O Velopata gosta muito de contribuír, como quem contribui mesmo, e quem o conhece poderá certamente confirmar; numa group ride o Velopata participa sempre com a sua dose de sofrimento ao vento, fica para trás certificando-se que os encarochados atrasados encontram nele uma roda amiga e um porto de abrigo para a sua miséria velocipédica, entre outras características que fazem do Velopata uma espécie de Gustavo Santos das binas, só quem em homem, em bom e com menos feng shui, se bem que o Velopata prefere sempre Mi Fan de vegetais.
Assim não será estranho ao fiel seguidor deste marafado espaço velointernético, que hoje o Velopata chegue até vós com mais um espectacular artigo, dedicado a quem tanto labuta para nos manter felizes e sorridentes enquanto calcorreamos quilómetros por essas serranas paisagens fora, montados nas nossas máquinas de duas rodas sem motor.
As lojas de bicicletas.
E não.
Esta publicação não é de modo algum uma desesperada tentativa de conseguir descontos juntos das lojas no Centro do Universo Velopático Conhecido, apesar do Velopata ter equacionado os vários miminhos e prendas que as suas montadas tanto merecem.
Fruto dos muitos anos que passou atrás de um balcão, lidando com todo o tipo de bichos humanos dotados; mestres em má-educação e selvajaria geral, aliado às muitas horas passadas em lojas da especialidade velocipédica, nunca esquecendo que ele é Biólogo de formação, o Velopata espera que este artigo se transmorfe numa referência para os muitos moços e algumas moças que pululam por detrás dos balcões, suportes de bicicleta e óleo em monte, a melhor identificar e servir os muitos tipos de clientes que entram pelas suas portas em busca do nirvana pedalante.
A chave taxonómica humana classifica o bicho humano da seguinte forma;
Domínio: Eukaryota
Reino: Animalia
Filo: Chordata
Sub-Filo: Vertebrata
Classe: Mammalia
Ordem: Primata
Família: Hominidae
Género: Homo
Espécie: Homo sapiens
Sub-Espécie: Homo sapiens sapiens
É precisamente aqui, no domínio da sub-espécie, que o Velopata, do topo de toda a sua magnificiência biológica, acredita que Darwin podia ter caprichado. Várias categorias de sub-espécies humanas deviam ter sido levadas em conta como o Enlatado (Homo sapiens enlatadum) ou até mesmo o Gustavo Santos (Homo sapiens narcisus).
Vamos ler com atenção a proposta que o Velopata tem já pronta para entregar junto das mais prestigiadas autoridades científicas do planeta; desde a revista National Geographic, passando pela Nature e terminando no Correio da Manhã.
O Maçarico
(Homo sapiens maçaricus)
O Maçarico é aquele moço que entra numa loja de bicicletas convencido pelos seus párias que:
a) Vai emagrecer e aumentar o seu fitness;
b) Por aumentar o seu fitness, amealhando pontos na aparência, vai sacar mais gaijas;
c) Porque alguém lhe disse que pouparia dinheiro pois este até é apelidado de “o desporto do povo”.
Um ano depois e o Maçarico vê-se a mãos com um infindável número de dilemas; questionando-se porque razão ainda continua a investir neste modalidade pois:
a) está magro que nem um tísico e todos o questionam se está doente;
b) como as gaijas querem é moços a puxar para o forte, o que pode ser interpretado de duas maneiras; forte como aqueles armários que fazem segurança no Urban Beach (aquele sentimento de proteção do macho alfa entupido em esteróides – lógica primata básica), ou fortes como o termo politicamente correcto para catalagoar lambões gordos que comem mais do que deviam, sendo que, os gordos são moços que na primitiva mente humana se associam a ricos (se o gaijo está gordo é porque tem eirios suficientes para estar sempre a comer – parece ser esta a lógica dominante), o Maçarico encontra-se fisicamente á beira da anorexia somali e não se safa, terminando como começou. Sozinho ou divorciado.
c) O maior emagrecimento na sua vida ocorreu ao nível da carteira.
O Maçarico comete o maior erro indicativo da sua inexperiência quando entra por uma loja de maravilhas de duas rodas sem motor e a primeira questão que coloca a quem está por detrás do balcão é;
“Tem bicicletas?”
Sendo um dos espécimes que mais margem para aprendizagem e evolução tem, o Maçarico não só é a presa preferida da indústria das bicicletas, como é um dos preferidos clientes das lojas; é aquele moço que se dirige à loja mais próxima queixando-se de uma estranha dor na planta do pé enquanto pedala e sai da loja com umas rodas novas, daquelas em carbono, 100% carbono, mesmo só carbono, full aero carbono, convencido pelo mecânico que tem o problema de dores nos xispes resolvido.
Regra geral, o Maçarico é posto de parte e olhado com desdém pelos restantes párias, mecânicos e vendedores, pois ainda ninguém lhe conhece o valor no alcatrão, no entanto, uma ressalva deve ser feita na eventualidade de o Maçarico ser efetivamente… Uma Maçarica.
Especialmente se fôr tipo helicóptero… Gira e boa.
Quando se lida com uma fêmea maçarica, o comportamento dos viris enlicrados transmuta-se de tal modo que todos aproveitam para botar discurso, lançando as suas afiadas gânfias sobre a moça com tudo o que é conselho e dica de treino, numa vã tentativa de lhe caír nas boas graças. Ou caír nos bib shorts.
E claro… Em antes que as fêmeas que acompanham este alucinado espaço velointernético se questionem… Sim. Na loja existirá sempre um moço especialista na ancestral arte do trolha que vai fazer a piada da bicicleta sem o selim. Tal é válido não só para as Maçaricas, como também o é para qualquer fêmea pertencente às restantes sub-espécies.
Postos estes factos, não é de admirar que a fêmea maçarica consiga sempre um melhor negócio que a sua versão macho. É tipo lei da vida e a grande razão pela qual o bicho humano se divide em machos e fêmeas.
O Campeão Ressabiado
(Homo sapiens ressabiadum)
Todos conhecem um Campeão Ressabiado.
Seja o habitual vencedor do Tour de Tasco, corrida na qual os párias se juntam ao fim de semana para determinar qual deles é o mais rápido a atingir o tasco na serra, até ao campeão de granfondues, raids, dum-dums e maratonas que crescem como as marcas de bicicletas que decidem conspurcar esta obra de arte do engenho humano com a criação de ebikescoiso, todos conhecemos aquele moço que vence todas as provas que envolvem o uso dos seus invejados pistons.
Quando entra numa loja velocipédica, o Campeão Ressabiado tem toda a certeza ao que vai. Conhece a banha da cobra melhor que o vendedor e sentindo o cheiro de um Maçarico por perto, alguém que o segure, pois rapidamente desbrava todo o seu currículo e portfolio de vitórias. Mesmo aquelas em que, por receio da concorrência, se inscreveu na distância menor, e foi coroado vencedor partilhando o pódio com crianças de 8 anos, idosos de 80 anos e malta com bicicletas tandem.
O Campeão Ressabiado é o tipo de cliente que se entranha na molécula do mecânico; acredita que aquela loja foi ali montada porque são seus leais súbditos, sabe sempre mais e acrescenta uns pontos sobre as últimas novidades do mercado, lê 20 a 30 artigos científicos daqueles da internet relacionados com material e performance, sabe quais são as melhores barras energéticas do mercado, mesmo que o sabor seja um misto de ranço com quejo roquefort fora de validade, chegando a atingir a preponderância de indicar ao mecânico qual a melhor solução para o problema da sua montada.
Se o Maçarico é facilmente identificável quando entra numa loja de bicicletas, o Campeão Ressabiado também o é. É o moço que traz a sua bicicleta para uma vistoria a um clac-clac que ouve enquanto pedala, com a notória diferença que a sua fiel montada vem tão limpa e saudável como uma concorrente da Casa dos Degredos. Parece que na sua higiénica mente, uma bicicleta toda cagada é sinal que sai regularmente e é pro.
Sendo Campeão de tudo e mais alguma coisa, e como bom pequeno português que é, o Campeão Ressabiado termina muitas vezes do mesmo modo que o Maçarico. Sozinho ou divorciado. Que é o oposto da fêmea Campeã Ressabiada. Cobiçada por todos, não há moço que não reflicta sobre a tal piada do selim. Com a diferença que todos adoravam ser aquele espigão.
O Frankenstein
(Homo sapiens upgraiditis)
Se a bicicleta do Campeão Ressabiado peca pela higiene, o que dizer da bicicleta do Frankenstein?
Este é outros dos preferidos clientes das lojas da especialidade velocipédica, no entanto, a sua identificação é por vezes difícil podendo recorrer-se ao seguinte protocolo para o identificar:
1 – compra uma bicicleta idêntica a uma que estava na montra;
2- regressa na semana seguinte porque não gosta dos travões e quer trocá-los por outros da marca T;
3- na 3ª semana, regressa à loja porque afinal o selim não é o mais indicado para si, optando por um selim da marca Y;
4 – regressa á loja dias depois, porque leu na internet que existem uns novos guiadores da marca W, que parecem bem melhores que a reles porcaria que a sua máquina trazia.
5- 5ª semana e cá está ele na loja outra vez, procurando uns novos apertos de espigão, porque ao que tudo indica, os originais da bicicleta recém adquirida não são aero.
Findos meia dúzia de meses e a sua bicicleta nova assemelha-se a uma manta de retalhos de variadas marcas, vendo todos os seus componentes até ao nível do parafuso alterados, até a forqueta já foi substituída por uma nova, mais rígida e aero.
Apesar de dificilmente diferenciáveis, nesta sub-espécie de bicho velocipédico humano, encontram-se duas categorias que importa ao Velopata ressalvar; o Frankenstein Bugigangas (Homo sapiens upgraiditis electronicum), e o Frankenstein Carbonatado (Homo sapiens upgraiditis carbonum).
O Bugigangas, é de mais fácil identificação já que a sua fiel bicicleta se encontra carregada de adereços que pouco ou nada têm de relação com o nobre desporto que é o ciclismo. Como um só GPS não basta, traz preso no guiador um relógio esperto (smart watch, em cámone), luzes dianteira e traseira espertas (só smart, em cámone), daquelas que piscam e coiso quando algum enlatado se aproxima, espelhos retrovisores montados no guiador, póchetes carregadas com material para mudar todas as câmaras de ar e pineus do grupo, bem como um sem número de barras de energia com os mais variados fins; antes, durante, durante mas com larica a sério, recuperação e pós-recuperação do treino. Até barras de triatlo aerocoisas ele prende no guiador, mesmo nunca tendo participado numa prova anfíbia ou pedalado uma distância superior a 100 quilómetros.
Rumores há até de um mafarrico que pedala pela serra algarvia, com um sistema integrado na sua manete direita que, após engrenar uma mudança, comunica com uma piquena câmera instalada no seu avanço e voilá – sai uma selfie que é imediatamente carregada no seu Linked In, Facebook e até Tinder, partilhando com o resto do mundo o seu estado de espírito actual.
Que por norma é… Em sofrimento.
Quem consegue carregar tanta tralha na bicicleta e acreditar que não vai encarochar é porque se esqueceu do pormenor mais importante – a bicicleta serve para pedalar.
No interior de uma loja, o Bugigangas é fácil de identificar pois perde mais tempo a questionar e discutir os algoritmos, chips, taxas de conversão do bit rate e outras parafernálias electrotécnicas do novo GPS que deseja adquirir, ao invés de perceber para que ele realmente serve. O GPS serve para o Strava. Ponto final parágrafo.
Por contraste, o Frankenstein Carbonatado não tem uma bicicleta tão fácil de identificar, devendo recorrer-se ao teste da balança para tal. Rapidamente após a aquisição da sua fiel montada, o Carbonatado não perde tempo em substituír todos os componentes da sua bicicleta por componentes em carbono, daqueles mesmo em carbono, 100% carbono, totalmente em carbono, full aero carbono, ficando com uma bicicleta a rondar os 3 quilogramas de peso mas continuando a não perceber porque, do alto e largura dos seus 110 quilogramas de peso, continua a encarochar à grande todos os fins de semana.
As fêmas do bicho humano são sobejamente reconhecidas por maior apetência para os pandãs, jogos de cores e o-que-vai-bem-com-o-quê, logo não será surpresa para o querido leitor que o Velopata não tenha conhecimento de nenhuma Frankenstein Fêmea.
O Velho
(Homo sapiens geriatricus)
“Ah, eu já não tenho idade para estes ritmos. Gosto mais é de passear.”
Quem nunca ouviu um cidadão da terceira idade (existirão uma quarta ou quinta idades?), proferir tal frase, encarochado por um pelotão de moços mais novos, mais ricos e mais solteiros?
O que o Velho ainda não percebeu é que a hora do seu glorioso nirvana velocipédico já chegou ao fim e incapaz de se render às evidências, opta pela desculpa mais fácil, afirmando que só marcou presença na group ride pelo convívio e passeata, quando na realidade todos sabem que o real propósito da sua presença é a bela da bujeca e sandes de presunto, proibído o consumo pela sua respectiva companheira dados os níveis de castrol, tensão alta e demais maleitas que o afligem no esplendor do P.D.I..
O Velho é aquele cliente da loja velocipédica com quem não vale a pena discutir; desconfia dessa modernice plástica que é o crabone, faz-se acompanhar do seu obsoleto modelo de montada com quadro em aço e manípulos de mudanças ainda no tubo inferior e muitas são as vezes que discute com os mecânicos acusando-os de perceberem pouco das magníficas relíquias de duas rodas de outrora, apesar destes se encontrarem ali num dantesco esforço para que a nobre montada do Velho sobreviva mais uns anos. É aí que fazem ouvir o seu clássico e intemporal chavão:
“Já não se fazem bicicletas como antigamente. Ou mecânicos.”
Para as lojas de especialidade velocipédica, o Velho é um cliente complicado como uma faca de dois legumes (parafraseando o grande filósofo, pensador e caceteiro treinador da bola, Jaime Pacheco). Se por um lado o seu fascínio por material em desuso permite o escoamento de stock obsoleto, por outro lado nunca será visto a comprar o novo modelo de Garmincoiso com todos os sensores incluídos, até aquele bundele onde o novo sensor de cadência esfíncteriana que permite não só saber se a tripa foi completamente descarregada antes de sair para o treino, como também calcular o horror score que um cagaço daqueles ou uma descida técnica conseguem proporcionar.
Entre a indignação que sentem enquanto passam as tardes na companhia do Opinião Pública alternando com a emoção e choradeira das Tardes da Júlia, o Velho não é um cliente fácil de encontrar no habitat velocipédico. Só lá recorre quando é estritamente necessário, o que acontece esporadicamente uma vez que a sua máquina foi feita para durar várias vidas. Pode ainda dar-se o caso de o Velho não ser ainda detentor de uma dessas tecnologias ultra modernas que é a bóxe de um qualquer serviço de televisão por cabo, restringindo-se aos 4 canais de televisão possíveis. Nesse caso, o Velho inúmeras vezes opta por passar dias inteiros na loja, uma espécie de relações públicas velocipédico, onde partilha e recomenda material com base na sua vasta experiência. Por norma termina todos os seus relatos com a frase:
“Já não se fazem bicicletas como antigamente. Ou mecânicos.”
A versão fêmea do Velho pode ser catalogada como um O.V.N.I..
Objecto Velocipédico Não Identificado.
O Velopata nunca viu nenhuma.
Nem pode aqui escrever tal. Estaria a colocar-se em cheque-mate. Vocês percebem.
Abraços velocipédicos,
Velopata
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