Pedido de desculpa velopático

“Grande é a poesia, a bondade e as danças…

Mas o melhor do mundo são as crianças.”

Liberdade, por Fernando Pessoa in Cancioneiro

 

O Velopata pensou muito e chegou a uma de duas possíveis conclusões; ou no dia em que escreveu o poema acima o ópio que fumou já se encontrava fora de prazo ou, num dos seus muitos heterohomónimocoisos, o Nandinho nunca foi um pai acordado às três horas da madrugada por uma goela esganiçada que até os alicerces do próprio prédio abanam que nem verdes juncos. E o que dizer das granadas de fragmentação que são libertadas pela cavidade posterior dos pequenos seres? O Velopata, desde já envia um grande bem-haja ao gajo que teve a brilhante ideia de inventar a fralda descartável pois, sem dúvida, terá sido um dos salvadores da humanidade. Ou pelo menos, da sanidade mental dos pais e mães por essa humanidade fora.

Um facto é certo; se o Nandinho muita fralda tivesse mudado, muito leite tivesse amamentado e ainda assim desse por si incapaz de apaziguar aquela capacidade goelo-pulmonar de um recém-nascido, certamente que não teria escrito a estrofe com que o Velopata inicia esta publicação que apresenta apenas um intuito; pedir desculpa à sua legião de fãs velopáticos.

O Velopata sabe; isto não se faz, vicia-se a malta em espectaculares textos para depois passarem duas semanas em que nada é publicado. Ainda para mais quando a ressaca que a abstinência velopatóide dá é daquelas que nem uma ida ao McDonald´s safa.

A vida velocipédica não está fácil… Bem, verdade seja escrita, desde quando é que o foi; sessões de auto-flagelação nos rolos, intermináveis horas a sofrer sob sóis tórridos ou tempestades de chuva e vento na estrada, passar fomeca para não ganhar peso, poupar eirios para adquirir mais carbono, daquele que é mesmo só carbono, 100% carbono, full aero carbono, mais fome e claro, levar insidiosas sovas de gajos mais novos, mais leves, mais solteiros e com melhor carbono. Um mimo para a auto-estima.

Reformulando, se a vida velocipédica já não era fácil, experimentem adquirir um recém-nascido. A vida leva uma volta de 360º e tudo muda. O tempo que antes era passado a preparar rotas, aventuras, ler e escrever sobre pedalar e mesmo pedalar em si transmorfa-se numa hercúlea tarefa entre mudas de fraldas, auxiliar a Srª Velopata na amamentação do rebento e claro, as cólicas. E se duvidam que as cólicas são lixadas questionem o vencedor do Giro de 2017, o Holandês Cagador, sobre o quão lixadas estas intempéries gastro-intestinais podem ser.

O Velopata poderia escrever que a coisa está preta, no entanto, preto não será a melhor opção cromática para descrever o atual estado da coisa. Indicado seria um castanho-esverdeado; é a cor das granadas de fragmentação que o Velopatazinho todos os dias, várias vezes ao dia, liberta. E lá sai um Velopata em sprint para trocar a fralda ao rebento.

Há muito para escrever e partilhar com a nação velopática; uma análise à espectacular e merecida vitória do Holandês Cagador Dumoulin sobre o nanico colombiano Kingtana e o Tubarão Enxaropado Nibali na centésima edição da Volta a Itália. O relato do que foi a chegada ao pelotão do Velopatazinho. O atual estado e performance do clube dos amigalhaços do Velopata no Strava, The Velopata Ultra Division. Uma antevisão do Critério do Dauphiné, uma daquelas regiões do globo que à semelhança do Tirreno Adriático, ninguém sabe muito bem onde fica mas, o Velopata desconfia, Dauphiné deve ter algo a ver com golfinhos. Tanto texto para trabalhar e tão pouco tempo disponível.

Quando a ressaca aperta e o Velopatazinho dá uma abébia… Quer-se dizer, o Velopatazinho quer mesmo é mamar, dormir e ter roupa seca e quente vestida, a Srª Velopata é que dá as reais abébias ao Velopata e este aproveita para sair a pedalar por esse alcatrão fora pois isso sim é que lhe dá prazer e este espaço cibernético desaustinado ficará sempre para segundo plano.

Portantos, o Velopata pede à sua legião de fãs que tenham paciência e piedade de quem regularmente é forçado a acordar à uma (hei!), duas (hei!), e três da manhã (hei!), é certo que as meninas das Doce não deveriam ter sido mães quando decidiram partilhar com o mundo esta malha; para mudar fraldas carregadas de fragmentos de armas químicas de destruição maciça e auxiliar a actividade de amamentação de um futuro campeão. Até porque o Velopata já leu sobre isso num daqueles estudos da internet onde se afirmava que os melhores ciclistas são aqueles que mamam até tarde. Poderia mesmo ser só mamar na roda mas como nunca se sabe e Velopatazinho prevenido vale por dois, o Velopata faz questão de acompanhar de perto a nutrição do seu rebento.

Fiquem pois com o pedido de desculpas velopático pela ausência de publicações mas como decerto o mui querido leitor entenderá, valores mais altos se alevantam.

Se as crianças são o melhor do mundo?

Tem dias.

Tem dias que é lindo ficar só a olhar com aquela face parva de pai babado para o seu rebento a dormir. Outros dias há que só dá vontade de o levar  à maternidade e pedir a activação da garantia – este deve vir com defeito pois, pura e simplesmente, não se cala logo o Velopata exige um Velopatazinho novo.

O som dos rolos parece diverti-lo, ou será mesmo ouvir o pai a gemer nas suas sessões de auto-tortura que lhe dá prazer? Provavelmente ambas as duas mas uma coisa é certa; aquela capacidade goelo-pulmonar do Velopatazinho, aliada ao seu tamanho de perna, prometem fazer muito ciclista sofrer no World Tour.

 

Abraços velocipédicos,

Velopata

Um comentário sobre “Pedido de desculpa velopático

  1. E deixa-se de andar de bicileta, de tocar guitarra, de ler livros, de ver filmes, de ecsrever, de sair a noite, de sair a tarde e de manha (a nao ser para parques infantis ou encontros com outras gentes que tambem deixaram de fazer isto tudo)… e por amor, diz-se. O ser humano e a experiencia cientifica mais autodestrutiva que se decidiu ‘experimentar’.

    Eu paro no dois. Chega!!!! Sao lindos, sao os maiores, sao meus! Agora e ganhar prazer a ve-los fazer tudo aquilo que um dia eu nao pude. Mas…. pela sanidade do Homem ha que se ter um hobbie, nem que seja pedalo-flagelacao-masoquista. Eu ainda estou a tentar um ao qual o Sindrome de Sjogrens se adapte e nao me mate. Parabens!

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