“Aaaaaiiiii! Socorro!” – gritou a Srª Velopata a uma frequência cardíaca que nem ela sabia ser capaz.
Prostados no sofá diante da televisão que ainda não é smart, o Velopata partilhava com o seu mais-que-tudo rebento Velopatazinho ternurentos momentos com os ensinamentos teóricos munidos de exemplos práticos necessários a vencer uma prova World Tour do grandioso nível que é o Giro, quando aqueles gritos provenientes das profundezas do lar velopático alarmaram ambos os dois.
“Uai, que se passa com a mãe?” – questionou o Velopata.
“Budé budá.” – retorquiu o Velopatazinho.
“Ajuda-me! Vem cá depressa!” – berrou novamente a Srª Velopata.
Num ápice já o Velopata corria, ou melhor, acelerava o passo na direção da voz de sua respectiva (se o Velopata escreve aqui que corre, lá vêm o batraquiame regozijar), apenas para encontrar a Srª Velopata no quarto de dar banho, olhor vidrado na direcção da banheira, espelhando um misto de puro terror com repúdio.
“Por favor, mata isso.” – apontou a Srª Velopata.
“Uai, mas mata o quê?”
“Esse bicho que está aí na banheira que parece aquele cão gigante da Guerra das Estrelas.”
“Qual cão do Star Wars?!?! O Chewie? Mais respeito que O Grande Chewbacca não é um cão, é um Wooki.”
“Não sei nem quero saber, não o quero é na minha banheira!”
Não foi preciso dizer mais. O Velopata sabia que tinha metido o sapato de encaixe na poça, tendo-se esquecido de meticulosamente esmiuçar a limpeza da banheira finda a sua sessão de corte dos apêndices filiformes de véspera.


“Epá, ó Velopata, não me digas que sois mesmo um porcalhão e nem limpas a banheira depois da depilação?” – questionará e muito bem, o querido leitor.
É claro que o Velopata não é nenhum labrego, afinal de contas, já são muitos os anos de convivência do casal velopático e alguns hábitos como o de sempre exagerar, pegam-se e bastam uns quantos pelitos ficarem acomodados a um dos rebordos da banheira e a Srª Velopata trata logo de exacerbar a situação, dando a entender que a banheira se encontrava num aspecto tal que dir-se-ia o Tony Ramos ali ter sido esquartejado.
Agora que chegou o calorzinho primaveril, nada como vestir apenas uns bib shorts, colocar uma jersey por cima e saír a pedalar. Aquela sensação de liberdade que só a bicicleta consegue proporcionar parece exponencialmente aumentada quando levamos apenas uma fina camada de licra a cobrir o corpo, por oposto ao gélido frio invernal onde nos encafuamos em licras gore tex carbon wind stop coiso, quase parecendo ninjas do asfalto.
Observado, registado e anotado pelo Velopata nas muitas pedaladas que ele faz pelo reino dos algarves e arredores, agora que parece ter chegado o Verão (isto das alterações climáticas se calhar até dá jeito), o grande problema reside na blasfema quantidade de pêlo que se vê por aí.
Os ciclistas depilam as pernas.
Isto é uma verdade universal.
Tipo Primeira Lei da Termodinâmica da coisa.
E ainda assim este é um tema controverso no seio do pelotão amador de fim de semana.
É tabu pois com tanta tecnologia no dézaigne de quadros mais rápidos em carbono; daquele que é mesmo só carbono, 100% carbono, totalmente em carbono, full aero carbono, componentes mais leves, mudanças uáifái, rodas em carbono, daquele que é mesmo só carbono, 100% carbono, totalmente em carbono, full aero carbono, e Di+ e coiso… Mas ainda ninguém sabe ao certo se os apêndices filiformes efetivamente afetam o aero ou não de um ciclista. Mal comparado isto até parece a cena do leite – lançamos seres humanos no espaço, temos malta a viver em permanente órbita terrestre (o Velopata até subiu mais em acumulado no ano de Nosso Senhor Joaquim Agostinho de 2017, que oito vezes a distância à E.E.I., diz o Strava), mas não sabemos se beber leite faz bem ou mal à saúde.
Pelo sim, pelo não, o Velopata mantém-se pela bujeca.
Mas em antes de dar início a uma sempre importante dissertação velopática subordinada a esse segredo mantido na obscuridade da mente dos civis, aquela eterna questão do porque fazem os ciclistas e o Velopata a depilação?, vamos primeiro fazer um pequeno exercício de lógica aristotélica simples.
Imaginemos o querido leitor que é solteiro ou divorciado (estado civil que não será totalmente estranho aos enlicrados ressabiados quais aviões do asfalto que acompanham estas linhas), e que vai a uma disco night after hour party rooftop sunset lounge coiso. A noite aquece e depois de muitos gin com legumes conhece um belo exemplar de fêmea; carinha laroca, prateleira sólida e empinada , cinturinha de vespa, ancas indicadoras de gerar progenia forte e saudável, um rabiosque daqueles que parece uma cebola e só dá vontade de chorar.
Ah, e os olhos da moça também eram bonitos.
Seguem-se as trivialidades da conversa de engate, mais gin com mais legumes, e ambos os dois deixam o sunset lounge rooftop after hour coiso para trás, sendo o querido leitor desafiado por este maravilhoso exemplar de fêmea a acompanhá-la até seu lar.
Saíu-vos a sorte grande, não foi?
Cambaleantes de tanto gin com legumes, chegados ao lar da fêmea, ambos os dois resfolegam no sofá, dando início à pratica dos preliminares, quando o querido leitor leva a sua ávida mão de xixa feminina para apalpar aquele belo naco de perna e…
Aquilo é pêlos por todo o lado.
Parece que se está a apalpar a perna do Tony Ramos.
Quão excitado ficaria o leitor?
Pois.
O Velopata já o disse, já o escreveu… As bicicletas também têm sentimentos.
Agora imaginem o que vossas nobres montadas sentem quando dia após dia, semana após semana, mês após mês, ano após ano, são forçadas a ter de suportar a horrível imagem de presuntos não depilados a súar as estopinhas nelas montadas.
Os ciclistas depilam as pernas.
É tipo Lei de Kepler da coisa.
E se dúvidas ainda toldam a mente do mui querido leitor, atente à foto registada circa 1928, durante uma pausa de vários ciclistas numa longa e dura etapa do grandioso espectáculo universal que é o Tour de France, época na qual homens rijos e não-asmáticos lutavam pela maillot jaune;
O grande destaque de fotografia acima não é o facto de as rodas dos velocípedes serem quadradas ou o olhar rijo e determinado de lendas de outrora… Vêm algum pêlo naquelas viris pernas?
Sempre que este fracturante tema é trazido à baila no decurso de uma pedalada ou em momentos de pausa para a bela min no tasco serrano, ao Velopata parecem sempre apontadas duas grandes razões por trás de tanta quantidade de felpudez que se vê no pelotão amador de fim de semana;
- a masculinidade
- o gosto da respectiva fêmea
Vamos desbravar mato (ou neste caso, pêlo), contribuindo o Velopata para vossa iluminação velocipédica, como aliás é uma das razões pela qual vós continuais a regressar a este espaço velointernético.
Se acreditas mesmo que a tua virilidade e masculinidade assentam no simples facto de teres o corpo forrado a pêlo, então o Velopata tem uma novidade para ti – já estiveste mais longe de participar numa daquelas marchas da BCG ou da OCPLP ou lá o que é.
Aquelas marchas onde fêmeas aparecem usando bigode e casaco de cabedal de origem vegan (aquilo é tudo Bloco de Esquerda e defensores dos direitos dos animais), e onde os machos usam sungas com cores arco-íris e casacos forrados a lantejoulas e purpurinas.

Ah, e não nos vamos esquecer do vencedor… Vencedora… Venced… Coiso do Eurofestival da canção;

Portantos se para o mui querido leitor pêlos são um claro sinal de virilidade e masculinidade, isso só quer dizer que há por aí um problema qualquer no armário e não venham com a desculpa que é tudo devido às instruções de montagem que os suecos meteram no pacote.
Depois vem uma das que é reconhecida pelo Velopata como sendo a desculpa mais esfarrapada por todos os que teimam em conspurcar os seus pistons velocipédicos com a abundância de apêndices filiformes – o gosto da respectiva fêmea.
“Ah, a minha Maria não gosta e tal!” – é a resposta que o Velopata já ouviu vezes demais, nunca esquecendo que muitas respectivas têm esse nome de Maria, mas poucas realmente se chamam assim.
Vamos então fazer um teste, no qual o Velopata pede que o mui querido leitor mostre as duas imagens abaixo à sua Maria, pedindo-lhe que escolha a que na sua opinião mais sex appeal tem;
Mas é claro que elas preferem a segunda imagem, não é?
Esta é uma das mais vis mentiras que o fervoroso adepto velocipédico irá alguma vez ouvir da sua fêmea;
“Não faças a depilação porque não gosto.”
Talvez só suplantada pela outra infame mentira com que elas tanto gostam de nos brindar;
“Podes desaparecer de casa durante horas a fio para ires com os teus amigos beber cerveja para o tasco na serra que não tenho problema nenhum.”
Tal como a Srª Velopata mentia quando há largos anos atrás referia não querer que o Velopata adoptasse o corte dos apêndices filiformes dos seus pistons velocipédicos, também a respectiva Maria do querido leitor mente quando diz que o prefere assim, hirsuto.
Deixem a Maria passar a mão pela perna lisinha como se de um bebé de ternurenta idade se tratasse, para depois sentir cada fibra de músculo árduamente ganho a calcorrear montes e serras e vão ver do que é que elas realmente gostam…
Até porque todos sabemos do que elas realmente não gostam… Concorrência.
Chegando aqueles quentes dias veraneantes, o já depilado leitor segue com a sua Maria até à praia amostrando todo o rijo cabedal de suas pernas – o Velopata vos garante que as restantes fêmeas vão sentir o chamamento do macho-alfa lutador e guerreiro do asfalto (ou bêtetista e até batráquio vá…), para além de cobertas de inveja olharem para a vossa Maria. Já os restantes machos presentes na praia vão olhar para as suas proeminentes panças e presuntos por depilar, ficando a matutar onde terão errado no decurso de sua vida.
Claro que também se pode dar o caso de todos olharem para o querido leitor depilado como o fazem para o Velopata por aparentar que sofre de alguma maleita dismórfica; a parte superior corporal tisíca que nem um somali que sofre de bulimia e/ou anorexia nervosa e umas pernas que parecem engravadas em carbono de alto módulo.
Os ciclistas depilam as pernas.
Isto é tipo Lei Fundamental da Trigonometria da coisa.
“Ó Velopata, mas então explica lá porque razão devemos nós começar a fazer a depilação?” – notarão e muito bem os mais assertivos leitores, até porque já chega de bater no ceguinho que, ainda por cima, é um ceguinho felpudo.
A razão, se ainda não perceberam, é só uma.
Porque sim.
Porque os ciclistas depilam as pernas.
Isto é tipo a Lei de Lavoisier da coisa.
Para além de ser inequívoco sinal de respeito para com vossas nobres montadas, respeito para com a milenar tradição velocipédica e respeito para com a qualidade de vossa vida sexual (vamos fingir que não acabaram de lêr isto, certo?), os benefícios de excisar vossos apêndices filiformes são inúmeros, podendo o Velopata enumerar alguns;
- não interessa se o és ou não, ou mesmo o que o Strava diz; quando olhares para os teus pistons velocipédicos depilados a bombar serra acima, vais-te sentir mais rápido;
- não mais ter pêlos arrepanhados e enjarocados por entre fibras quando se veste e despe as licras;
- durante a organização de uma group ride, quem nunca ouviu ou proferiu a desculpa do “Ah e tal, fui pedalar ontem e hoje não posso que ´tou todo assado!”, isso é desculpa que tornar-se-à coisa do passado;
- a fragância pós-pedalada que adquirimos perde alguma da sua intensidade – o súor não se acumula entre pêlo repuxado e licra, permitindo a eficaz evaporação que diz que é para isso que as multicoloridas licras com publicidade a marcas de enchidos servem;
- aquela farfalhudice toda nas pernas realmente mexia com a molécula velopática, não raras as vezes foi a sensação de ter um insecto qualquer preso às pernas; aranhas, gafanhotos, abelhas, vespas, vespas asiáticas, louva-a-deus e tudo o que tenha mais de 4 membros e quitina que mexe com os medos primários de um Velopata.
“Quem é que anda a comer o meu creme para o corpo à colherada?” – a Srª Velopata berrou do interior do quarto de dar banho do lar, claramente indicando que o banho quente só a tinha aquecido ainda mais.
“Hã?” – berrou o Velopata em retorno, colocando novamente em pausa os ensinamentos que só a Volta a Itália consegue proporcionar ao futuro campeão Velopatazinho que acenou;
“Utá Utá.”
“O MEU creme para o corpo levou cá um desbaste…”
Este meus amigos, é o único senão da depilação.
Preparem vossas Marias; no dia em que lâmina, cera quente ou laser ou lazer tocar vossos apêndices filiformes, não mais o macho-alfa enlicrado olhará com desdém para a secção dos cremes, creminhos e cremóides na secção de um qualquer corredor de hipermercado.
Aquele besuntante creme hidratante com mais frutas que muitos sumos, mais legumes que muitos alimentos e Pró-Vitamina B2 com a Queratina da Co-Enzima Q10.
Sim, esse mesmo creme passa a ser o um dos vossos melhores amigos.
Um gajo até se sente mais velocipédicamente alfa quando besunta a musculatura com aquilo depois de uma dura pedalada e um bom banho.
Isto se querem evitar a infecção do folículo piloso que só pela nomenclatura usada dá para perceber que é uma nojice e dado que estas publicações chegam até vós nos arredores do intervalo para almoço…
Isto é que não.
Por amor a Nosso Santo Senhor Joaquim Agostinho e Santo Fernando Mendes, depilação à hamster é que não.
Porque os ciclistas depilam as pernas.
Isto é tipo a Lei de Avogadro da coisa.
Com mais de 4000 anos de história de bichos humanos neste Terceiro Calhau a contar do Sol, até nossos antepassados dos tempos em que as rodas ainda eram triangulares e não tinham evoluído para quadradas, se encontram mecanismos de depilação.

Óbviamente que o Velopata não recomenda esta variante paleolítica de depilação.
Existem opções no mercado para todos os gostos; desde cera quente à máscula evolução do nível mais de topo que é a lâmina de barbear. E o laser ou lazer.
O Velopata era fã da cera quente mas aquilo deve ser com cera em carbono porque deixa a carteira velopática ainda mais vazia e efectivamente a duração da perna toda bonitinha em modo full aero chrono (é verdade que varia de macho para macho), mas o Velopata apostaria aí numas boas duas semanas em que aquilo se aguenta sem ter de regressar à exsudante box. Com a bela da Gillete a duração é a mesma.
Com cera não há é o risco de pulsos cortados, artérias decepadas e pequenos pedaços de bife eviscerados da pele, que é a parte menos agradável da lâmina.
O laser ou lazer, o Velopata acredita que aquilo é claramente um laser ou lazer em carbono porque lá está, a carteira fica bem mais leve.
De resto é creme.
Muito creme.
Mal comparado; se acreditam que o pneu 25″ é mais confortável que o pneu 23″ porque tem mais 1 milímetro de uma borracha esquisita para cada lado – acreditem que a depilação é aí uns quinhentos mil milímetros para cada lado de evolução no que ao conforto respeita em cima de vossos nobres corcéis.
E respeito para com o mais nobre dos desportos.
Não semos só pessoas que andam de bicicleta.
Somos ciclistas.
E os ciclistas depilam as pernas.
É tão verdade universal como a morte e os impostos.
Abraços velocipédicos,
Velopata