Chave Dicotómica para identificação de clientes de lojas velocipédicas – Parte II

Esse Natal, época festiva que à semelhança de outras é velocipédicamente cognominada de época de engorda, foi bom?

Muitas prendas boas no sapatinho de encaixe?

Mimaram as vossas máquinas, fiéis montadas, corcéis de carbono de alto módulo?

Claro que sim, o Velopata nem espera outra coisa de quem gasta o seu precioso tempo neste nosso recanto velochalado.

Hoje seguimos com a análise à sub-espécie do bicho humano, qual primata com ainda menos pêlo que a restante população geral, os clientes de uma loja da especialidade velocipédica, também conhecida como o Salão de Cabeleireiro de viris machos enlicrados (piada gentilmente roubada a um dos melhores mecânicos do mundo e talvez até do Algarve, com quem o Velopata tem o prazer de privar).

O Ali Bay

(Homo sapiens candongum)

De todas as sub-espécies até agora descritas, o Ali Bay é aquela cuja especiação tardou, parecendo acompanhar a tendência evolutiva dos negócios online, expoente máximo da evolução tecnológica no que à candonga respeita.

Não importa se o Ali Bay é um moço rico, remediado, sobrevivente ou pobre, nas suas origens não parece existir uma motivação orçamental que justifique o facto de este ser o pior tipo de cliente que pode entrar pela porta de um mui venerável estabelecimento velocipédico.

Identificá-los pode parecer difícil em primeiras instâncias e só aquando da sua segunda visita à loja, o mecânico ou vendedor poderá ter certeza que se encontra na presença de um Ali Bay, no entanto, todos possuem modus operandi semelhante:

1 – dirigem-se à loja procurando determinado artigo;

2 – pedem para ver o artigo, inspeccionando-o e rasgando largos elogios ao material; estrutura das resinas, o aero, etc;

3 – quando o vendedor acredita ter o negócio fechado, eis que o Ali Bay vira costas e sai da loja de mãos a abanar;

4 – no habitat que é o seu lar encomenda o artigo na internet;

5 – com  a maior cara-de-pau e sem-vergonha, o Ali Bay retorna à loja pedindo para montar o artigo adquirido na sua bicicleta enquanto refila por acreditar que o estão a roubar, soltando a sua indignada ira nas redes sociais por acreditar que esta malta das lojas mais não são que uns ignóbeis chulos por lhe cobrarem o valor em eirios da mão-de-obra.

Encontram-se dois tipos de Ali Bay por detrás dos monitores deste terceiro calhau a contar do Sol. Em menor número encontram-se os Ali Bay que adquirem o seu material em prestigiadas lojas online, onde os descontos e preços relativamente mais baixos abundam. A outra sub da sub-espécie de Ali Bay, mais abundante, é a mais preocupante – encomenda tudo o que foi ver à loja… Só que em versão contrafeita e de qualidade chinesa que até escrever a palavra dúbia se revela tarefa difícil para o Velopata.

Acreditando que as marcas de bicicletas cobram balúrdios apenas pela simples introdução dos seus autocolantes num determinado artigo, o Ali Bay convenceu-se que um qualquer artigo fabricado por uma prestigiada marca numa fábrica perfeitamente legal, é de qualidade idêntica ao artigo que é fabricado em crabone nas traseiras de um barraco no Bangladesh pelas mãozinhas de crianças de 5 anos, sem qualquer tipo de controlo de qualidade, respeito pelas normas e testes de segurança ou valores humanos.

Fora do perímetro de uma loja e consulta de sites que roçam a legalidade do transaccionável (e pôrno; o moço é viciado em tudo o que é coisas da internet, usando as infindáveis buscas por pechinchas velocipedícas como desculpa para ver o pôrno), quando encontrado no alcatrão no decurso de um Critério do Tasco (Criterium du Tasque, em avec), o Ali Bay desta qualidade é o pior moço a seguir na roda. É um perigo iminente, uma catástrofe que aguarda o seu inoportuno momento; só ele parece não ouvir aqueles perigosos cracks e criks e schlocks que surtem da sua bicicleta enquanto pedala – esse guiador de 5 eirios em full aero crabone pode parecer idêntico ao outro de 450 eirios, full aero carbono, mas há uma razão para tal – essa pôrra partir-se-á em menos de nada e depois não poderás trazer seja quem fôr à responsabilidade de te pagar, quer os pregos em carbono para a clavícula fracturada em três sítios diferentes, quer a dentição nova.

Estudos efectuados pela NASA junto da comunidade Ali Bay parecem corroborar a existência de uma nova grandeza física; o C.E.C., que não mais é que o Coeficiente de Esbardalhanço da Chinesice, cujo valor pode ser utilizado no cálculo do número de dias de treino que aquele componente aguentará até que o Ali Bay veja a sua fiel chinesice quebrar, semeando o caos, carbono amassado e membros decepados na group ride, sendo que estes membros decepados podem parecer exagero velopático mas acompanhe o raciocínio querido leitor, imagine uma destas chinesices equipada com travões de disco que não japoneses, italianos ou amaricanos

Há ainda a questão humanitária, à qual o Ali Bay parece completamente alheio, a grande diferença entre estas fábricas da especialidade e o barraco no Bangladesh – nas fábricas oficiais das marcas, a outra inocente alma de 5 anitos de idade que fabrica as nossas máquinas e componentes pelo menos não é forçada à labuta com base em bordoada no lombo. Pelo menos não naqueles dias em que se recebem VIPs, repórteres, vistorias ou inspectores desses chatos das ONUs & Companhias na fábrica oficial da marca.

Que também é um barraco sim, só que não no Bangladesh.

Myanmar. Que é a última moda no que à mão de obra escrava diz respeito.

Uma característica que o Velopata sugere para futuras dissertações é a aparente tendência que a sub-espécie Ali Bay parece possuír para determinadas marcas de bicicletas… Canyoncoisos, Chinarellos e Spechinalized. Resta agora aguardar que outros estudiosos do bicho humano avançem com suas propostas.

Mulheres e tecnologia…

Não existem fêmeas Ali Bay salvo se as suas compras velocipédicas forem geridas pelo respectivo macho. Aí podem encontrar o casal, não na loja, mas nas camas número X e Y de um qualquer estabelecimento de cuidados de saúde.

O Carocho

(Homo sapiens agarradus)

Do mesmo modo que os tóxcoindependentes rondam parques de estancionamento públicos em busca da milagrosa moedinha que permita matar o vício, também os Carochos da ordem velocipédica rondam incessantemente a loja com um só pensamento.

Conseguir o desconto.

Morfológica e fisicamente, ambos os dois tipos de carochos acima descritos são de difícil diferenciação; magros que nem um equino que puxa carroças ciganas, tom de pele meio-icterícia, meio-anorexia nervosa, dentes amarelados de tanta barrinha de energia consumida, isto quando tem a sorte de ter a dentição ainda completa. Lábios gretados pelo sal e Sol, um andar estranho; fruto das quatro fracturas expostas de clavícula e um guiador que lhe atravessou a perna mas tal não são mais que meros efeitos secundários das muitas horas no selim.

Quando entra na loja, à primeira vista o Carocho engana e aparenta ser um Ali Bay maturo que graças ao incansável trabalho do fisioterapeuta e terapeuta da fala que o acompanharam nos últimos meses, finalmente percebeu a diferença entre carbono e crabone.

Ou não, dado que essa é outra das pujantes qualidades do bicho humano; parece insistir no erro, esperando resultados diferentes. E se o querido leitor dúvida; explique a subida dos movimentos de extrema-direita fascizóide e jericóide que crescem e abundam por essa Europa fora, quando ainda temos sobreviventes que carregam na pele as marcas da II Guerra Mundial.

Adiante.

Sendo magro e cheio de fitness, o Carocho é detentor de um elevado portfolio de amizades sociais que de modo geral, pouco ou nada percebem de ciclismo. É ver chover os likes e emojis de força e destreza quando publica aquela sua volta de 70 quilómetros planos com espantosas médias de 20 km/h. Por ser um exímio emborcador de mins bujecas nas várias paragens do Grande Prémio do Tasco (Grand Prix du Tasque, em avec), curiosamente não pagando uma única rodada porque é um privilégio que outros lhe devem, o Carocho muitas vezes contará aquela célebre história em como foi o único a não se esbardalhar quando finalmente terminaram mais uma edição do Raid do Tasco com um elevado nível de sangue no álcool.

Analisando as motivações que movem semelhante bicho humano, rapidamente se percebe que na sua perturbada mente, o Carocho acredita que a exposição que poderia fornecer à loja, seria de um magistral retorno. É um dever quase obrigatório da loja patrocinar semelhante Adónis grego e apenas a persistência dos donos, vendedores e mecânicos das lojas o fará mudar.

Mudar de poiso, pois o Carocho está tão consumido pelo seu vício de glória socialite que levando a monumental nega da loja, procurará outra, conspurcando o bom nome da primeira sempre que surja o mote – é o Carocho a ressacar.

Também entre os Carochos, estudos parecem apontar para a existência de uma outra ordem carocheira, identificados pelo seu diferente modus operandi:

“Epá isso é um bocado puxadote para mim.” – afirma o espécime Carocho desta observação social in situ velopática.

“Pois, quatrocentos e cinquenta euros por um aperto de espigão é puxado, sim. Mas olha que esta marca é mesmo muito boa, tipo as resinas que usam são desenvolvidas em parceria com a A.E.I..” – o vendedor mostrava o aperto de selim, fazendo-o reluzir enquanto enfeitiçava os olho do pobre coitado Carocho.

“Que é isso, A.E.I.? É uma nova maneira de choque térmico às resinas do carbono?”

“Não. A.E.I. é Agência Espacial Internacional.”

“Ah… Ainda assim pá. É muito. Não consegues dar um jeitinho?” – Carocho a jogar a rede.

“Sabes quem dá jeitinhos?”

“Uma facilidadezinha. É que esse espigão é mesmo bom negócio.”

“Quem não me dá facilidadezinhas nenhumas é a minha mulher.”

“Uma ajudinha?”

“Uma ajudinha preciso eu para pagar as aulas de ballet da minha filha.”

“Man, eu levo a cena se tu me deres um empurrão.”

“Quem me pega de empurrão são os senhores da EDP.”

“Sócio, só uma achegazinha.”

“Se és sócio tenho aqui umas facturas de óleos de suspensão que podes dar uma vista de olhos.”

Isto é o Carocho a ter uma bad trip.

Fêmeas Carochas, o Velopata viu uma.

Uma vez, no granfondue promovido no reino dos Algarves pelo homem que discursa lei no espaço velocipédico televisivo que é a Eurosport, o comentador Paulo Martins.

Bicicleta toda em carbono, mesmo só carbono, daquele que é 100% carbono, full aero carbono, totalmente carbono, componentes de topo, imaculado equipamento de uma qualquer loja apoiada por uma renomeada marca de enchidos, um mimo para os olhos era aquela imagem de uma fêmea montada numa bicicleta.

Era tão magra que os tubos da Estrela Vermelha tinham maior espessura.

E desancou o Velopata pelo Malhão acima.

Tal singular observação dever-se-à mais uma vez ao facto de o bicho humano se encontrar dividido em machos e fêmeas. Se a fêmea se revelar do tipo helicóptero, gira e boua, não haverá dono de loja que não a queira paitrocinar, evitando assim caír no deplorável estado velocipédico acima exposto.

O Turbinado

(Homo sapiens salbutamolum)

Ninguém conhece o Turbinado.

Só entre eles, com estreitas relações de confiança e códigos secretos de silêncio, os Turbinados se dão a conhecer. Fruto das inúmeras observações científicas velopáticas, é possível enumerar um reduzido número de características que permitem a sua identificação.

No ecossistema da loja velocipédica, o Turbinado é um moço que evita dar nas vistas, deixando a glória e admiração de todos ser levada pelo Campeão Ressabiado e alguns Carochos, apesar de também ele ser um maestro no que à distribuição de carochas durante o fim de semana, na Maratona do Tasco (Marathon du Tasque, em avec), respeita. Humilde por excelência e detentor de uma bicicleta média, o Turbinado de tudo faz para que as atenções sobre si não assentem. A sua necessidade de secretismo é tanta que possui um perfil privado no Strava e raras foram as vezes em que foi visto a pedalar acompanhado.

Nas suas modestas aquisições velocipédicas, o Turbinado é o moço que mais do seu tempo dedica à análise da informação nutricional e ingredientes das barras energéticas, bebidas isotónicas, hipertónicas e hipotónicas, terminando sempre a optar por barras de energia cujo sabor lembra desperdício nuclear de Almaraz. Este é o melhor cliente no que à suplementação diz respeito; bêcêásglutaminosiomidasglutamiosinasglutamasiominas, proteínas úeí, se existir pó ou comprimido à venda numa loja velocipédica, ele terá a qualquer momento duas caixas em casa.

E é aqui que o Turbinado deixa a sua máscara caír sobre o alcatrão.

Certos tipos de conversas aparentam uma qualquer espécie de proibição no interior do habitat velocipédico, sendo o mais alto nível de secretismo atribuído às conversas sobre xaropes para a tosse. Que até é coisa que esta malta não sofre.

Quando tal famigerado tema surge, o Turbinado é o primeiro a saltar e defender, com unhas e dentes, Aquele-Cujo-Nome-Não-Se-Diz. Que foi e será sempre um dos melhores ciclistas da história.

E assim, o Turbinado se descose.

Assim, ou caso o encontrem repetidas vezes no outro habitat onde passa grande parte do seu tempo pré ou pós-velocipédico.

A Farmácia.

Esse nobre estabelecimento de venda de drogas legais e testadas que são as farmácias, é claramente o outro local deste nosso querido terceiro calhau a contar do Sol onde as concentrações de Turbinado ocorrem acima da média, e se o querido leitor tem dúvidas, atente à seguinte constatação que o Velopata teve o prazer de descobrir através de um seu comparsa de pedalada que tem um amigo que tem um primo que é sobrinho da mulher que é Farmacêutico e sabe que neste momento, 3 semanas após a descoberta de uma elevada percentagem de asmáticos no pelotão World Tour – as farmácias de Portugal e arredores estão com dificuldades em providenciar Salbutamol aos infelizes asmáticos civis, uma vez que os stocks estão a ser depletados por Turbinados em busca… Daquela veia velocipédica.

Se algum dia houver em que o Turbinado se veja a mãos com um copo para onde urinar, para além de a sua urina só poder ser armazenada em três copos, uns dentro de outros, uma vez que armazenada num só copo o plástico derrete,  também é certo que a maquineta que procederá à analise anti-xarope dessa urina vai obter de resultado um enorme ecrã azul com o famigerado system fatal error crash – a pobrezinha não está calibrada para tamanha quantidade de sangue nos químicos.

Com certeza o leitor já terá percebido que o Velopata escreve sobre os enxaropados do nosso querido pelotão amador. Porque razão um macho adulto, com crises de meia idade que adora ver os seus presuntos depilados enrolados em licra, tomaria doses cavalares de químicos para gado ovino, bovino e asinino, quando o único prémio que o aguarda é uma min e uma sandes de presunto?

Talvez seja por isso que o número de fêmeas Turbinadas é desconhecido para a comunidade científica. As fêmeas do bicho humano são conhecidas pela sua apetência para gostos mais requintados e uma simplória sandes de presunto acompanhada pela bujeca talvez não se revelem como prémios merecedores do seu sagaz intelecto.

Até porque Turbinada só há uma.

Ana Malhoa.

Que o Velopata gosta muito dos videoclips, só que com a televisão em mute.

 

Abraços velocipédicos,

Velopata

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