Chave Dicotómica para identificação de clientes de lojas velocipédicas – Parte III

Agora que já todos atingimos a marca dos 5 quilogramas de peso excessivo findo o período festivo de Natal e Passagem de Ano, o Velopata termina hoje a sua contribuição para a melhoria da qualidade de vida de todos os que habitam nesse ecossistema que são as lojas de especialidade velocipédica, publicando o final da chave dicotómica que permite a correta identificação de bichos humanos enquanto complicados clientes, cada um motivado pelas suas diferentes inirências velocipédicas.

Com esta publicação encerraremos mais um capítulo e o Velopata não podia senão deixar para o final as várias sub-espécies que raras aparições e fugazes momentos proporcionam no ecossistema velocipédico que é a loja; Batráquios, Urbanos, Eléctricos, Civis Desorientados e Pros.

O Batráquio

(Homo sapiens amphibius)

O Batráquio, ou como o leitor mais facilmente reconhecerá, o praticante de Triatlo, é um raro espécime que furtuitamente é observado no habitat velocipédico, fruto do apertado controlo que as lojas têm para com os baixos valores de humidade do ar, deixando assim as guelras e brânquias do batraquiame à beira do colapso.

Outros factores parecem contribuír para que o Batráquio dedique pouco tempo ao diz-que-disse-que-viu-que-pedalou típico do ecossistema da loja; a prática de semelhante obscenidade a que estes moços e moças anfíbios referem de a parte do ciclismo, requer, para além do treino sobre as suas nobres montadas, fazer o swimming (nadar), e o running (correr)E é aqui que o dono/vendedor/mecânico da loja tem a sua característica identificadora, podendo separar o Batráquio dos restantes bichos humano-velocipédicos que entram na sua loja – o Batráquio é o menos somali dos ciclistas, muitas vezes apresentando até larguras de ombros e braços que roçam o sacrilégio no que se pode e deve ver em alguém que vai montado numa bicicleta.

Cheios de fitness na região corporal acima da cintura, o Batráquio esquece com o passar dos anos a fisionomia correcta que um ciclista que se preze deve sempre apresentar – uma dismorfia física cujo sintoma será pernas mais desenvolvidas e musculadas que a região superior do corpo, devendo esta permanecer com um aspecto tão saudável como um etíope com bulimia.

É importante notar que estas alterações na fisiologia batráquia nem sempre se manifestam na mesma medida durante as várias etapas do ciclo de vida do Batráquio.

Ainda maçarico, pode não ser detentor de um corpo a roçar o Adónis grego ou até ter o total respeito dos restantes machos enlicrados do ecossistema, mas bastará que num fim de semana futuro vença a classificação de uma de entre as muitas categorias que o batraquiame parece gostar de inventar nas suas provas anfíbias, como por exemplo a V30 (que o Velopata não sabe o que indica a letra em antes, mas tem a certeza que 30 indica a categoria dos Gajos com mais de 30 Anos, com uma altura entre os 1.70 e 1.75 metros, residentes na Quarteira), para vermos o Batráquio desabrochar e fazer ouvir o seu coachar pela loja. Essa primeira vitória parece servir de mote à passagem do Batráquio à idade adulta. Atingindo este estado no seu ciclo, o Batráquio transmorfa-se numa espécie de Marcelo Rebelo de Sousa velocipédico, na medida em que reúne o consenso de todos – o Batráquio ou é um gaijo rijo ou então é louco. Ambas as duas hipóteses não são mutuamente exclusivas.

Estes vários estados evolutivos do anfíbio juvenil ao Batráquio maduro podem ser acompanhados não só pelo nível de evolução física da parte superior corporal e respeito pelos páreas da loja, como também ao nível das compras velocipédicas protagonizadas pelo Batráquio.

Nos seus estágios iniciais, o Batráquio apenas tem uma preocupação com a sua montada – se aquilo dá para pedalar ou não e se é legal para utilizar em prova anfíbia. Dá tão pouca ou nenhuma importância à parte do ciclismo que só tardiamente percebe porque razão termina constantemente encarochado; quer pelos seus mais experientes e veteranos colegas de métier no decurso de uma prova, quer quando fugazmente pedala com outros que não da sua sub-espécie, durante o fim de semana.

Por ser o orgulhoso detentor de um cangalho de duas rodas sem motor que aguenta tudo o que o alcatrão lhe atire, o Batráquio juvenil raramente fará visitas de manutenção à loja.

O Batráquio maduro e experiente sabe que isto da parte do ciclismo se resume a uma só coisa.

O aero.

Coincidindo com a entrada na idade adulta, o recém-graduado Batráquio, entretanto já vencedor de uma outra categoria numa outra prova anfíbia, a V30,5 (Gajos com mais de 30,5 Anos, com uma altura entre os 1.70 e 1.75 metros, residentes na Quarteira e divorciados, por exemplo), troca o seu cangalho por uma bicicleta de contra-relógio conspurcando a pobre alma da mesma chamando-a de bicicleta de triatlo.

Que é coisa que não existe.

Troca o simples capacete por um daqueles que parecem saídos de um filme de ficção científica, qual Alien do alcatrão.

Atingindo este ponto evolutivo, o Batráquio praticamente desaparecerá da loja, uma vez que as suas poderosas bicicletas de contra-relógio (as bicicletas de triatlo não existem), nunca chegam a ver T.A. (Tempo de Asfalto), suficiente para estragar o que quer que seja. Com ultra-curtas distâncias de 30 a 60 quilómetros nos seus treinos e provas, salvo esbardalhanço, aquela bicicleta de contra-relógio (as bicicletas de trialo não existem), terá de sobreviver largos anos sem ser vista, avaliada e até mimada por um mecânico profissional. Com tal desrespeito para com a sua bicicleta de contra-relógio (bicicletas de triatlo, onde já se viu?), e como decerto o leitor concordará, vem a Ley de Murphy com tudo e só no dia da prova anfíbia o Batráquio percebe que algo está errado com a sua bicicleta de contra-relógio (nenhuma marca fabrica bicicletas de triatlo, basta verificar qualquer catálogo na internet).

Mas ainda assim vence uma outra categoria, V31; que engloba gajos com mais de 31 anos, com uma altura entre os 1.70 e 1.75 metros, residentes na Quarteira mas que ainda vivem em casa dos pais, por exemplo.

Só nessas mui raras ocasiões, aquando da falha da sua montada destruidora de ventos frontais, o Batráquio é visto na loja.

Ressalva velopática importante; nesta fase o Batráquio pode abandonar por completo a sua presença no habitat velocipédico, fruto do que parece ser um novo acontecimento especiante no que às lojas respeita.

Parece que os Batráquios começam a ter lojas especializadas só para eles.

Se não acreditem no Velopata, vejam bem isto.

Se todos estes sinais de alarme passarem despercebidos ao dono/vendedor/mecânico da loja da especialidade velocipédica, há que nunca esquecer a mais flagrante maleita da qual todo o batraquiame parece sofrer.

Ao contrário do ciclista, cuja divina figura é e sempre será Nosso Senhor Joaquim Agostinho, o Velopata desconhece o fundamento religioso do Batráquio. Parece que tem algo a ver com Homens de Ferro no Hawai dos anos setenta.

Mas como eles gostam de falar disso.

Testemunhas de Batráquio, termo que o Velopata adoptou para categorizar estes valentes moços e moças.

Quais Hélders, Élders ou Elders que pululam por essas ruas portuguesas espalhando lá a cena do Helder, também o Batráquio não deixa uma escapar; tenta sempre converter mais pobres desgraçados ao seu métier. Até crianças e adolescentes, que o Velopata já viu fotos na internet de progenitores anfíbios que tentam converter crias à sua causa. Em tão tenra idade e com total desrespeito pelo facto de que a sua cria pode apenas querer pedalar e não fazer o run, o swim e o triathlin.

No habitat da loja não perdem tempo a espalhar a sua mensagem e boa-nova.

“Podes ser mau mas não precisas de o ser em um só desporto. Porque não em três?” – diz o Batráquio observado in situ.

Para muitos isso é slogan impossível de bater.

E salitre.

As suas bicicletas de contra-relógio (bicicletas de triatlo, agora a sério, isso não existe), vão sempre aparecer na loja ensopadas em salitre.

E por estas linhas o querido leitor já saberá o que pensa o Velopata sobre isso.

Sacrilégio.

Fêmeas batráquias o Velopata conhece muitas. Mesmo desconhecendo o seu comportamento no habitat velocipédico da loja, todas as observações velopáticas presenciadas no asfalto apontam para que sejam umas fofinhas, sabem fazer pandam melhor que alguns Pros (ver esta sub-espécie abaixo), e o Velopata não escreverá mais o que quer que seja pois não deseja que nenhuma interprete mal a escrita velopática, sentido-se ofendida.

Até porque o Velopata não é parvo.

O Urbano

(Homo sapiens commutum)

Commuter.

Que faz o commuting.

Que é o gajo que pedala na cidade, de um lado para o outro, parecendo efectuar o trajecto casa-trabalho-casa recorrentemente, montado na sua bicicleta.

É a cena dos bifesismos anglo-saxocámonices que o Velopata já explicou.

A milhões de anos-luz de distância que este canto à beira-mar plantado se encontra de países como a Holanda, a Dinamarca, outros também a Holanda e ainda a Dinamarca, no que à utilização da bicicleta como meio de transporte respeita, em Portugal, o commutercoiso continua a ser observado pelos seus conterrâneos bichos humanos e principalmente pelos defensores do lobby enlatado, como uma de três opções;

1- é um bêbedo;

2- é um tóxcoindependente;

3- é pobre.

Que bêbados, tóxcoindependentes e pobres são quem mais recore à bicicleta como meio de transporte, tal é uma infeliz verdade no alcatrão portuga. A boa notícia é que existem ainda uma quarta e quinta variedades urbanas, desconhecidas por muita dessa pequenez enlatada; o gajo que faz o commutingcoiso na cidade e os estrangeiros lá de fora; ambos os dois convencidos que a bicicleta é o único meio de transporte que faz sentido se queremos deixar um planeta ligeiramente melhor do que aquele para onde parecemos ir lançados, cheios de vontade de querer brincar às extinções em massa.

Enquanto os condutores de enlatados estão convencidos que estas duas elites guerreiras não passam de um mito e que desistem às primeiras chuvadas (que curiosamente vêm os seus regimes alterados graças à poluição enlatadamente produzida), já os restantes páreas da loja velocipédica olham para este tipo de ciclistas como uma espécie de Che Guevara das bicicletas.

Apesar de muito raras aparições no habitat velocipédico da loja, o commutercoiso que pratica o commutingcoiso, é simples e rápido de identificar; óbviamente que se escreve sobre moços e moças que não entram pela loja envoltos em multi-colorida licra com ainda mais colorida publicidade a uma marca de enchidos qualquer.

Que é uma pena, principalmente no caso das fêmeas.

Fêmas envoltas em licra colorida com ainda mais colorida publicidade a enchidos escrita no corpo dá trocadilhos geniais.

Nos três primeiros casos expostos; o Urbano bêbedo entra na loja por engano ao confundir o cheiro a carbono e resina com aquele perfume que a sua respectiva mulher guardava em casa, entretanto já emborcado para matar o vício alcóolatra. Nesse dia entrou na loja a ressacar à grande e com os sensores olfactivos já há muito aniquilados pelo alcóol, foi incapaz de distinguir resinas de carbono de alto módulo de Yves Saint Laurent Chanel Dolce Gabana Number 2.

(Nota velopática: para futuros estudos o Velopata propõe a realização de um ensaio clínico com a tentativa de perceber, porque adoram os bêbedos bicicletas? Se o querido leitor duvida, siga o seguinte protocolo e constatará o óbvio; junte um grupo de bons vivants e mande-os com tudo pago para uma bela sessão de copofonia pelos bares, barzinhos e tascas da Baixa. Estes bons vivants não poderão de modo algum ser adeptos de ciclismo. Lá pelas 05 horas da madrugada procure-os enquanto seguram aquele outro amigo pândego que já vomita para cima de um enlatado qualquer (justiça divina?), numa ruela escura. Leve uma bicicleta e o Velopata garante que o gajo mais bêbedo que lá estiver vai ser o primeiro a pedir para dar uma voltinha – parece existir claramente uma atração, um elo evolutivo perdido entre o bêbado e a bicicleta.)

tóxcoindependente pode lá entrar por inúmeras razões, não se devendo esqueçer que isto é malta que pode entrar com a maior das mocas, a Mãe de todas as Mocas, logo razões como este cliente entrar pela loja em pânico por estar a ser perseguido na N125 por um gigante gafanhoto côr de rosa se tornam válidas. (In)felizmente o que a maioria dos tóxcoindependentes fazem quando avistados no ecossistema velocipédico é tentarem vender bicicletas e material… Roubado.

Há um lugar especial no Inferno para os ladrões de bicicletas. Ponto final parágrafo.

O pobre, por razões óbvias, nunca é visto nem nunca o será no interior de uma loja de bicicletas. É mais fácil encontrar o pobre a pedalar numa bicicleta sem pineus, mudanças, cassetes, desviadores e corrente carcomidas pela ferrugem dos dias e com os tubos do quadro da bicicleta presos por fita adesiva, do que numa loja da especialidade.

Ocasionalmente alguns turistas (maioritariamente estrangeiros lá de fora), podem ser vistos nas lojas de bicicletas, o problema é que vão lá uma vez para nunca mais regressar. Dentro do grupo de estrangeiros lá de fora, o Velopata já viu por aí pedalarem belas beldades em belas pasteleiras montadas, sugerindo a existência de um estrangeiro lá de fora diferente do primeiro, a estudante de Erasmus.

Aquilo é uma imagem que deixa qualquer macho bem-disposto logo pela manhã.

A aparente diferença detectada nestes dois sub-grupos da sub-espécie da sub-coisa, são as idades. O estrangeiro lá de fora que é turista – é velho; aplicando-se grande parte do que já foi referido para o Velho versão vulgaris, dado que os Velhos são iguais em todos os cantos e recantos deste planeta.

A estudante de Erasmus…

É boa.

O problema com este tipo de clientela advém do que já foi referido para o Velho; são excelentes clientes para vender material em desuso há uns 20 anos, e a estudante de Erasmus nunca lá colocará um único pé pois durante as horas a que as lojas funcionam, encontra-se a estudar e em aulas, ou está a ressacar da anterior véspera noctívaga de copofonia.

A curiosidade que o Velopata observou é a união entre commutercoisos e estudantes de Erasmus no que à sua montada diz respeito. São elas e eles os verdadeiros Urbanos desta equação, partilhando uma apetência para quadros e bicicletas provenientes da Sporthathlon ou outro supermercado, hipermercado e minimercado qualquer.

Parece caír sobre o commutercoiso que pratica o commutingcoiso, a pesada herança de ser o único representante da troupe urbana a honrar com a sua presença a loja da especialidade velocipédica.

O que move um Urbano a uma loja da especialidade velocipédica?

Desconhecimento e sentido de aventura.

O Urbano sabe que aquelas lojas com absurda e brutalmente caras bicicletas na montra também vendem outros modelos. Desconhece é que não são absurda e totalmente caras… São só muito caras. Mesmo as desenhadas para o dia-a-dia e guerrilha urbana ao jugo opressor tirânico do enlatado.

Eles vão aparecendo aos poucos nas lojas; alguns perdem-se e metem-se nisto do mundo do ciclismo, outros continuam só a sua árdua labuta diária. Para eles o Velopata só tem duas palavras; respect!

O mais difícil quando se lida com o Urbano é mesmo ter de meter uma bicicleta do supermercado a funcionar a cem por cento. Pelo menos durante dez minutos.

O Eléctrico

(Homo sapiens blasphemum)

O que levará um macho ou fêmea plenamente capaz das suas funções psicológicas e biológicas a optar por um veículo carbonatado com duas rodas… Com motor?

Estas não serão as instâncias corretas para debater sobre bicicletas eléctricas, as ebikecoiso, oportunamente o Velopata escreverá; ao que ele conseguiu apurar, o lado negro do ciclismo parece estar a fazer as suas primeiras investidas no seio da Divisão Velopata e isso só pode significar uma coisa; vem aí escândalo velocipédico bloguístico.

De preferência com trocas de e-mails que diz estar na moda.

Nesta recentemente especiada sub-espécie que é o Elétrico, o Velopata não pode descartar observações que apontam para duas identidades distintas de Eléctricos.

As pobres almas que sofrem de alguma maleita física, impeditiva ao nobre acto de pedalar.

E os parvos.

Um moço com 90 anos é apanhado em fuga do lar da terceira-idade porque deseja ardentemente ir comer a bela da sandes de presunto e buber uma min ao tasco na serra com os amigos, que por acaso até são todos ciclistas. O cota precisa de uma bicicleta que lhe permita fugir às enfermeiras para além de poder ser acompanhado por alguma roda amiga – uma bicicleta eléctrica fará todo o sentido porque naquela idade qualquer um de nós adeptos desta mui nobre modalidade vai precisar de ajuda para pedalar qualquer inclinação de 0,00005% no alcatrão.

É lógico. Faz sentido.

Ou se o indivíduo em questão for obe… Gordo. E quiser começar a endireitar vida e a coluna.

Ou se sofrer de uma má-formação congénita no ventrículo em geral e cardiovascular em particular.

O leitor já percebeu.

Nestes casos o mecânico da loja deve estar pronto a qualquer emergência. Aquelas bicicletas eléctricas vão passar um mau bocado sob stress mas têm a sua razão de existência.

Depois há… Os parvos.

O Velopata continua sem encontrar justificação que valha para o facto de um bicho humano saudável no pleno das suas funções ser capaz de optar por conspurcar tão belo engenho humano que é a bicicleta, desvirtuando-a com a inserção de um motor, qual E-Frankensteinbikecoiso. É simplesmente errado.

É que nem com a constante gozação e contestação dos restantes párias do ecossistema velocipédico, o Eléctrico se enxerga. Quando perante um Eléctrico destes e a loja pode e deve ter o direito de o escorraçar enquanto não optar por uma bicicleta de homem.

Por estas e por outras, depois querem que um Velopata tenha fé na humanidade…

Fêmeas eléctricas.

Temos que promover o uso da bicicleta entre o público feminino. Qualquer desculpa que as coloque num selim deve ser ponderada e aplicada caso se justifique. Necessitamos de mais fêmeas nas estradas.

Lá está, o Velopata não é parvo.

O Civil Desorientado

(Homo sapiens vulgaris)

“Olhe, eu queria uma bicicleta?” – questionava o Civil Desorientado que pela loja entrou, observado in situ velopaticum est.

“Que tipo de bicicleta?”

“Como assim que tipo de bicicleta? Quero uma daquelas com pedais e duas rodas. Ah! Ah! Ah!” – o Civil Desorientado tenta quebrar o gelo lançando  uma piada parva e desprovida de conteúdo.

“Bem, quer pedalar na estrada ou no mato?”

“Quero uma com suspensão!” – diz um determinado Civil Desorientado.

“Pois claro, é para pedalar no mato então.”

“Não, o que eu devo fazer mais é andar nas estradas.”

“Então para que quer a suspensão?”

Esta última observação do vendedor da loja gera um monumental erro grave no cérebro do pobre Civil Desorientado que, não sabendo o que responder a seguir, opta por mudar de assunto;

“Então mas mostre-me lá aí o que tem de bicicletas!”

“Olhe, tenho aqui uma espectacular que chegou há uns dias. Um quadro Ballistek Nano Aero Carbon Space Star Neo Nano Cosmic Elite Pro da BH, full Dura-Ace Di3+.”

“Qu´é isso?”

“Desculpe?”

“Isso do full? Qu´é isso?”

“Ah, sim. Full Dura-Ace Di3+ é o novo sistema de mudanças integradas electrotécnicas da Shimano, full só significa que toda a bicicleta vem com componen…”

“Então e isso custa quanto?” – o Civil Desorientado interrompe o vendedor.

“Esta é um excelente negócio. São doze mil euros.”

Os tintins do Civil Desorientado em pânico batem continência, o esfíncter contrai-se em terror. Ele só quer uma bicicleta daquelas a pedais e com duas rodas. Então mas ele desloca-se até ali porque lhe foi dito que uma bicicleta é o meio de transporte mais barato e afinal pedem-lhe o equivalente a um enlatado?

“Epá, não me diga que não tem aí nada mais em conta.”

“Uhm… Deixe-me pensar… Tenho sim. Olhe este quadro Super Ballistek Nano Aero Carbon Space Star Neo Nano Cosmic Elite Pro da BH, só que toda em Ultegra. Esta já vem com umas belas rodas da Hiper Ballistek Nano Aero Carbon Space Star Neo Nano Cosmic Elite Pro, também da própria BH.”

“A Ultegra vem toda em quê?”

“É boa bicicleta.”

“Ah, bom, parece-me mais em conta sim. E tem uma côr bem bonita. Quanto é?”

“Sete mil quinhentos e noventa e oito euros e 24 cêntimos.”

 

(silêncio desconfortável enquanto o esfíncter do Civil Desorientado percebe que já não tem para onde fugir)

 

“Vou-lhe ser honesto. Eu procurava algo mais na casa dos 200 a 250 euros.” – finalmente o Civil Desorientado explica a sua noção de realidade enquanto observa boquiaberto os muitos zeros colocados à direita nas etiquetas das várias bicicletas em exposição.

“Uhm… Pois… Você não quer uma bicicleta então …”

“Ai não?”

“Não. O que você procura é um andaime chinês com rodas e disso nós não vendemos.”

E assim o Civil Desorientado abandona a loja com um esfíncter e a carteira violentamente traumatizados pela horrífica experiência. Se alguma vez voltar a equacionar comprar um velocípede para dar três voltas, perceber como aquilo é difícil e cansativo para posteriormente deixá-la apodrecer na sacada, certamente comprará a sua nobre montada no supermercado. Ou na Sporthathlon.

E é verdade.

O Velopata certa vez também levou com uma resposta semelhante de um vendedor de uma loja da especialidade velocipédica. Óbvio é que o Velopata não procurava uma coisa que se chamasse de bicicleta por 250 eirios, ele tinha essa noção, mas ficou o registo.

O Velopata acredita existir ainda esperança para o Civil Desorientado. Com a correta motivação e percebendo que o que aquele moço quer é um cangalho para andar à bulha por um lugar no alcatrão, ele não quer saber de carbonfull carbon ou aerocarbon. Os donos, vendedores e mecânicos das lojas aqui podem e devem ajudar nesta árdua tarefa que é educar uma sociedade a respeitar a bicicleta como o mais belo transporte alguma vez produzido pela humanidade e conduzir o Civil Desorientado rumo à glória, nirvana e karma velocipédico.

As fêmeas Civis Desorientadas não entram nas lojas de bicicletas.

A profissão de dono/vendedor/mecânico não é assim tão privilegiada quanto pensam.

O Pro

(Homo sapiens profissionalum)

Um Pro na loja, dia santo na loja!

Se o ditado popular não é assim, devia ser.

Abençoada é a loja fugazmente visitada pelos Pros do pelotão nacional, internacional e coiso. São venerados por todos na medida em que é preciso ter-se muita coragem e nenhuma noção de realidade para escolher este desporto como profissão. Receber salários abaixo do mínimo e a recibos verdes, mal ter dinheiro para saír de casa dos pais, passar fome e ainda ter de pagar do seu próprio bolso para ter material para competir, como não invejá-los?

A loja tem de tratar e mimar o Pro pois quando este fala, é lei.

Se o Pro disser que a travessa do sapato de encaixe que usa é aquela nova Nano Aero Power Space Foil Carbon e que os seus resultados de testes do FTP do lactato anaeróbio melhoraram após um aumento de 0,0005% na rigidez do conjunto… No dia seguinte a loja estará de stock esgotado, tornando-se o maior importador e distribuidor nacional dessa travessa para sapatos de encaixe.

O Pro é o melhor amigo da loja e vice-versa.

Só melhor que um Pro é a loja poder caír nas graças de um Ex-Pro.

Cujo primeiro nome seja algo como Vítor e o último Gamito.

Se ele disser, escrever, filmar ou ousar sequer pensar sobre o último modelo de pedaleiro da Rotorcoiso que já deixou o obsoleto pedaleiro oval para trás – a nova tendência é o pedaleiro triangular, nas semanas seguintes a essa sua publicação o pedaleiro irá esgotar no mercado.

pedaleirotriangular
O novo modelo de pedaleiro da Rotorcoiso apresentado em primeira mão só aqui no Blog do Velopata. Atentem aos pormenores de decoração vintage com que a Rotorcoiso nos presenteou.

O Ex-Pro mais não é que uma espécie de Dalai Lama velocipédico.

E todas as lojas deviam ter uma estátua do seu Ex-Pro local à porta.

Agora imaginem uma estátua de uma Ex-Pro à porta da loja. Digam lá se o Velopata não tem boas ideias?

O problema é que à semelhança da Srª Velopata, as restantes fêmeas do bicho humano aparentam uma maior noção de realidade e maturidade, já percebendo há muito que essa vida de Pro não se deseja a ninguém.

 

Termina assim o tempo de antena velopático dedicado aos muitos tipos de clientes de uma loja da especialidade velocipédica. Com certeza já muitos se sentirem ofendidos e ainda bem. É sinal que o Velopata acertou na mouche.

Até porque o Velopata necessitaria de estudos mais aprofundados e observações in situ para formular as suas teorias, (in)felizmente ele tem mesmo é que ir treinar e tomar conta do seu Velopatazinho que os muitos quilómetros que têm pela frente não se fazem de pineus vazios.

Seria fácil ainda escrever sobre o Especializado (Homo sapiens specialicoisum), viciosos ciclistas que acreditam que por ser dono de uma Specialicoiso estão acima da restante concorrência de fim de semana, ou ainda sobre os Ultras, a sub-espécie à qual o Velopata, um dia quando fôr grande, quer pertencer.

Os Ultras têm tudo para ser também eles dos melhores amigos das lojas.

“Levo então estes Vittoria Rubino Pro de 25 e para a semana logo te digo o que achei.” – referiu o Ultra que por acaso até é o Velopata, ao saír da loja deliciado com as novas sapatilhas da Estrela Vermelha.

Na semana seguinte, precisamente sete dias depois, lá estava o Velopata à porta do nobre estabelecimento;

“Gostaste dos pneus?” – questionou o mecânico que para agora não interessa que fosse o Pantera da G-Ride.

“Sim, mas tens de os trocar.”

“Então?”

“Estão carecas.”

“Estão carecas? Como assim, carecas?

“Parecem um Krishna ou Budda ou lá o que é. Estão assim de carecas.”

“Mas meti-os na semana passada. Isso não devia dar aí para uns dois mil quilómetros ou mais?”

“Quantos é que achas que ele fez esta semana?”

Isto é mais ou menos o sonho molhado de um Velopata, trocando o Pantera, claro, por uma gaija boa na mecânica.

Até porque o Velopata não é parvo.

Mas fica sempre a esperança que esta sua gentil e humilde contribuição ajude todos a uma melhor e sã convivência.

Menos para os Eléctricos.

Aqueles, os parvos.

Tratem-nos mal.

 

Abraços velocipédicos,

Velopata

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s