I´ve gotta stop
The will is strong
But the flesh is weak
I guess that´s it
I´ve made my bed
and I´m lying in it.
Thom Yorke na faixa Default do álbum Amok, da banda Atoms for Peace
Epílogo (outro)
48 dias volvidos os eventos da noite e dia de 2 e 3 de Junho deste ano de Deus, Pai e Senhor Joaquim Agostinho de 2018, o Velopata ainda se questiona se o amok sobre o qual Thom Yorke dança no seu jeito esquizo-alucinado é o mesmo que o Velopata experienciou em toda a magnitude dessa estranha palavra do Diccionário Português, Acordo Ortográfico corrigido e sem glúten.
Amoque.
Diz que é uma espécie de acesso de loucura furiosa e homicida.
Ou uma súbita reacção de de mau humor e irritabilidade.
Resumindo… Do que O Facho se safou na Cicloperegrinação.
Parece que podia ter dado ao Velopata um acesso tal de animalescos instintos, descarregado toda a sua frustação sobre um pobre O Facho que, afinal, mais não tinha senão participado com o solene intuito de prestar o maior de todos os auxílios, apenas para terminar como uma estranha manchete no Correio da Manhã sobre como uma lata havia sido encontrada numa qualquer valeta da Mítica Estrada Nacional 2, estofos forrados a sangue e vísceras, nem sinal do desaparecido condutor.
Mas não.
Em toda a sua gloriosa miséria, o Velopata experienciou sim, aquele que só pode ser reconhecido como O Empenão-Mor. Pelo menos até ao próximo, claro.
Em dúvida, o mui estimado leitor pode visualizar novamente a foto acima, vendo com olhos de quem vê mesmo, a deplorável condição à qual o Velopata havia chegado, pedalados 498,1 quilómetros da Cicloperegrinação.
Pernas que se assemelhavam a Nestum, daquele confeccionado por somíticos que colocam mais água que Nestum, Nem é polpa, nem é papa.
Uma forma amorfa, costas dobradas já em claro sinal que a derrota se encontrava mesmo ao iniciar da próxima parede alcatroada a escalar. Que podiam muito bem ser apenas uns 2% de inclinação, qualquer desnível positivo se tornou um suplício de ultrapassar.
Mesmo o cacófono vaivém das mandíbulas seguia o seu caminho apenas por instinto, aquele exagerado sabor doce de barra energética sendo sorvido como fel.
A Estrela Vermelha há muito despida de todo o seu peso, importante para a honrosa autonomia velopática, humilhantemente colocada em repouso apoiada numa lata.
E para piorar a coisa… O próprio Velopata está sentado numa lata, procurando o seu vil e falso conforto.
O Velopata poderia chegar a pior estado?
Podia, pois cerca de quilómetros depois da penosa foto acima partilhada, o Velopata acabaria por deitar a toalha ao chão, com mais uns míseros 30,1 quilómetros para um total de 528,9 pedalados da sua Cicloperegrinação.
Se bem que não existia nenhuma toalha para atirar ao alcatrão.
É verdade que no ciclismo, Soigneur que se preze tem sempre uma toalha à mão para apoiar o seu Ciclista, mas se O Facho levasse uma toalhinha que passasse pela face do Velopata, limpando e confortando-o do seu súor e lágrimas… Isso parececia só estranho a um transeunte olhar.
E o Velopata nem é homosexofilíaco nem nada.
Capítulo I
Uma noite alumiada
Marcava o relógio digital do Garmin Edge 830 Explorer, que deve ser em leds e 4K a acreditar no preço que cobram por estes pequenos bricabaques velocipédicos, 17:45 de sábado, dia 2 de Junho deste ano de Deus Nosso Senhor Joaquim Agostinho de 2018, quando o Velopata, como contado na prequela que podem ler aqui, se lançou ao alcatrão com o intuito de percorrer de uma só lambosice, os 700 quilómetros da sua Cicloperegrinação de Faro até à Cidade Santa de Torres Vedras, passando por Silveira, onde repousam os restos mortais de Sua Santidade. Ida e volta.

Nem as pernas se encontravam aquecidas e já aquela moínha de remoinho gástrico se fazia sentir, no entanto, não se tratavam de números 1 ou 2 pois o Velopata havia cumprido escrupolosa e criteriosamente os rituais e protocolos de alívio pré-volta. Para que o mui querido leitor tenha bem presente a ideia da importância que o Velopata atribui a estes rituais, note que ele até as unhas das mãos e pés cortou e limou na véspera.
“Epá, ó Velopata, limar as unhas das mãos e pés é um bocado assim com piquinho a azedo para macho, não?” – questionarão os mui assertivos leitores.
O Velopata até poderia concordar convosco, no entanto, segundo recentes estudos nos túneis de vento, várias empresas de limas para unhas de mãos e pés obtiveram resultados que indicam claramente que as unhas em formato arredondado originam perdas de watts em 0,00005%. Também o Coeficiente Aero do conjunto ciclista-bicicleta parece sofrer reduções na ordem dos 0,00012% quando comparadas com unhas arredondadas e não em formato de cunha afiada.
Equipamento esquecido também não seria, tudo foi verificado um infindável número de vezes.
Absorto nos pensamentos que aquela aparente indisposição na alma indicavam, rapidamente estes foram substituídos pelo som de enlatados em fúria por perto.
Perigosamente perto.
Mais não era que o habitual dos primeiros quilómetros da Mítica Estrada Nacional 2, aquela longa recta entre Faro e Estoi, onde o que não falta é o primitivo enlatado sempre ávido de um bom chega-para-lá-que-a-estrada-é-toda-minha, fenómeno que curiosamente o Velopata jamais encontrou descrito em um que fosse dos muitos guias turísticos subordinados ao tema.
O mote seria então cumprir o primeiro objectivo, que o Velopata já leu muitas destas coisas dos ultraciclistas e diz que marcar pequenos objectivos atingíveis torna a coisa menos horrível – marcar presença em Vendas Novas pelas 06 da manhã de Domingo, para o encontro com AAA num qualquer estabelecimento de índole gastronómica onde se glorificam os pedaços de cadáver de suíno fritos em banha e cobertos com duas fatias de pão.
AAA.
Significa Agente da Autoridade Anónimo.
Que por óbvias razões de segurança e protocolos de confidencialidade, o Velopata não pode revelar o verdadeiro nome.
Passando São Brás de Alportel, a Mítica Estrada Nacional 2 torna-se aquele já tantas vezes percorrido mimo, o Velopata calcorreando a bom ritmo os quilómetros que o separavam de Almodôvar, onde ocorreria a primeira paragem forçada para efeitos de recarga cafeínada e nicotinada, além da mudança para equipamento de pedalada pelo breu; colete reflector Gore Wind Full Carbon Blade Shield Tex Trek vestido e óculos de sol Full Photo Chrome Nano Shield Carbon trocados por óculos de visão noturna.

Porque é tipo uma Lei da Vida Velocipédica Velopatóide.
O obrigatório recurso a óculos durante a pedalada.
Caso contrário, a não existencia de películas que protejam a linda pupila castanho-esverdeada do Velopata e ele assemelha-se a uma Maria Madalena Velocipédica, chorando ranho e ainda mais baba daquela já normalmente libertada pelo esforço, dada a violência que que a deslocação da massa de ar acomete na sua íris ainda mais bonita que a pupila.
Também O Facho depenicava uma recarga cafeínada e nicotinada, quando o Velopata se apercebeu que este se aproximava do guiador da sua Estrela Vermelha e como qualquer Ciclista que se preze, pêlo eriça-se (se bem que no caso velopático possa ser diferente pois o recurso à rebarbadora para excisão dos apêndices filiformes havia ocorrido na véspera, só com um ou outro quase-evisceramento da jugular, logo, técnicamente o Velopata não tinha pêlo para eriçar), ante a presença de um outro ser humano que não o próprio em redor da sua nobre Bicicleta.
“Que estás a ver?” – questionou o Velopata.
“O teu GPS.” – retorquiu O Facho.
“Então?”
“Estava a ver a tua média. Vinte e oito quilómetros por hora… Isso não é assim um bocado para o abusado?”
“É, não é? Também lhe parece.”
“Ele quem?”
“O Velopata.”
“Ah… Olha, deixa-te de velopatices e vamos mas é embora. Não estás a ficar frio?”
“Ele está sim.”
Se os metereologistas do IST recorrem à bicicleta para as suas deslocações, o Velopata não sabe e provavelmente nunca saberá, no entanto, ele tem a certeza que aquilo é malta que considera aqueles furacões e ciclones que atingem violentamente a costa sudeste norte-amaricana como… Uma leve aragem.
De acordo com a última consulta no site de metereologia do Instituto Superior Técnico, as milhares de verificações velopáticas para tudo indicavam que o ciclo menstrual de São Pedro iria ultrapassar uma fase de uma leve aragem de Norte, com rajadas a rondar a casa dos 10 Km/h.
O Velopata sabe agora que todos se equivocaram.
São Pedro estava era com o cio.
Todo almariado.
Rajadas de 30 ou mais quilómetros por hora fustigavam o focinho velopático ao longo daquelas penosas rectas alentejanas, por ironia do destino da rota strávica, maioritariamente viradas a Norte.
Passando Castro Verde e aquela rotunda onde se celebram os guisados e estufados e assados e grelhados de Sus scrofa, chegava o primeiro verdadeiramente stressante troço da Cicloperegrinação – atravessar aquele alcatrão que separa Castro Verde de Aljustrel que certamente será alcatrão importado de uma qualquer movimentada rua principal de Beirute.
Dado o estado do alcatrão por entre as crateras, a missão protectora de O Facho ganhava contornos mais importantes – seria sua tarefa posicionar a Lata de Apoio Velopático circulando e roncando atrás do Velopata, máximos ligados sempre que possível para facilitar a identificação das crateras deixadas pelo meteorito que matou os dinossauros, funcionando também como uma barreira aos selvagens enlatados que pudessem por ali pavonear-se entre as vinte e três e a meia-noite de noite de sábado para domingo, reconhecida data mundial de celebração de boémia nocturna. É que o Velopata apanhou valentes abanões de horror esfíncteriano à base enlatada nas muitas outras vezes que ultrapassou este segmento em treino, avisado várias vezes pela Srª Velopata que acima de tudo ele tem de se lembrar que tem… Digamos que as fraldas do Velopatazinho não se vão mudar sozinhas.
A missão dO Facho foi milimétricamente cumprida, auxiliando o Velopata a evitar transformar a Estrela Vermelha, cérebro e braçinhos anoréctico-somalis em uma amálgama de uma sonora chocolateira.
Se o mui querido leitor ainda não experienciou tal pedalada, o Velopata não pode senão deixar a sua recomendação; pedalem à noite por uma estrada vazia, longe da civilização enlatada, só o som da borracha a deslizar pelo alcatrão acompanhado da vossa sincronizada respiração e… Olhem em volta. Apreciem. Observem campos a perder de vista, pontuados por picos serranos no horizonte, sombras projectadas sob uma magnífica Lua Cheia.
Não havia era Lua Cheia nenhuma para o Velopata.
São Pedro estava amuada e desceu um conjunto de congestus, cumulonimbos e stratocumulus que a existir uma Lua Cheia, não se via ou alumiava zero.
“A´tão nã me diga… Vossemeçê anda pedalando a estas horas?”
A mão que com um pano seca copos de vinho da Senhora do Café à saída de Aljustrel cessou a higiénica tarefa, incrédula perante um Velopata que entrava pelas suas humildes portas à uma da matina, buscando cafeína e lavabos.
Os restantes compadres, também observaram um Velopata enquanto justificava a sua presença com a Cicloperegrinação e a sua relevância no espalhar da doutrina velopática, mas de pouco ou nada pareceu ter servido para os convencer do que já tinham entendido unânimemente;
“Este gajo é maluco.”


No exterior da refundida esplanada do tasco aljustrelense, ouvia-se a voz dO Facho por entre o ocasional restolhar das vizinhas árvores embaladas pela leve aragem;
“Então, correu bem ou não?”
“Espectáculo. Não podia ter corrido melhor. Ele vem com a estrada toda alumiada à frente, nem parece que se está a pedalar de noite!”
“”Pois estou a ver que sim. O teu GPS marca vinte e oito vírgula nove quilómetros por hora de média. Estás forte.”
“Completamente! Contigo lá atrás ele nem tem medo de nada e consegue ver tudo à distância; os gatos, os coelhos, os javalis, os crocodilos e os bandos de gajos de uma seita homicida qualquer que por aí andem.”
“Hã?”
“Sim, gajos tipo da Juve Leo só que em adeptos do demo e cenas assim.”
“Epá não vais começar com piadinhas de futebol, pois não?”
E o Velopata não começou.
O Facho revelava-se um gajo fixe e não tem culpa de ser do Sporting.
“Bem, agora esta próxima estrada até ao execrável pavê do Torrão é na boa, podes seguir a tua vida.” – informou o Velopata, já montado na Estrela Vermelha e pronto a arrancar.
“Qual vida? Que vida queres que tenha entre a uma e as duas da manhã, algures na estrada entre Aljustrel e o teu Torrão mais duro que o de Alicante?”
“Ei, a falares assim até parece que o Velopata tem culpa das tuas escolhas jornalísticas.”
“Hã? Como assim?”
“Estás para aí a queixar-te que não tens vida nenhuma a estas horas nesta Mítica Estrada Nacional mas compraste o Expresso quando devias ter comprado o Correio da Manhã.”
“Correio da Manhã? Mas estás parvo?”
“Uai, vais-lhe dizer que não conheces aquelas espectaculares páginas dos convívios quentes no Correio da Manhã?!?! Com sorte até podias ter encontrado por lá uma bela alentejana com uma boa prateleira e anca parideira que fizesse convívios a estas horas.”
“Olha, vais ou mando-te?”
Não foi necessário O Facho mandar. Em antes que um amoque acometesse O Facho, foi o próprio Velopata que tratou de mandar-se… Para o pavê do Torrão.
Capitulo II
Hot Fuzz
Diz o Doutor Google que o Síndroma de Stress Pós-Traumático permite ao indivíduo eliminar memórias fracturantes da sua mente, para posteriormente as poder ressabiar no inconsciente.
Deve ser por tal que o Velopata não tem memória do pavê do Torrão.
Findo aquele tenebroso segmento, o Velopata conhecia a existência de uma pequena e profana bomba de combustível para enlatados. Uma vez que ele leu na internet que estas profaneidades são , apesar de tudo, das melhores amigas dos ultraciclistas e coiso, com aqueles quilómetros de suplicante agonia para trás, a opção correta foi tomada e o Velopata permitiu-se mais uma pausa.
A profaneidade ambiental encontrava-se fechada, mas as parcas luzes acesas permitiam um bom descanso a uma suave luz, óptima oportunidade para dar ao serrote calmamente, em antes de um Velopata se lançar às últimas paredes que o perfil strávico mostrava encontrarem-se nas imediações e acesso a Montemor-o-novo. Ou Montemor-o-Novo. Montemor-O-Novo. Coiso.
Os mui estimados leitores já viram o filme Hot Fuzz?
O Velopata estava nos degraus de cimento entre a geladeira e o duro e frio cimento do chão.
O Facho acendia um cigarro, portas da lata escancaradas providenciando uma qualquer música pirosa que lá os fachos ouvem, mas não a um volume que perturbasse vivalma que isto não era o Velozes & Furiosos.
E nem três escassos minutos depois, Velopata e O Facho tinham a companhia do Dono da Bomba e um enlatado estilo jipe com 2 Agentes da Guarda Nacional Republicana.
Em primeiros chegou o Dono da Bomba.
Irrompendo pelo pátio na sua lata estilo pick-up de caixa aberta, estancionando a bloquear a saída da Lata de Apoio Velopático da bomba, um esbaforido Dono da Bomba assomou-se do Velopata;
“Boa noite amigo, você está bem?”
“Boas noites. Ele está sim. Está tudo bem.”
“Tem a certeza?” – o Dono da Bomba parecia querer insinuar um je ne sais quois.
“Sim, ele parou aqui para descansar um pouco e sabe como é… Há que dar ao serrote que esta vida do pedal é dura.” – retorquiu o Velopata, apontando para as suas mandíbulas matraqueando uma barra energética Prozis, indicadas para manter os níveis do mesociclo do lactato da cadência muscular anaeróbia do ciclo de Krebs do ciclista comum.
“Não precisa de ajuda?” – desta vez o Dono da Bomba já não vinha de lá com um je ne sais quois qualquer, o homem trazia armas apontadas ao pobre O Facho, insinuando claramente que algures no alcatrão, ele seria só mais um selvagem enlatado que havia aprontado alguma ao vosso companheiro Velopata.
Nisto dá-se a entrada do jipe da Guarda Nacional Republicana quiçá digna da cinematografia de um qualquer filme de porrada do Michael Bay, só que em versão chaparro. No seu interior, dois Agentes da Autoridade.
Sentindo a coisa aquecer, o Velopata tratou de acalmar o homem enquanto O Facho, provavelmente por não ousar que ralé lhe dirija a palavra, refugou-se em silêncio para a Lata de Apoio Velopático;
“Ele está com ele. Dá-lhe apoio porque sabe como é…” – explicou o Velopata.
O Velopata procedeu a sua explicação detalhada da Cicloperegrinação, tendo certamente ecoado na mente do Dono da Bomba como um Blá-Blá-Blá-Whiskas-Saquetas.
O Facho não deixou o interior da lata, devorando o cigarro inteiro.
Os Agentes da Autoridade não deixaram o jipe.
Momento Sergio Leone da Cicloperegrinação. Somento o som da brisa como ambiente, os envolvidos trocam olhares cerrados, concentrados em quem dará o primeiro passo. Ouve-se uma harmónica tocada por alguém nas redondezas.
O Dono da Bomba lá arredou pé, o Velopata não percebeu se estonteado pela história velopática ou tratar-se apenas de cambalear sob o efeito do álcool. Conferenciou com os Agentes da Autoridade durante uns nervosos e intensos segundos que pareceram minutos, para depois regressar junto do Velopata;
“Olhe, a gente os três achamos que vossemçê é mas é maluco. Façam boa viagem.”
E sumiram.
Hot Fuzz.
Traduzido como Esquadrão da Província,em português.
É que tudo isto o lembra de um episódio presenciado pelo Velopata in situ; quando um grupo de homens adultos e feitos com look de etnia da europa do leste (Ucras, em português para leigos), se lembraram de ressabiar em macho-alfa, bem em frente do prédio do lar velopático, corriam altas horas da madrugada.
Pela segurança camuflada da janela, o Velopata viu enquanto dois homens feitos se tentavam agredir sonora e mutuamente, inclusivé um deles munido de um facalhão que aparentava já ter infligido no outro uma marca de Zorro só que em estilo bairro do refugo de Kiev.
Pelo meio duas moças ucranianas tentavam, ora aparar, ora desferir também golpes sobre os moços, não conseguindo o Velopata perscrutar por que macho-alfa elas torciam, só percebeu que eram boas e que deviam era gastar as suas energias em outro tipo de práticas que não aquelas.
Preocupado ele fez o que qualquer cidadão comum exemplar faria.
Não, não se foi deitar e dormir.
Nem atirou um balde de lama ou água fria para cima das moças, uma vã esperança de um mini-show de Miss T-Shirt Molhada para adormecer melhor.
Ele chamou a Polícia, mais concretamente a Guarda Nacional Republicana, entidade responsável e a contactar em caso de ocorrências nas imediações do lar velopático.
Depois de 15 minutos a dar precisas indicações, só faltando mesmo indicar as coordenadas do GPS pelo Strava, a voz do outro lado da linha policial descansou o Velopata, indicando que uma patrulha estava a caminho.
Depois de mais algumas trocas de testosterona galvanizada, o duelo Ucra Vs Ucra decorreu rua abaixo, seguindo os movimentos das apunhaladas do Zorro de Kiev que tinha a vantagem de estar no lado descendente da rua. Muito tempo depois desapareceram no horizonte, levando consigo as boas que, para infelicidade velopática, não se embrulharam entre elas e alguém aparecia e atirava lama para cima de ambas as duas.
Se a Polícia chegou a aparecer… Até à hora de publicação deste texto o Velopata não sabe.
E esta história já tem uns anitos.
A curiosidade Hot Fuzziana de toda esta situação é que a esquadra da Guarda Nacional Republicana distava uns míseros CINCO MINUTOS do lar velopático.
A pé.
Sem ser necessário correr.
Um bem haja aos Agentes da Guarda Nacional Republicana do Torrão pelo seu tempo de resposta. Parece é ao Velopata que isto anda tudo trocado. E na segunda parte ele tem provas.
Capítulo III
O.B.N.I.
(Objecto Brilhante Não Identificado)
Este é o momento em que o Velopata esgatafunha umas palavras sobre ter deixado o Torrão para trás, embrenhando-se nas duras rampas pré-Montemor-o-novoenses pela noite fora, conseguindo manter a hora prevista de chegada a Vendas Novas para o rendez vous com AAA.
Talvez tenha sido intervenção divina ou pura e simplesmente adrenalina eufórica de quem se sente bem ao comando de uma Estrela Vermelha; nem cinco minutos volvidos da saída do Torrão e a luz frontal velopática decidia que o seu tempo de vida útil findou.
Em pleno cruzamento de duas estradas, em subida acentuada e com TRÊS curvas cegas rodeando o Velopata.
Ele há gajos com sorte.
Atrás de si está a Lata de Apoio Velopático também imobilizada na estrada, no interior, O Facho berra algo imperceptível.
O Velopata tenta desligar os cabos da bateria mas as frias e torturadas mãos não encontram o jeito. E porque é nabo.
O Facho perde a paciência e deixando os quatro piscas em acção, sai da lata e aproxima-se do Velopata vociferando;
“Olha lá pá! Mas tu és maluco?”
“Espera aí que ele não consegue desapertar isto.”
“Tu já viste bem onde estás parado?”
Pela visão periférica que só os óculos de visão nocturna Gore Wind Full Carbon Blade Shield Tex Trek Photo Chrome Nano Carbon da B´Twin da Decathlon conseguem proporcionar, o Velopata percebeu que se ele já se achava em maus lençóis estando parado justamente no final de uma curva cega, a Lata de Apoio Velopático encontrava-se em piores lençóis ainda, colocada mesmo no apex do clímax desta.
“Isto é um acidente à beira de acontecer! Despacha-te pá!” – berrou O Facho.

Muito praguejanço e insultos percorrem a atmosfera serena do Torrão, enquanto o Velopata desiste de tentar conectar baterias e luz frontal, sendo substituído por um acagaçado e simultaneamente irado O Facho nessa tarefa.
Mais praguejanço e mais insultos percorrem a calma paz tranquila do Torrão, enquanto Velopata e O Facho arrancam novamente. Sãos e salvos da manobra técnico-táctica do jerico Velopata.
Novamente o Síndroma de Stress Pós-Traumático deve ter entrado no papel principal, pois o Velopata não tem memória de nos quilómetros seguintes ultrapassar assim tantos sectores de detestável pavê, mas a verdade é que eram em monte.
E o que seriam aqueles pequenos pontinhos brilhantes na estrada?
Aqui e ali o alcatrão encontrava-se repelto do que pareciam pequenos pontos brilhantes que reflectiam fortemente a luz frontal velopática.
Vidros?
O Velopata lá se entreteve uns quantos quilómetros numa espécie de Rally dos OBNI, Objectos Brilhantes Não Identificados, até que… Um deles se mexeu.
Deu um pequeno salto.
Era só o que faltava ao Velopata.
Ele já leu muitas destas coisas do ultracyclinglismo na internet e sabe que não há moço/a que nestas andanças de alarvidades quilométricas não padeça do que chamam Sleep Deprivation.
Que deve ser algo estilo Privação de Sono, só que em carbono.
Todos se queixam de alucinações quando o sono é pouco e o vício de pedalar maior.
Estaria um Velopata a alucinar?
Questão temporariamente colocada à parte na mente velopática, dando lugar a mais um vazio de memória fruto do Síndroma de Stress Pós-Traumáico e do pavê na passagem por Montemor-o-novo.
Dizem muitos dos experts na internet que outro lugar de consolação temporária do contacto humano recorrentemente usufruido por muitos ultracyclinglistas nas suas demandas é a pit-stop numa danceteria, únicos estabelecimentos abertos às altas horas a que se pedala.
E em Montemor-o-Novo, o Velopata encontrou a sua.

“Bem, vens-lhe a dar bem. Vinte e oito vírgula dois quilómetros de média.” – notou O Facho.
“Sim. Ele até acha que deve subir agora um pouco mais, pelo perfil que o Strava lhe dava agora é sempre a rolar até Vendas Novas.”
“Pois, já viste as horas?”
“Uai, está atrasado? Lembra-te que ele é como o Gandal…”
“Não pá, são quatro e meia da manhã.”
“Pois, ele vai ter de carregar no aero agora nesta parte a rolar para fazer rápido esses setenta quilómetros.”
“Quais setenta quilómetros?” – questionou O Facho.
“Uai? Os setenta quilómetros daqui a Vendas Novas, é lá que param para se encontrar com o Amílcar Santos.”
“Homem, tu não estás bem. De Montemor a Vendas Novas são aí uns vinte quilómetros.”
“Como assim? O Strava diz que…”
“Eu não quero saber do que diz o teu estr… Estravi… Estrava… brinquedo. De Montemor a Vendas Novas são vinte quilómetros, ou vocês comunas agora também querem mudar factos universais? Vinte quilómetros, tenho a certeza.”
A questão poderia facilmente ter evoluído para mais uma sessão de flagelação mútua com índoles político-partidárias mas não.
Às quatro e meia da manhã ainda chegavam criaturas alvoroçadas da noite à Danceteria Café.
E eram giras.
O problema era a cena do Barely Legal.
Com elas vinham uns moços, que só de repentinamente passar o olhar por suas vestes e estilos, o Velopata pediu a Deus Nosso Senhor Joaquim Agostinho que livre o Velopatazinho daquele mal.
Mas um Velopata não prevê o futuro e fica apenas uma réstia de esperança que o Velopatazinho não enverede por semelhantes caminhos pois já diziam na longa linha ancestral de progenitores da família velopática que um bom par de estalos nunca fez mal a ninguém.
As moças entrem frenéticas na Danceteria Café. Eles vão atrás.
Elas saem. Eles não.
Elas deslizam pela rua, sentando-se no banco adjacente.
“Deve ser isto que os leões sentem na savana quando as cabritas passam pululantes.” – pensou o Velopata.
Só O Facho quebrou o sepulcral silêncio que se regista entre machos observadores de fêmeas no seu habitat;
“Já percebo porque é que os teus amigos ultraciclinguistas gostam de discotecas.”
Colocando de parte o teor erótico desta narrativa, o Velopata decidiu tentar o contacto com as nativas;
“Boa noite.”
“Boa noite.” – responderam em uníssono, todas giras e simpáticas, enquanto um Velopata mantinha a mente concentrada no Limite Legal de Idade.
“Podem indicar quantos quilómetros são daqui a Vendas Novas?”
“Está ali. Vinte e um quilómetros.” – apontaram.
Uma enorme placa repousava junto à parede do edifício anexo à Danceteria Café.
Faz-se aquele momento de silêncio enquanto O Facho fulmina o Velopata com o olhar.
Efetivamente seriam apenas vinte e um quilómetros até Vendas Novas.
Sem imprevistos, o Velopata ia chegar muito em antes ao rendez vous com AAA.
Epílogo (só mais este)
“Oh si! Oh si carinho! Dame con fuerza! Oh si!”
“Eh lá! Ó São Pedro o que é que tu estás para aí a ver?” – questionou Binda enquanto entrava na sala do Grande Além Velocipédico, reservada a São Pedro e o seu aparente controlo sobre a metereologia e climatologia que afecta este Terceiro Calhau a contar do Sol. Uma sala em tudo semelhante à recentemente celebrizada sala do VAR, que deve significar Vídeo Árbitro Rombudo, a avaliar pela sua acuidade neste último Mundial desse deporto menor que é a bola.
“Erh… Uhm… Nada, nada…” – respondeu São Pedro de faces ruborizadas, visivelmente atrapalhado enquanto mudava o canal televisivo, deixando de se ouvir os gemidos daquela voz feminina mas não sem antes ainda se ouvir uma viril e máscula voz;
“Oh si carinho! Mira, quieres que te ponga en el…”
“Ah! Agora já percebi porque é que o Mister Agostinho te queria tirar o uáifái… Esses monitores não são para ver… Enfim, o porno.”
“Epá, um gajo passa aqui dias, semanas, meses e anos sempre a ver imagens de congestus e cumulonimbus e stratocumulus e… Não pode ter direito a um pequeno momento zen?” – retorquiu um indignado São Pedro.
Com esta última afirmação, ficou aquele silêncio desconfortável na sala do VAR Climatérico, enquanto as imagens televisivas das gravações VHS do Canal 18 se desvaneciam para dar lugar a imagens de congestus, cumulonimbos e stratocumulus.
“Bem, mas o que é que tu queres mesmo?” – inquiriu São Pedro enquanto limpava as mãos a uns toalhetes húmidos, sob o repugnado olhar de Binda.
“Tenho aqui uma requisição de Sua Santa Santidade Joaquim Agostinho.” – respondeu.
“O que é que foi agora?”
“Pois, também não queria nada ter de ser eu a fazer isto mas saíu-me a batata frita mais pequena. Acho que ninguém me respeita mesmo é por ser uma glória do Tour do tempo das rodas quadradas mas enfim… Bom, precisamos que lançes aí um vendaval e uma carga de água.”
“Hã? Vendaval? Carga de água? Mas estamos em Junho!”
“Pois mas não te preocupes que não vai sobrar para ti. Se algum iluminado bicho humano daqueles que dizem falar com Deus te questionar, dizes que é castigo das alterações climáticas.”
“´Tá certo, faz o seu sentido. Então e é para deslargar essa tormenta adonde?”
“Bem, já que não tenho mais nada para fazer, podemos fazer um jogo, dou-te umas pistas e tendes de adivinhar.”
“Epá, mas tu não vês que tenho mais o que fazer?” – atacou São Pedro em cadência.
“Sério? Tendes assim tanto para fazer? Sinceramente, não foi isso que me pareceu quando entrei.” – ripostou Binda.
“Vá, diz lá onde é que isso é.” – retorquiu o comiserado São Pedro.
“É para soltar a tormenta naquele país cujo Presidente da República foi eleito graças à popularidade que adquiriu em programas televisivos.”
“Na América?” – questionou São Pedro.
“Não pá! Vá, outra pista… É aquela nação que partilha vídeos pela internet promovendo e glorificando o seu pequeno país como sendo um espectáculo para o turismo, têm o melhor jogador do mundo da bola, praias lindas, o melhor jogador do mundo da bola só que aquela que é mais pequenina que parece de brincar à bola e a comida é maravilhosa, mas depois têm incêndios que devastam tudo o que é verde no país, ardem casas, morre gente, e um ano depois de mundos e fundos de peditórios e apoios e investimentos e ajudas e coiso… Ainda há pessoas a viver ao relento e ninguém fica indignado.”
“Pela tua descrição isso deve ser um país daqueles do refugo africano, bem lixados e geridos por um ditador corrupto qualquer.”
“Também não. Vá, outra pista. É o país de origem da Erica Fontes.”
“Já sei! Portugal!”
“Sim, Portugal, mais precisamente entre Vendas Novas e Torres Vedras.”
“Posso saber porquê?”
“Anda por lá um maluco cicloperegrino que tem a mania que é ultraciclista e coiso.”
Podeis clicar aqui e consultar o registo strávico da Cicloperegrinação.
Abraços velocipédicos,
Velopata
Nunca tinha pensado nisso das unhas dos pés 🙂
É so rir heheheh
CurtirCurtido por 1 pessoa
Pingback: Divisão Velopata – Pedale por onde pedalar, a carocha há-de vir no São João – Blog do Velopata
Pingback: Dorsal #34 – Blog do Velopata
Pingback: Uma (des)abençoada Cicloperegrinação – a primeira parte do capítulo final – Blog do Velopata
Pingback: A tomada da Mítica EN2 – parte II – Blog do Velopata