Epílogo
A decisão do Consílio
No mais alto trono do Grande Salão do Além Velocipédico, Deus Nosso Senhor Joaquim Agostinho repousava de olhar fixo num tábelete nas suas mãos, ponderando sobre as imagens que ali se lhe apresentavam enquanto aguardava a chegada dos seus mais próximos e Altos Conselheiros; Binda, Anquetil, Bartali, Coppi, Pantani e Mike Hall.
Com mais e menos bofes de fora, os vários conselheiros foram chegando a conta-gotas, afinal o Grande Salão fica localizado no mais alto monte do Além Velocipédico e as intrínsecas qualidades de trepador de cada um, mesmo depois de finado, não se alteram.
Só quando a azáfama pós-pedalada terminou; os vários conselheiros arrumaram suas bicicletas nos altares divinos, mudaram de suas suadas licras divinas para os majestosos mantos em lã de merino divino e se assentaram nos respetivos lugares da Távola Redonda (em tudo semelhante à Arturiana, só que em carbono), Deus Nosso Senhor Joaquim Agostinho deu início ao Consílio, falando pela primeira vez;
“Sabeis porque vos chamei aqui?”
“Por favor contai-nos Ó Mais Grande.”
“Por isto.” – retorquiu Deus Nosso Senhor Joaquim Agostinho enquanto com um simples aceno de mão passou a imagem do seu tábelete para um vasto LCD Nano Plasma com lédes em 4K.

“Aaaahhhh…” – exclamaram boquiabertos os vários conselheiros, antes de se remeterem a um respeituoso silêncio que durou largos minutos, observando aquele ciclista que pedalava pela noite fora ao longo da mítica Estrada Nacional 2.
“Sabeis ao que a Organização Mundial das Nações Unidas decidiu dedicar este dia três de Junho do meu ano de dois mil e dezoito?” – questionou Deus Nosso Senhor Joaquim Agostinho.
“Ó Grande Pai Nosso, não quereis dizer que…”
“Isso mesmo meus Filhos. Ao que tudo indica, parece que a bicharada humana lá se enxergou e decidiu que o dia três de Junho doravante seria reconhecido como o Dia Mundial da Bicicleta.”
“Isso são excelentes notícias!” – os Conselheiros bradaram em coro.
“É provável que vós não saibam mas… Eu também faria anos nessa altura.” – notou Mike Hall.
“Sim, nós sabemos meu Filho. Talvez tenha sido por toda esta conjugação de elementos que ele tenha decidido lançar-se à estrada e à aventura.” – apontou Deus Nosso Senhor Joaquim Agostinho.
“E o que vai ele fazer?” – questionou Binda.
“Uma Cicloperegrinação. O seu objectivo é visitar o monumento que ergueram em homenagem à minha última passagem terrena, bem como os restos sepultados do corpo que habitei.”
“Isso são quantos quilómetros?” – perguntou Coppi.
“Setecentos quilómetros com sete mil e trezentos metros de acumulado.” – retorquiu Deus Nosso Senhor Joaquim Agostinho.
“Aaaaahhhhh…” – novamente aquele esgar boquiaberto de admiração e respeito percorreu a plateia, até que Bartali decidiu quebrar o silêncio;
“Mas Ó Mais Grande, porque nos haveis chamado aqui?”
“Porque preciso da vossa ajuda e conselhia sobre como proceder agora. Deixamo-lo terminar? Enviaremos intransponíveis obstáculos? Facilitamos-lhe a vida?”
“Manda-lhe vento.” – sugeriu Coppi.
“Manda-lhe vento daquele de frente ou lateral aí uns oitenta e cinco por cento do percurso!” – clamou Anquetil.
“CHUVA! CHUVA! CHUVA!” – urraram todos num bonito coro.
“Legiões de enlatados de fim de semana, sempre com aquele fogo no cu!”
(Nota velopática: O Velopata não conseguiu ainda apurar quem terá proferido esta última afirmação, mas certamente terá sido o equivalente místico-teológico-velocipédico de Judas.)
“Assim faremos.” – disse Deus Nosso Senhor Joaquim Agostinho, para só depois daquela pausa dramática continuar – “Faremos uma linda noite de lua cheia mas completamente nublada e acompanhada de um frio invernal como Junho nunca sentiu, enviaremos fortes ventos frontais e ventos laterais e chuva e óleo fresco em monte pelo alcatrão, soltaremos as nossas hordas de selvagens enlatados que nem animais sedentos de sangue e carbono.”
“Epá, não lhe damos assim uma ajudinha em nada?” – questionou Mike Hall.
“Uomo, tu haveis chegado ainda agora por isso no pensare. Deixai-nos curtir à grande com este campione de fim de semana que tem a mania que são il più grande!” – rematou Pantani.
“Calma meus filhos, Mike tem alguma razão.” – sossegou Deus Nosso Senhor Joaquim Agostinho.
“Então?” – questionaram.
“Parece que o moço tem para lá um blog ou blogue ou lá como se chamam essas modernices… Depois vai lá escrever que só lhe fizemos a vida negra. Tem de existir algo positivo para além da lição que lhe vamos ensinar.”
“Podíamos enviar um comparsa, um compincha e um amigo.” – disse Bartali.
“Mas ele já tem uma amigo que vai com ele de carro.” – notou Binda.
“De quê?” – um interrogativo coro ergueu-se.
“De carro! Ele não tem um amigo que vai com ele de carro?” – reforçou Binda.
“Hã?” – nova interrogação geral.
“Lata! Ele não tem um amigo que vai com ele, só que em enlatado?” – voltou a inquirir Binda.
“Sim, mas a ideia de Bartali não é má de todo… Poderíamos enviar-lhe um comparsa de pedalada. A questão é… Quem seria louco o suficiente para se juntar a tamanha demanda?” – questionou Deus Nosso Senhor Joaquim Agostinho.
Novamente desceu um sepulcral silêncio enquanto todos matutavam, como quem matuta mesmo.
“Porque não o AAA?” – foi Coppi quem quebrou o silêncio.
“Quem?” – questionaram em coro, inclusivé Deus Nosso Senhor Joaquim Agostinho.
“O Agente da Autoridade Anónimo.” – explicou Coppi.
“Ah, sim! Parece-me bem.” – acenou assertivamente Deus Nosso Senhor Joaquim Agostinho.
“Ou Anónimo Agente da Autoridade.” – continou Coppi.
“Já percebemos Coppi, obrigado.”
“Agente Anónimo da Autoridade.” – insistiu.
Alevantou-se um burburinho na sala enquanto os vários conselheiros já se refastelavam nos seus cadeirões, enchendo suas grandes taças construídas em ligas de ferro, aço, titânio, alumínio daquele da Cannondale e carbonos de baixo, médio e alto módulo, com cervejas artesanais belgas que só de cheirar o mais comum dos mortais se sentiria divinalmente ébrio. Deus Nosso Senhor Joaquim Agostinho piscou um olho e pires forrados de batata-frita materializam-se na mesa.
O espectáculo ia começar.
Mas não para Pantani.
Sorrateiramente aproximando-se de Deus Nosso Senhor Joaquim Agostinho, Pantani necessitava de uma especial atenção;
“Mister Agostinho, com´é? ´Tá-se?”
“Diz meu filho piratinha.”
“Emprestai-me vosso tábelete?”
“Para que queres tu o meu tábelete?”
“Preciso de ir aí a um site.”
“É para veres a pornografia?”
“Não Mister, é outro site.”
“É para os sites das apostas, não é?”
“Erh… Uhm…”
“Quantas vezes tenho de dizer que um dia ainda te vais lixar à grande com essa parvoíce da moda das apostas? É para isso que tu queres o tábelete, não é? Queres ir apostar no pobre coitado do cicloperegrino?”
“Sim… Quer-se dizer… Não.”
“Então?”
“Com a toda vossa perfídia ao rubro, vou mas é apostar em como ele não termina e vai desistir.”
“Já sei! Já sei!” – interrompeu Coppi.
“Já sabes o quê?” – questionaram Deus Nosso Senhor Joaquim Agostinho e Pantani.
“Autoridade Agente da Anónimo.”
Capítulo I
Os preparos
“Sabes… Ele pensou muito e fez-se luz na sua mente.” – notou o Velopata.
“Espera que até já sei que ideia é que magicaste…” – de sobrolho já franzido, O Facho, coléga de métier velopático, aparentava adivinhar os planos velopáticos.
“Então diz lá.”
“Como ficáste sem o teu dupla queres que vá atrás de ti, acompanhar-te com o carro.”
“Com o quê?”
“O carro.”
“Hã?”
“A lata. Queres que arranje uma lata para ir atrás de ti fazer essa maluquice.”
“Foi mais ou menos isso que ele pensou, sim.”
Fez-se silêncio enquanto ambos os dois sorviam mais um pouco da dose diária de nicotina.
“Seríeis homem para isso?” – questionou Velopata que para além de nunca chegar atrasado partilha outra característica com Gandalf, O Cinzento; o Velopata consegue fazer formas de quadros de bicicleta com o fumo dos seus cigarros de enrolamento manual.
“Tendes dúvidas?”
“É? Sério? Acreditais que aguentas?” – Velopata já de brilho nos olhos, sentindo os primeiros píncaros de excitação velocipédica materializarem-se sob a forma de pontadas na bexiga.
“Meu caro amigo… Tu é que vais de bicicleta…” – retorquiu O Facho.
E assim foi que numa casual conversa durante um intervalo de labuta por motivos nicotinofílicos, o Velopata acordou com O Facho que ambos fariam a Cicloperegrinação deste ano de Deus Nosso Senhor Joaquim Agostinho de 2018.
O Velopata faria em autonomia total o percurso que contabilizaria uns alarves 700 quilómetros montado na sua Estrela Vermelha, já O Facho faria os cerca de 7300 metros de acumulado sentado ao volante da que ficaria conhecida para a posteridade como a Lata de Apoio Velopático, sendo a sua única função salvaguardar a segurança deste vosso amigo, precavendo os mui queridos leitores de ser obrigados a ler uma espectacular manchete na matinal edição seguinte do Correio da Manhã;
Ciclista conhece o Criador a caminho de conhecer o Criador
Se ainda não perceberam onde ia o Velopata e no que consistia a Cicloperegrinação, o Velopata pondera apenas 3 hipóteses para vosso desconhecimento;
- haveis estado em coma desde 10 de Maio de 1984;
- haveis estado em coma desde o dia em que haveis feito like e/ou follow no perfil do Facebook do Instagram do Strava do Blog ou Blogue;
- pensas que sabes andar de bicicleta mas desconheces por completo a mística e teologia da coisa.
Jerusalém, Meca, Fátima e coiso – isso não é santidade nenhuma.
Torres Vedras.
A Cidade Santa da Velocipedia.
E dos machos que se vestem de mulheres numa determinada época festiva anual.
O objectivo?
Visitar o Monumento erguido a Deus Nosso Senhor Joaquim Agostinho, esse Messias e Profeta e Tudo.
Prestar uma homenagem à sua última encarnação terrena, visitando o Santo Sepulcro todo construído em carbono, daquele que é mesmo só carbono, totalmente em carbono, 100% carbono, full aero carbono, localizado em Silveira, honrosa povoação a escassos quilómetros da Cidade Santa.
Depois… Seria sobreviver até regressar a Faro e ao que seria certamente um divino protocolo final; um banho longo, uma refeição ainda mais longa e certamente muitas horas na cama, recuperando e aproveitando a letargia extrema em que certamente o Velopata iria caír.
Rotas feitas e a alarvidade rondaria os 700 quilómetros.
Com 7300 metros de acumulado.
À Liam Neeson, Non Stop, sempre a aviar cartucho. Ou alcatrão.
Desta vez o Velopata não seria apanhado desprevenido, todos os criteriosos procedimentos pré-volta seriam cumpridos com o máximo rigor e escrutínio possíveis, o que fica muito bonito nas teorias e papéis mas colapsa por completo na vida real, não fosse existir uma Srª Velopata e um Velopatazinho.
Apenas por curiosidade, a honesta opinião da Srª Velopata em relação à Cicloperegrinação podia ser resumida em duas simples palavras;
“Uma estupidez.”
Apesar dos largos meses de preparação nas pernas, todo o ciclista sabe que a interpretação e avaliação do seu estado físico será sempre feita no último treino no fim de semana em antes do grande evento, e assim o Velopata fez.
O problema é que se ele não é supersticioso… Devia ser.
Os primeiros sinais em como esta seria uma (des)abençoada Cicloperegrinação manifestaram-se logo no sábado, 26 de Maio. O Velopata havia planeado uma relaxada e calma volta a rondar os 150 quilómetros, o problema é que o Velopatazinho passou a noite acordando seus progenitores com aquele choro que dir-se-ia estar o Bibi ali ao lado da cama, quando na realidade era apenas a chucha que havia escapado do poderoso aperto da sua mandíbula hexacúspide, o que se traduziu num acordar tardio, já a manhã seguia plena. Seguiram-se problemas com a bomba de pé para encher câmaras de ar (que nos entretantos parece apenas servir para as vazar), e a manhã terminou com um desaustinado e apeado Velopata a caminho da loja no Centro do Universo Velopático Conhecido, de modo a arranjar uma nova bomba.
É sempre engraçado o modo como os civis nos observam enquanto se caminha completamente enlicrado a rigor, sapatos de encaixe e tudo.
Principalmente nos nossos adoráveis passeios de calçada.
Ao longo daqueles fastidiosos quilómetros que o separavam da loja da especialidade velocipédica que é a G-Ride, foram vários os resvalos e escorregadelas que os cleats do Velopata proporcionaram, valendo a destreza velopática para o salvar do humilhante esbardalhanço e deixando um Velopata a matutar em como o cleat de um sapato de encaixe consegue surtir o mesmo efeito de fazer machos perder o tino, à semelhança da sua palavra esdrúxulofílica ou lá o que é do diccionário anglo-saxocamónico, o clit.
Com o problema na bomba de vazar câmaras de ar resolvido, o Velopata fez-se à estrada mas fruto da já tardia hora, o treino acabou reduzido a uns míseros 85 quilómetros.
E já bem perto do final…
Uma moínhazinha no joelho direito.
“Nada de mais.” – pensou um Velopata para com o fecho éclair do seu jersey – “Algum mau jeito que ele deu na caminhada.”
Seguia-se domingo, 27 de Maio, e o Velopata preparava a sua desforra do falhanço do dia anterior numa volta que acabou por se revelar carregada de nostalgia em monte ao encontrar a sua troupe de comparsas Evo Team, com quem ele não partilhava uma boa pedalada havia já algum tempo.

Boa disposição, muita galhofa velocipédica e aproximadamente 100 quilómetros depois, surgia novamente aquela moínhazinha no joelho direito e…
Rapidamente aquela moínhazinha transmorfou-se numa incapacitante e lacinante dor, levando um Velopata a ser descarregado pelos seus companheiros Evos que, admitindo encontrarem-se todos em pior forma que o badocha Carlos Betancur nos idos tempos da Movistar, só contribuíram para a redução dos níveis de auto-estima e confiança que o Velopata mais ou menos sentia.
Sem conseguir andar erecto sobre ambas as duas pernas, mas principalmente sem conseguir pedalar, foi um à beira da depressão Velopata que regressou ao conforto do lar nesse fatídico domingo;
“Ai, Ai.” – lamentou o Velopata enquanto repousava a Estrela Vermelha no seu altar.
“O que é que foi?” – questionou a Srª Velopata sem tirar os olhos da televisão que ainda não é smart.
“Uté! Utá!” – notou ainda o Velopatazinho, já aos saltos no sofá ante a visão da chegada do seu progenitor.
“Ai. Ui. Ele está tão mal… Nem imaginas as dores que ele tem no joelho direito.”
“É castigo.” – atacou em cadência a Srª Velopata.
“Não sejas assim… Ai… Não estás bem a ver as dores que ele sente… Ui… É que nem de pé ele consegue pedalar.”
“Pedala sentado.” – retorquiu a Srª Velopata.
“Mas estás de empece, é? Ele aqui aflito com o que pode muito bem ser uma impeditiva lesão à Cicloperegrinação da próxima semana e é assim que ajudas teu marido, esposo, companheiro e coiso?”
“SE ELE FOSSE MESMO MEU MARIDO, ESPOSO E UM BOM COMPANHEIRO NÃO SE IA METER A FAZER NÃO-SEI-QUANTOS-QUILÓMETROS PELA NOITE FORA A CAMINHO SABE-SE LÁ DO QUÊ, ABANDONANDO A SUA MULHER E O SEU FILHO SOZINHOS DURANTE DOIS DIAS, NÃO TE PARECE?”
Traduzindo para miudezas, a posição que a Srª Velopata queria marcar era simples; os dias úteis que separavam o Velopata da sua Cicloperegrinação não seriam de todo um caldo com cadáver galináceo lá dentro.
Contas feitas e seriam 3 infindáveis dias de compensação à Srª Velopata e Velopatazinho, traduzindo-se em pouco descanso e muitas lides domésticas; lavar roupa, estender roupa, varrer chão, lavar chão, cozinhar, lavar louça, passar a ferro, trocar fraldas, dar banho ao Velopatazinho, limpar a areia da Gata Gorda, passear a Cadela Descontrolada… Basicamente, a única tarefa doméstica que o Velopata não fez foi pintar as paredes do lar velopático e em antes que venham daí mui queridos leitores com piadas ordinárias sobre o Velopata a pintar paredes ou mesmo contar telhas, lembrem-se que praticar o amor (mesmo que a solo), nas vésperas de uma grande provação, é coisa para reduzir os níveis de testosterona que se querem elevados para carregar com muita fé nos pedais.
Com o lar a brilhar de tanta esterilidade, chegava o feriado de 31 de Maio e foi um preocupado Velopata que se lançou à estrada, sabendo que a quilometragem a embutir nas pernas devia ser escassa pois o objectivo seria apenas um; rolar as pernas durante uns quilómetrozecos e aproveitar para verificar o estado daquele marafado joelho direito.
Findos aqueles calmos e ponderados 80 quilómetros sem uma única sensação anómala no joelho direito e o Velopata pode esboçar um sorriso pois a mais ou menos forte motivação havia regressado – ele estava mais que pronto para a sua Cicloperegrinação, estando em falta uma última fase da preparação, a mudança do seu ciclo circadiano.
Muitos dos mui atentos leitores já sabem que no seu ritmo diário normal, o Velopata é moço para aí cerca das 22 horas da noite já se encontrar a roncar profundamente no sofá. Tendo em conta que a Cicloperegrinação ocuparia o equivalente a praticamente duas diretas no pêlo (se ele não tivesse feito a depilação em antes, é claro!), o Velopata elaborou um plano que pouca margem para falha teria – tentar adormecer sempre o mais tarde possível ao longo dessa semana, mas principalmente na véspera, sexta-feira, de modo a que no sábado, dia 2 de Junho, ele acordasse bem tarde e bem preparado para estar desperto durante toda a noite e madrugada.
Com esforço, dedicação e muita sonolência, um Velopata lá adormeceu pelas 2 horas da madrugada de sábado, sendo sua ideia passar o máximo de horas possíveis naquele estado de vida suspenso.
“Budé, budá!” – berrou um Velopatazinho aos pulos sobre o colchão.
“Vá, menos galhofa que tens de mamar. Depois já aproveitas e brincas com o pai antes dele desaparecer de casa.” – avisou a Srª Velopata
Foram estas as vozes que no sábado acordaram um estremunhado Velopata.
Que horas seriam? Já passaria da hora de almoço? A Estrela Vermelha repousava no seu altar, mais que preparada para a longa jornada que a aguardava e tendo em conta que o arranque velopático seria apenas às 18 horas da tarde, o Velopata podia certamente descansar mais um pouco e…
“MAS SÃO SETE E MEIA DA MANHÃ!!!” – berrou um Velopata. Se é que um zombie consegue berrar.
“Faz pouco barulho que o teu filho está a mamar.” – ripostou imediatamente a Srª Velopata, sentada na cama velopática, fornecendo o nutritivo leite dos campeões à sua cria.
“TU NÃO ESTÁS A PERCEBER! SÃO SETE E MEIA DA MANHÃ E ELE JÁ ACORDOU!”
“Para que é esse escândalo todo? Hoje é sábado e…”
“DAQUI A MEIA DÚZIA DE HORAS ELE ARRANCA PARA A CICLOPEREGRINAÇÃO! COMO VAI ELE PASSAR QUASE TRINTA HORAS A PEDALAR COM APENAS… Apenas… Ora três vezes seis dá dezoito… VÁ, AÍ SÓ UMAS CINCO HORAS DE SONO?”
“É simples! Fazes como os golfinhos, primeiro descansas um lado do cérebro e não usas essa perna para pedalar, depois mudas para o outro lado e assim adiante, vais alternando.”
“Mmffnfjnmmhm…”
Produzindo aquele sobejamente conhecido som qual marafado Mutley, o comiserado Velopata alevantou-se da cama e passou as restantes horas que o separavam da partida agindo que nem uma Blatella germanica tonta; verificava a previsão metereológica 3 vezes a cada hora, inspeccionou a Estrela Vermelha incontáveis vezes, certificando-se que tudo estava nos conformes; pressão dos pneus, mochilas bem presas, material necessário, indispensável e suplente bem acondicionado.
Com o relógio a badalar nas 14 horas da tarde, o Velopata lançou-se sobre a mesa da sala para carregar fortemente em vários pratadas apinhadas em massa e variados e coloridos legumes. Seguiu-se o tradicional alguidar de cafeína acompanhado de um sem-número de cigarritos na sacada.
Com os nervos à flor da pele, sentindo-se ele capaz de roer as úngulas das manápulas e dos chispes até ao tutano, caso ele tivesse esse execrável hábito, finalmente soaram as 16:30 e O Facho, conforme combinado, apareceu para um curso intensivo na utilização da chinesice GoPro velopática, para além de uma série de dicas de realização que levaram tanto O Facho como a Srª Velopata a comentar que o Velopata devia ter a mania que era um Kubrick das bicicletas.
Tendo procastinado até aos limites da paciência dO Facho, pelas 17:15 um Velopata equipou-se a rigor e nem 17:45 o relógio marcava e já ambos os dois se encontravam preparados à aventura no quilómetro zero da Cicloperegrinação mas não sem que em antes, um último arauto da desgraça se fizesse sentir – novamente os desaustinados cleats iam atirando o Velopata ao chão, após derrapagem na calçada adjacente ao alcatrão onde o Velopata se preparava para posar na primeira de muitas fotos que o dia ia trazer.

Já o Velopata se preparava para engatar o primeiro dos seus marafados cleats, quando o toque do smartphone se fez ouvir.
“Como é? Estás pronto para a grande partida?” – do outro lado da linha, a voz do AAA.
“Ele nasceu pronto.” – retorquiu o Velopata.
“Sais a que horas?”
“Ele ia saír neste preciso momento em que o telemóvel tocou.”
“Epá, mas a partida não era às 18? Ainda falta um quarto de hora. Tu estás bem?”
“Uai, como assim?”
“Então mas tu não andas sempre atrasado?”
“Mas quantas vezes ele tem de dizer que é como Gandalf, O Cinzento e…”
“Bem, pode ser que isso seja um bom presságio. Vá, às seis da manhã estou em Vendas Novas. Faz boa viagem!”
“Obrigado! Até já e boa pedalada para ti também!”
E foi assim que pelas 17:45 do dia 2 de Junho deste ano de Deus Nosso Senhor Joaquim Agostinho de 2018, o Velopata se lançou à estrada para a tentativa de fazer de estalo os 700 quilómetros da Cicloperegrinação.
PS velopático: É provável que muitos de vós se sintam ludibriados, aldrabados e quiçá até injuriados por um Velopata, afinal vós esperáveis uma publicação sobre a Cicloperegrinação e não tudo o que se passou em antes desta. Verdade seja escrita que toda esta moda das prequelas que invadiu a terra da Madeira Sagrada (Hollywood, em cámone), não deixou um Velopata alheio ou indiferente, além de lhe pareceu de uma extrema importância criar uma espécie de enquadramento em relação ao desfecho do que se revelou uma (des)abençoada Cicloperegrinação.
Abraços velocipédicos,
Velopata
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