.
De vislumbre, até porque no alcatrão português a ancestral lei um olho no burro e outro no cigano não funciona, a correta maneira de abordar será ambos os dois olhos no burro enlatado, o Velopata conseguiu ler a placa que indicava passarem pela localidade/lugar/aldeia/vila/vilarejo/coiso de Ponte de Rol.
Que o Velopata reconhece da sua infância, por algum antepassado seu que o P.D.I. já não permite recordar, ser um Ponte de Rolense.
Ele recorda-se de em petiz, inúmeras vezes ter lá passado fins de semana com a família materna, um velho casarão com algumas hortas em volta, mas a principal atração era o facto de todas as parcas casas que por lá existiam, serem habitadas única e exclusivamente por primos do Velopata.
Aquilo era tudo primo, porta sim, porta sim. Homens, mulheres, moçes e moças. Tudo primo do Velopata.
Mesmo nessa tenra idade, um Velopata já era dado às ciências e biologias, e sendo um exímio conhecedor das Leis da Hereditariedade de Mendel, inúmeras vezes ele se questionou como era possível aquilo ser tudo seu primo.
Queres ver que afinal o Velopata é um moço de descendência a roçar o redneck qual filme de horror do esquecido interior amaricano?
Mas mais importante; sendo tudo primo… Onde estariam aqueles que… Enfim… Como escrever isto sem parecer um bárbaro e mantendo o politicamente correto… Onde estariam aqueles primos que se babavam anormalmente muito?
Estaria Mendel errado?
Com razias e mais razias, depois razias seguidas de umas quantas razias, a atenção velopática regressava novamente à estrada pois o trio passava a placa indicadora de Silveira onde AAA se redimiu dos seus dotes de orientação, guiando rapidamente o trio para o Cemitério de Silveira, algo que o Velopata já não via novamente a hora pois a ladaínha do joelho direito velopático continuava a moagem como quem mói mesmo.
Capítulo XIV
O Santo Sepulcro
Por sorte, aos domingos o Cemitério de Silveira só fecha às onze horas e trinta minutos da manhã.
Se ao final da manhã e durante a tarde de um genérico domingo vos apetecer prestar uma homenagem a um ente falecido no sítio para o qual tiveram de pagar para lá o deitar no seu repouso final, lembrem-se que não o poderão fazer porque está fechado.
O que faz bastante sentido.
Labutando contra elementos e tormentas enviadas pelo demo metereológico e enlatado, Velopata, AAA e O Facho conseguiram chegar a tempo de prestar a sentida homenagem à última encarnação terrena de Sua Santidade Nosso Senhor Joaquim Agostinho.
Porque o Velopata já disse e escreveu muitas vezes que é como Gandalf, O Cinzento, ele encontrava-se às portas do Cemitério de Silveira pelas onze horas e vinte e cinco minutos. Mas uma vez que a história decorre em Portugal e cumprir horários que é de sociedade evoluída é bom, ninguém apareceu para correr com a cicloperegrina troupe do cemitério.
Seguem as fotos que valem mais que mil palavras e coiso.
Capítulo XV
Despedidas Oleadas
Às portas do Cemitério de Silveira, ainda ébrios de tanta homenagem, Velopata e Agente da Autoridade Anónimo trocaram despedidas e votos de boa viagem tendo ambos os dois percebido que a pedalada decorrida poderia muito bem ter sido o início de algo muito bonito.
(Nota velopática: quando o Velopata escreve o início de algo bonito, o que ele realmente quer escrever é algo velocipédicamente muito bonito, não vá o mui querido leitor hómosexualofilíaco ficar com erróneas ideias.)
E com um enorme sentimento de gratidão e coiso, Velopata e O Facho viram o Agente da Autoridade Anónimo desaparecer no horizonte tal como um pastor de vacas amaricano (Cowboy, em cámone), nos filmes das cóbóiadas do esparguete do Sérgio Leone, com a notória diferença que AAA não se munia de uma M-16 no coldre.
“Com´é? Seguimos para almoçar em Torres?” – questionou O Facho.
“Ai.”
“O que é que foi?”
“Ai.” – insistiu o Velopata.
“Então, o que é que te dói?”
“Dói-lhe o joelho direito. Horrores.”
“Mas ainda há bocado vinhas lá atrás a puxar feito bruto na subida!”
“Isso era para não dar parte de fraco. Um Velopata tem uma reputação a manter e…”
“Bem… Aguentas até Torres? Estou esganado.”
“Ele também já tem o estômago meio enraivecido sim, siga. Já se vê como reage o joelho à pausa.”
Com a passagem por uma terceira variante do Passeio dos Tristes só que em sentido contrário, novamente o Velopata deu por si acometido daquela sensação nostálgica ao passar por Ponte de Rol; uma mescla de ervilhas com primos adultos vestindo fraldas enquanto se babam.
O Velopata não via a hora de poder descansar aquele joelho direito para além de também poder descansar suas partes másculas que começavam a acusar tanta intensidade, bafejando tudo com um manjar de comida a sério.
“Ele disse comida a sério!” – bradou um Velopata no exterior do McDonald´s.
“Não são os teus amigos ultraciclin… Ultraciquelingue…”
“Ultraciclistas.”
“Esses coiso que dizem que é necessário calorias em monte?” – retorquiu O Facho.
“Sim.”
“Não temos o dia todo certo?”
“Certo.”
“Então é para enfardar e despachar.”
“Pois…”
E o Velopata lá foi ao McDonald´s carregar as mandíbulas no menu vegetariano, versão Large e XXL e Extra Large, em tais quantidades que um cidadão comum até um enfarte do miocárdio teria se assimilasse tudo aquilo que o Velopata ali ingeriu de uma assentada.
A besta interior velopática vinha voraz.
“Epá, tem de se fazer mais uma paragem em antes de se arrancar para baixo.” – informou um já mais ou menos recomposto de défice nutricional Velopata, afinal de contas, ele acabava de se alimentar com produtos que parecem comida e não comida a sério.
“Diz lá.”
“Ele viu lá atrás um cartaz da Decathlon aqui em Torres. Sabes, a corrente já vem a fazer aquele srack-srack-srack.”
“Aquele quê?”
“Srack-srack-srack.”
“Como?”
“Srack-sra… A corrente está sem óleo.”
“Ah! Não trouxeste?”
“Ele não contava com tanta chuva. E é asno.” – um Velopata a constatar o óbvio.
“Sabes onde é?”
“Não, mas olha, ele pergunta ali naquela mesa.”
Dois adolescentes em estádios iniciais de desenvolvimento mitra observaram o Velopata, ficando a questão se aqueles olhares vítreos seriam fruto de moca açucarada ou inalada, quando ele os questionou;
“Por obséquio, poderíeis indicar onde se localiza a Decathlon de Torres Vedras?”
“Hã?” – questionaram em uníssono.
“Se poderíeis ter a cortesia de indicar o itinerário alcatroado para a Decathlon de Torres Vedras?” – insistiu o Velopata.
“A Decathlon o quê?” – questionaram novamente ambos os dois projectos larvares mitrosos, claramente versados na língua portuguesa.
“Props man, tipo lol, vocês sabem o caminho para ´tás a ver a in da house da Decathlon cheia da pausa lol e props?” – o Velopata tentou abordar a juventude mitra no seu próprio dialecto.
“Ah! O caminho para a Decathlon?”
“Sim.”
“É daqui?” – questionaram.
A resposta óbvia a esta metafísica questão, se um Velopata seria dali, poderia perfeitamente fazer todo o sentido do mundo incluíndo o canabinóico… Se o Velopata não estivesse equipado de Ciclista.
“Sim, ele é daqui, é Ciclista e nunca foi à Decathlon.” – a resposta vibrava sarcásticamente na ponta da língua velopática. Jogando pelo seguro, o Velopata optou por outra resposta, afinal tratavam-se de dois projectos larvares de mitras que poderiam ter amigos ainda mais xungas espalhados pelas redondezas e é de frisar que AAA já não estava por perto;
“Não, ele não é daqui.”
“Epá, não é muito fácil…” – disse o Teen Mitra 1.
“Conhece a Rua Alves Dgeivknjn Tdfmkvdnfkn?” – o Teen Mitra 2 ainda nem voz de macho adulto tinha, ainda atravessando aquela mudança de idade que vem junto com a contagem de telhas, mas já mostrava a sua sagacidade com ruas de nomes impronunciáveis aos ouvidos do Velopata.
“Rua Alves quê?” – questionou o Velopata.
“Olhe, faça assim…”
Dez minutos depois de um frenesim de indicações que acometeu o Teen Mitra 1e o Velopata regressou para junto dO Facho, tão ou mais conhecedor do percurso para a Decathlon como quando se tinha inicialmente dirigido a ambos os dois mitras.
“Já sabes onde é?” – inquiriu O Facho.
“Ele acha que não.”
“Já tenho aqui no GPS. Vem atrás de mim.”
“Certo, mas tens de ir com calminha.”
“Como assim?”
“O joelho não está a dar tréguas.”
Tendo em conta que O Facho não é exactamente o mais ágil dos utilizadores de tecnologias de localização geográfica, o facto de apenas uma só vez se terem enganado no percurso e regressado atrás em antes de encontrar a Decathlon, é de louvar.
Muitos por esse mundo internético criticam a hospitalidade algarvia.
O que dizer então da hospitalidade das gentes do estrangeiro do norte?
Velopata e Estrela Vermelha entraram pela Decathlon procurando a secção que ele conhece existir em todas as Decathlon do Centro do Universo Velopático Conhecido – a Oficina de Bicicletas.
Um Segurança, vendo entrar por uma loja de desporto uma pessoa naquelas tristes indumentárias e figuras desportivas, avançou de imediato para barrar a passagem ao Velopata;
“Posso ajudá-lo?”
“Boa tarde para si também e muito obrigado, pode sim.”
“Diga lá.”
“Tem aí alguém da oficina das Bicicletas que possa chamar?”
“Não temos cá oficina de bicicletas nenhuma.”
E o filme vai abaixo.
Não é que o Segurança fosse exatamente transparente, mas atrás dele o Velopata juraria ver uma enorme parede forrada de componentes velocipédicos, um tripé para pendurar e operar Bicicletas, um balcão forrado de ferramentas e ainda mais componentes velocipédicos. Tudo cheio de óleo e lama em monte, mas não à porcalhão porque todo o sítio transpirava a profissionalismo a lidar com Bicicletas (nota velopatóide: de modo algum o Velopata é patrocinado pela B´Twin da Decathlon, mas não é que ele se importasse com isso pois já muita baba ele fez correr por alguns maquinões que raras vezes aparecem pela loja farense).
Se aquilo não era uma Oficina de Bicicletas, algo de muito errado se passava no Universo.
“Pode fazer o obséquio de chamar alguém aqui desta secção?” – o Velopata apontou na direção do que parecia ser efectivamente uma Oficina de Bicicletas, qualquer que fosse o Multiverso.
“Fazer o quê?” – de sobrolho franzido, percebia-se que à semelhança dos mitras, também o Segurança era moço versado na língua de Camões.
“Fazer o favor de chamar alguém desta secção.”
“Isso posso fazer mas não garanto que lhe vão ajudar.”
Um exemplo da hospitalidade, amabilidade, cortesia profissional e coiso dos estrangeiros do norte do país, no entanto, o Velopata prefere ver a coisa pelo lado positivo – este podia muito bem ser um Segurança ao estilo Urban Beach e nesse caso, este vosso companheiro Cicloperegrino só à hora desta publicação devia estar a ser avaliado pelos médicos da Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital de Torres Vedras para poder ter alta e regressar a Faro. Portantos vistas bem as coisas, o Velopata até teve sorte.
Novamente inundado por aquela benéfica nostalgia de ter dado ao slide de Lisboa & Arredores assim que possível, o Velopata viu-se atendido por o que parecia um simpático Teen empre… Trabalh… Colaborador da Decathlon.
“Bom dia, diga lá o que precisa.”
“Bom dia, olhe, a pobrezinha apanhou muita chuva que ele não contava de manhã, a corrente já chia por todo o lado, está a fazer aquele srack-srack-srack.”
“Aquele quê?”
“Srack-srack-srack.”
“Como?”
“Srack-srac… Olhe, não lhe arranja um bocadinho de oléo para lubrificar a corrente?”
“Mas é claro.”
Com todas as boas intenções que o Teenager podia ter em mente quando decidiu auxiliar o Velopata na sua Cicloperegrinação, o que o Velopata nunca vai chegar a saber é que formação o pobre coitado terá empreendido para estar ali a simpaticamente prestar aquele serviço.
Pareceu mais ao Velopata que a técnica dele seria mais bem empregue, por exemplo, a fritar coisas.
Já preocupado com a quantidade de óleo que o moço embebia na corrente da Estrela Vermelha, o Velopata tentou impedir aquele derrame que evoluía para fazer um Exxon Valdez sentir-se diminuído e humilhado;
“Olhe, ele acha que está bom.”
“Só mais um bocadinho.”
“Não, já está bom assim.”
“Espere. Espere.” – o desgraçado não parava de inundar a corrente com óleo, parecia querer fritar batatas com a corrente.
“Por favor… Pare…” – suplicou um Velopata.
“Aaaahhh, já está.” – o Teen parecia finalmente saciado da sua oleosa sede com a garrafinha quase vazia.
Verdade seja escrita; a corrente parecia saída de um filme de ficção científica com monstros espaciais do Alien ou até com um primo adulto daqueles que o Velopata descobriu não ter em Ponte de Rol; pingava óleo tipo baba a escorrer.
“Muito obrigado! Salvou-lhe a vida!” – agradeceu um Velopata já pensando na utilidade que os toalhetes surripiados à bolsa do Velopatazinho teriam.
“Obrigado e boa viagem.”
“Um grande muito obrigado para si também!” – o Velopata agradeceu o profissionalismo do Segurança e deixou a Decathlon para trás com o que certamente terá sido um artístico rasto de óleo e gosma que nessa noite as Senhoras das Limpezas iriam amaldiçoar para todo o sempre.
Corrente enxugada de tanto óleo, restava apenas a segunda importante parte da pit stop na Cidade Santa em antes do regresso ao conforto do lar farense; procurar uma esplanada, de preferência aquecida pelo quentinho Sol que se havia alevantado, onde Velopata e O Facho recarregariam seus corpos de cafeína e nicotina.
Regressando ao âmago da Cidade Santa, bem perto da estátua de Sua Santidade Joaquim Agostinho, o dueto descobriu um tasco onde pode colocar o seu plano em prática, excepção feita às recargas cafeínadas pois a moça que os atendeu certamente seria de algum modo relaccionada com o Teen colaborador da Decathlon – ela poderia saber fazer muita coisa bem, mas o que não sabia mesmo era servir cafés. Mas prontos, como se tratava de uma brasileira toda gostosona, Velopata e O Facho deixaram passar aquela zurrapa que lhes foi servida sem protestos.
Com o corpo já aquecido pelo Sol, pulmão carregado de nicotina e sentindo a cafeína começar a surtir seus efeitos, o dueto discutia alguns pormenores do regresso a Faro quando um urro se fez ouvir em toda a esplanada;
“O MEU AMIGO AÍ É QUE SABE QUEM FOI O MAIOR PÁ!”
Gatunos Pá em The return of the comeback.
Há ou não aqui um padrão?
Acomodando-se numa das mesas perto do dueto onde se encontravam alguns conhecidos seus, essencialmente composto por moços da ala geriátrica torre vedraense, Gatunos Pá seguiu para uma segunda dose de frenesim indignado mas desta vez não dirigido à sua árvore genealógica ou mesmo à de Nosso Senhor Joaquim Agostinho. Pelo que foi dado a entender ao Velopata, do outro lado da estrada onde se localizava o tasco da empregada brasileira de bumbum safado, encontrava-se a Esquadra da PSP, o Quartel de Bombeiros e… O Hospício.
E o problema de Gatunos Pá era precisamente com o Hospício onde, segundo palavras do próprio era tudo uma cambada de drógados e gatunos.
Por entre tanto devaneio na maionese fora de validade que ocupava agora o lugar daquele que em tempos terá sido um cérebro saudável, Gatunos Pá mostrava alguns fugazes momentos de lucidez;
“A´tão mas o meu amigo vem daonde?”
“De Faro.”
“No Algarve?”
“Não, no Allgarve.”
“Hã?”
“Sim no Algarve.”
“Então e veio aqui fazer o quê?”
“Uma Cicloperegrinação para conhecer a estátua da última encarnação terrena de Sua Santidade Nosso Senhor Joaquim Agostinho e prestar uma homenagem ao local de repouso dos seus restos mortais.”
“Hã?”
“Visitar o monumento a Joaquim Agostinho.”
“Ah pois. Sabe, ele foi o maior pá. Aquilo é que era ciclista, não é como esses putos de agora, todos drógados, sabe o que é aquilo que se vê agora na Volta na França?”
“Diga lá.”
“É tudo uma cambada de gatunos pá!”
“Pois…”
“Então mas você vem mesmo de Faro?”
“Sim.”
“E agora vai para onde?”
“Para Faro.”
“Ah… Sabe, eu uma vez conheci um homem que fez uma viagem parecida à sua, só que ele veio a pedalar de Nova Iorque!”
Como é que alguém atravessa o Atlântico a pedalar foi a questão que ocupou a mente velopática (e certamente agora a do mui querido leitor), nos instantes seguintes, até que o teor indignado de Gatunos Pá regressou novamente à tona, lançando-se em mais um capítulo de protestos e apupos contra os agentes de um enlatado patrulha que passaram diante do tasco pois na humilde opinião de Gatunos Pá, toda aquela Esquadra não passava de uma cambada de… Gatunos.
Com os indicadores das baterias do Garmin e luzes a indicar que estavam prontos a 100% para o regresso a Faro, o Velopata aproveitou a deixa para deixar O Facho sozinho na esplanada, dirigindo-se até ao quarto de banho do tasco para mudar a sua indumentária velocipédica pois mesmo não tendo intenções de aumentar a progenia, o Velopata gosta muito das suas partes viris.
Seguido de perto pelo olhar da brasileira de traseiro cafageste, o Velopata trancou-se no wc, não fosse ela sucumbir aos encantos de um bonito corpo etíope como o deste vosso companheiro, palhaço e amigo do duro circo que é a vida do pedal, vindo de lá com ideias de arruinar a espécie de união de facto e coiso do Velopata e Srª Velopata.
Novamente os toalhetes surripiados à bolsa do Velopatazinho cumpriram o seu trabalho e o Velopata pode sentir-se tão fresco e fofo como uma alface biológica do Pé de Salsa, findo o delicado trabalho de besuntamento das juntas velocipédicas com o aclamado creme da Assos e uns novos bib shorts e jersey vestidos.
Regressado à esplanada, o Velopata encontrou O Facho na iminência de um ataque de nervos provocado pelas constantes indignações de Gatunos Pá;
“Epá, por favor despacha-te e vamos embora. Já não aguento mais esta ave rara! É pior que o Esfregona!”
“Ele também acha que está na hora de dizer adeus à Cidade Santa sim.”
“Como está o joelho?”
“Agora que ele descansou já não dói. A ver como evolui.”
“Estás pronto?”
“Ele nasceu pronto.”
Com 375,6 quilómetros cumpridos em vinte horas, vinte e nove minutos e cinquenta e nove segundos, Velopata e O Facho lançaram-se novamente ao alcatrão para o regresso a Faro, deixando a Cidade Santa da Velocipedia e o monumento à última encarnação terrena de Sua Santidade Nosso Senhor Joaquim Agostinho para trás, com aquele belo sentimento de primeira parte da Cicloperegrinação mais que cumprida.
Já Gatunos Pá… Certamente terá regressado ao Hospício torre vedraesense.
Capítulo XVI
A Terceira Nalga
O Velopata já escreveu que todas as suas cicloaventuras cujo plano préviamente delineado é pedalar do ponto A ao ponto B para depois regressar ao ponto A, partilham um modus operandi – para lá é tudo muito bonito, quase roçando o cicloturismo, passeio e coiso, mas a viagem de regresso é sempre efectuada em modo full chrono aero carbon, que é como quem escreve, sempre a abrir, bofes de fora e a carregar nos pedais de encaixe como quem carrega mesmo, portantos não será de admirar que em toda a sua (in)experiência ultraciclista, o Velopata tenha acarditado que teria força e genica suficiente para um contra-relógio de quase 350 quilómetros.
Lançando-se no segmento do Passeio dos Tristes que, para infelicidade velopática, encontrava-se apinhado do que eram muito provavelmente os mesmos enlatados com quem o Velopata havia partilhado razias nessa manhã, certamente viriam agora ainda mais frustados por terem visto as suas ideias de praia arruinadas pelo ciclo menstrual de São Pedro. E em quem iam descarregar?
No pobre cicloperegrino, pois claro.
“Perdoai-os Senhor Joaquim Agostinho, eles não sabem o que perdem.” – pensou um Velopata para com o fecho éclair do seu jersey.
Impondo-se um ritmo muita forte para tentar deixar aquele nefasto segmento para trás, ele não pode deixar de pensar na parvoíce que sempre acreditou serem os relatórios e notícias de trânsito que diariamente pululam pelas televisões e rádios – se de manhã os enlatados entopem as estradas num sentido e à tarde no outro, porque razão isto ainda continua a ser notícia dia após dia após dia após dia após dia após dia…
Lembrando-se da expressão de pré-fanico que acometia muitos dos enlicrados com quem ele havia cruzado caminho, ele ainda pensou em gerir o ritmo naquelas duras rampas que separavam a Cidade Santa de Vila Franca de Xira, mas as constantes nervosas contracções esfíncterianas provocadas pela pressa enlatada rapidamente o demoveram e aproximadamente duas horas e meia depois, o Velopata já navegava pelas pavimentadas ruas vila franquenses de xirenses em busca da estrada que daria acesso à Ponte sobre o Rio Kwai-te Empenar.
O que hoje ele sabe é que certamente o Garmin Edge 830 Explorer terá contraído algum vírus ou bactéria proveniente do Esfregona ou Gatunos Pá – fritou-se de tal modo que o Velopata deu por si como no brilhante filme de Sofia Coppola, Lost In Translation, só que no caso velopático era mais Lost in Village Frank of Xire.
E foi então que a esperança velopática nos agentes da autoridade vila franquenses de xirenses voltou a ser depositada após aquele que nessa manhã quase foi um encontro imediato de cacetete virado ao contrário grau; o Velopata viu um Agente da Autoridade que entrava num enlatado civil e sem nunca colocar o sapato de encaixe no chão, questionou-o fugazmente sobre o caminho a seguir para regressar ao reino sulista.
“VIRE NA PRÓXIMA À ESQUERDA E DEPOIS À DIREITA NA ROTUN…”
O Agente da Autoridade berrou mas o desenfreado e descontrolado caos enlatado não permitiu a paragem de um Velopata para obter mais esclarecimentos e em antes que as vaias e os apupos à Mãe Velopata tivessem início, o Velopata foi forçado a afastar-se.
Continuando perdido como quem está mesmo perdido, o Velopata tentava perscrutar aquela marafada ponte no horizonte quando…
FONC! FONC!
Uma ruidosa buzina enlatada soou atrás de si.
Almariado por toda aquela situação, o Velopata preparava já o dedo para deslargar um magnânime manguito na direção do ignóbil enlatado quando percebeu que a buzinadela mais não era para lhe chamar a atenção – o Agente da Autoridade seguia na lata civil atrás de si e avançando para se colocar a par da Estrela Vermelha, o Velopata ouviu enquanto o P.S.P. vila franquense de xirense lhe berrou do interior da lata, fornecendo as correctas indicações para conseguir chegar até à Ponte, afastando-se depois com votos de boa viagem.
O Velopata não sabe se alguma vez esse Agente da Autoridade lerá estas linhas, mas que fique para a posteridade velocipédica que o Velopata lhe está eternamente agradecido e rezará todas as noites para que não o coloquem a fazer o turno da noite.
A Ponte sobre o Rio Kwai-te empenar é dé uma lógica urbana que dir-se-ia ter sido projectada por um… Jerico.
Duas faixas para entrar em Vila Franca de Xira e uma só faixa (e bem apertada), para saír.
Isto foi algo para o qual AAA já havia alertado um Velopata, como tal, o segmento foi ultrapassado com O Facho novamente a dar guarida e protecção, posicionando estratégicamente a Lata de Apoio Velopático atrás da Estrela Vermelha.
Algo para o qual AAA também havia alertado eram aqueles falsos planos que aguardavam o Velopata nos cerca de cinquenta quilómetros até Pegões.
Como o que não falta a um Velopata são ideias de asno, ele optou por se manter nessa Estrada Nacional 10, em vez de desviar pela outra estrada que haviam percorrido matinalmente pois afinal, uma aventura também passa por conhecer novas estradas.
E isto, mui querido leitor, não foi uma ideia de asno.
Foi pior.
Inicialmente era a fragância a estrume que se fazia sentir na atmosfera, melhorada em relação à pestilência matinal pois agora havia secado e fermentado ao Sol.
Depois, apesar da parca ajuda que São Pedro até parecia disposta a contribuír com um vento que bafejava um Velopata ligeiramente pelas costas, o que ele acredita agora é que este será certamente não um falso plano mas sim… A mais grande subida de Portugal Continental.
O Velopata já percorreu estradas um pouco por todo este canto à beira mar mal plantado, inclusivé o famigerado Adamastôr e a subida à Torre na Serra da Estrela, mas aqueles 62,46 quilómetros que separam Vila Franca de Xira de Pegões e Vendas Novas, foram do mais terrivelmente experienciado por ele em todo o Universo Velopático Conhecido.

Olhando agora para trás, o Velopata sabe que terá sido precisamente neste trucidante segmento que a porca terá torcido o rabo (à falta de melhor metáfora velocipédica). Dos muitos erros cometidos como; não parar para a Torta de Alfarroba na Tia Bia, manter uma média alta para não chegar atrasado ao rendez vous com AAA, impôr um desenfreado ritmo nas duras rampas entre Vila Franca de Xira e Torres Vedras e vice-versa e coiso, para além de ter emborcado poucas bujecas ao longo de todo o itinerário, as cerca de duas horas e cinquenta e dois minutos que o Velopata levou a completar este segmento praticamente sempre assentado no selim da Estrela Vermelha e a subir, deixaram as suas marcas.
E que marcas essas.
Principalmente ao nível do joelho que começou a retesar como quem retesa mesmo, tendo-se transformado de uma ligeira moínha assim-assim numa lacinante dor, mas também pelo aparecimento do que ele reconheceu depois ser… A Terceira Nalga.
Completamente desaustinado e com a moral a roçar a de um sprinter quando chegam as montanhas do Tour, o Velopata viu-se forçado a uma paragem num tasco em Pegões. Nos Pegões. Coiso.
Se o andar do Velopata era estranho e quiçá cómico, ele não sabe e provavelmente nunca o saberá, certo é que um trio de cidadãos de raç… Etnia monhé que se encontrava na esplanada não conseguia tirar os olhos do Velopata, comunicando entre si na sua língua materna, o que levou um Velopata a pensar o que qualquer outro moço na mesma situação pensaria;
“Estes gajos estão a gozar com ele. Deve ser desta nalga nova que lhe está a dar um andar todo picolho… Ai, Nosso Senhor Joaquim Agostinho, dai-lhe forças para aguentar tanto quilómetro que ainda vem por aí!”
Mas Nosso Senhor Joaquim Agostinho estava de férias ou havia metido folga nesse dia.
Dando aos morfes, carregando no café e na dose de nicotina, o Velopata ainda besuntou mais um pedaço de creme para juntas velocipédicas da Assos na vã tentativa de acalmar aquela terceira nalga.
Lançando-se novamente ao alcatrão, o mais grande sinal que a Cicloperegrinação não seguia a largas pedaladas surgiu na passagem pelo famigerado pavê de Montemor-o-Novo – se o Velopata consegue descrever aquela sensação nas suas viris partes, era a de uma faca (daquelas à Rambo), a deslizar para a frente e para trás.
E o joelho só parecia piorar.

No alcatrão que separa Montemor-o-Novo de Alcáçovas, o Velopata voltou a avistar os O.B.N.I., Objectos Brilhantes Não Identificados, que por fugazes instantes desviaram a atenção velopática das dores que sentia por todo o seu corpo de somali com anorexia nervosa.
Reduzindo o ritmo para poder averiguar o que seriam tais objectos, qual não é a surpresa velopática quando percebe que pedala através de uma estrada coberta de batráquios, nomeadamente rãs!
Rãs em monte!
E as pobres coitadas a morrer assim espezinhadas pelos pneus da Estrela Vermelha.
Mas aqui e ali surgem outros pontos vermelhos que no alcatrão captam a atenção velopática.
Diz-se que a curiosidade matou o gato.
Neste caso, a curiosidade matou um Velopata.
Os pontos vermelhos mais não eram que… Centopeias!

O medo, terror, horror e coiso tomaram de assalto o cérebro velopatóide;
“E se uma destas coisas resvala do pneu e salta na direção do Velopata?” – pensou ele para com o fecho éclair do corta-vento fluorescente.
E novamente o Velopata acelerou o ritmo como se não tivesse já percorrido 520 quilómetros.
A noite seguia alta quando chegado a Alcáçovas, o Velopata vislumbrou um pequeno tasco de portas ainda abertas e as lacinantes dores no joelho, aliadas às lágrimas que já lhe cobriam a face só de pensar no que seria atravessar o execrável pavê do Torrão com aquela terceira nalga a latejar a cada pedalada, forçaram uma nova pit stop.
“Então, como é que estás?” – questionou O Facho.
“O joelho. A nalga. Ele não sabe se aguenta muito mais.”
“Mas faltam só cento e setenta quilómetros!”
“Serão cento e setenta quilómetros de puro horror velocipédico.”
“Queres desistir?”
“Ele não sabe.”
“Como assim?”
“Sabes, lá atrás ele chegou a pedir aos Deuses que lhe acontecesse alguma coisa mas que ele não se partisse todo ou escaqueirásse a Estrela Vermelha, apenas para poder desistir sem ser ele a desistir mesmo, percebes?”
“Estás a falar a sério?!?!” – inquiriu O Facho, notóriamente sentido com a honestidade velopática.
“Sim.”
“Então chega. Mete a bicicleta no carro e vamos para casa antes que isto termine mal.”
E o Velopata vacilou mas… Ter ouvisto uma pequena mancha de sangue que escorría da sua terceira nalga quando visitou os lavabos do tasco alcáçovense, tiraram todas as dúvidas.
A Cicloperegrinação chegava ao final com 528,93 quilómetros percorridos em tempo efectivo de pedalada de dezanove horas, cinquenta e cinco minutos e quarenta segundos.
Já no (falso) conforto da Lata de Apoio Velopático, Velopata e O Facho foram trocando impressões quanto aos motivos do fiasco que o Velopata havia experienciado.
“Bem, para o ano já sabes que erros não cometer.” – notou O Facho.
“Quais para o ano, qual quê! Tão cedo o Velopata não se mete noutra!”
“Ai é? Olha, sabes o que li ainda há pouco enquanto esperava por ti?”
“O quê?”
“Para o ano deve abrir o Museu dedicado ao Joaquim Agostinho.”
Nota final velopatóide: se o capítulo final vos pareceu todo acelerado… É porque na realidade o foi. E o Velopata não podia terminar sem deixar um grande e sentido muito obrigado ao Agente da Autoridade Anónimo e a O Facho, que têm já um lugar garantido no coração velopático.
Abraços velocipédicos,
Velopata
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