Muda-Fraldas 2 – O Regresso, Parte I

O Velopata esponjou-se no seu belo sofá, taçinha de variados frutos secos numa mão e cerveja na outra.

“Passas-me o comando?” – pediu à Srª Velopata.

“Para quê?”.

“Para ver uma coisa.”.

“Nem penses. Estou a ver isto.”.

“Tu estavas em modo de vida suspenso, se estavas a ver alguma coisa era para dentro.”.

“Não me interessa. Já sei o que queres ver… É a seca das bicicletas, não é?”.

“É o Paris-Roubaix!”.

“Não me interessa.”.

“Mas é o Inferno do Norte, a Rainha das Clássicas, a Corrida das corridas, aquilo tem pavê em monte, zero ou nenhuma subida, quedas a torto e a direito, carbono partido, clavículas e orgãos amassados enfim, tudo o que o Velopata detesta!”.

“Meninas, atenção que lá vem ele com o Velopata!”.

Cheirando-lhe a festa e a um possível acepipe, a Cadela Descontrolada aproveitou e saltou para o sofá, abanando o rabo de tal modo que quase atirou a taçinha de frutos secos ao chão o que, para sua infelicidade, não aconteceu. Já a Gata Gorda pareceu alheia a todos estes acontecimentos, continuando a fazer aquilo que é a sua especialidade; dormir camuflada como se de só mais um bibelot se tratasse.

Resignada a Srª Velopata lá passou o comando da tv que ainda não é smart para as manápulas do ansioso Velopata.

Os míticos e famigerados sectores de pavê ainda não tinham iniciado a sua caótica acção sobre a corrida, mas esta ia já lançada. Nem uma fuga se tinha destacado, tal era o ritmo imposto pela prozada na frente do pelotão. Prometia-se espectáculo velocipédico.

“Amanhã temos curso. Vais comigo a esta aula, certo?” – se o Velopata não soubesse, diria que a Srª Velopata trabalha na CMTV, tal a sua sensibilidade e timings.

“Uai, curso? O Velopata já tirou cursos mais que suficientes na vida e de pouco ou nada lhe serviram.”.

“Curso de parentalidade no Centro de Saúde, estúpido.” – insistiu.

“Quem é que é estúpido, o Centro de Sáude ou o tal curso?”.

“Não, estúpido és tu. Vens ou não?”.

“Onde?”.

“Mas tenho de fazer como se faz às crianças e desligar-te a porcaria da televisão e do ciclismo? Ao curso de parentalidade!”.

“A sério? Deixa o Velopara ver se percebeu… A nossa espécie tem duzentos mil anos ou mais e chegou até aqui. Povoámos todo o planeta. Vamos ao espaço e temos malta já a viver 24 horas por dia na Estação Espacial Internacional. Mas eles precisam de um curso para aprender a ser pais?”.

“Mas eles quem?”.

“O Casal Velopata.”.

A Srª Velopata abanou a cabeça em desespero antes de continuar a arruinar a contemplação de um Paris-Roubaix que avançava a largas pedaladas para o que aparentava ser uma edição épica;

“Achas mesmo que sabes tudo sobre criar um recém-nascido?”.

“Tudo não, mas não deve ser assim tão difícil, uma mistura de instinto com senso comum devem ser suficientes, não?”

“A que temperatura deve estar a água do banho?”.

“Uai, sei lá. Nem muito quente nem muito fria. Se bem que para auxiliar a recuperação muscular os fisioterapeutas das equipas World Tour recomendam água gelada.”.

“Vais enfiar o teu filho recém-nascido em água gelada?”.

“Nem sempre. Só quando fizermos aquelas sessões de rolos mais intensas.”.

“Mais quais sessões? Mais quais rolos?”.

“Uai, vês como o Velopata bem se queixa que não o ouves? Ele não te mostrou aquele rolo de treino que a Fisher-Pricecoiso inventou para os putos?”.

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De pequenino se torce o Velopatazinho.

“Ai de ti que vás gastar dinheiro numa parvoíce dessas!”.

“Parvoíce? Então mas como queres tu educar um campeão?”.

“Se pensas que vais por o miúdo a sofrer como eu já te ouvi a sofrer nessa porcaria, estás muito enganado.”.

“Pois… É como o avô do Velopata bem dizia; por isso é que nestas gerações de agora os putos são moles.”.

“Sabes que estás cada vez mais parecido com o Velho do Restelo?” – a Srª Velopata também parece ter aprendido algo durante as longas horas de visionamento das etapas do Tour; isto era claramente um ataque à Froomster, uma cadência tal que o Velopata não teria pedalada para acompanhar.

Salvo pelas entusiásticas vozes dos comentadores televisivos à medida que a Corrida das Corridas chegava ao primeiro sector de pavê, o Velopata conseguiu manter-se na roda da Srª Velopata sem ser necessário responder ao ataque.

Durante uma pausa na transmissão televisiva para compromissos comerciais, daqueles onde Lorde Sagan aparece para dizer que gosta muito de cozinhar com o exaustor montado no local errado da cozinha, o Velopata aproveitou para passar os olhos pelo seu bookface.

“Escusas de ir já combinar coisas de bicicletas para amanhã à tarde.” – um avassalador arranque para sprint da Srª Velopata; Greipels, Cavendishes e Kristoffs ter-se-iam sentido diminuídos e envergonhados.

“Uai, mas não ia combinar nada!”.

“E não vais mesmo. De manhã vamos ao curso e à tarde temos de ir às compras. Ainda temos muita coisa para comprar.”.

“Já sei, é a cena do muda-fraldas, certo?”.

A Srª Velopata optou por não responder à provocação barata, brindando o Velopata com um olhar fulminante antes de continuar;

“Esta porcaria ainda demora muito?”.

“Porcaria? Mas isto é o Paris-Roubaix, o Inferno do Norte, a Rainha das Clá…”.

“Achas mesmo que isso me interessa? Até podia ser a Volta à Cochinchina. Quantos quilómetros é que faltam?”.

“Mais ou menos cento e cinquenta. Começaram agora os sectores de pavê e…”.

“Ah, estou a ver que isso vai demorar uma eternidade. Olha, vou para o quarto ler e dormir.”.

Finalmente o Velopata podia apreciar em relativa paz todo o espectáculo que o Inferno do Norte proporciona; quando se tem uma Cadela Descontrolada que aguarda a qualquer instante a chuva de um fruto seco, nunca se está em verdadeiro modo zen.

Ao contrário de outros anos, a sorte bafejou um dos iniciais candidatos à vitória. O Tepstra, vencedor da edição de 2015, acabou esfrangalhado pelo temível pavê após falha da sua Specialicoiso (também o que esperavam de uma Specialicoiso?), Lorde Sagan andou para lá a sacar cavalinhos, cambalhotas, piruetas e ataques sem nexo até que acabou por morrer ainda antes de ter a praia à vista, Tornado Boonen fez uma bela prova, mas acabou provando porque razão está na hora de pendurar os sapatos de encaixe e o Gregório levou para casa o caneco sem nunca ter dado grandes hipóteses à concorrência.

gvaparisroubaix2017
O Gregório todo contente porque venceu, mas mais importante ainda, porque sobreviveu ao Inferno do Norte com todos os orgãos intactos.

Mas para o Velopata, quem fez a corrida das corridas foi um tal de Oliver Naesen. O até agora desconhecido ciclista de 27 anos da AG2R La Mondiale, equipa detentora de um dos equipamentos mais foleiros do World Tour, onde a combinação de azul-bebé e castanho não abonam em nada quando combinados numa jersey, fez uma prova tal que merece todo o respeito e consideração do Velopata.

O homem seguia no grupo da frente quando se esbardalhou no primeiro sector de pavê. Os veterinários da equipa remendaram-no e o moço lá recuperou posições, juntando-se ao grupo da frente. Depois furou. Lá recuperou e juntou-se ao grupo da frente. Caíu uma outra vez. Mais remendos veterinários. Recuperou e esbaforido lá se juntou novamente ao grupo da frente. Furou ainda uma última vez. Recuperou para conseguir terminar no Top 20 da clássica das clássicas. Porque há gajos com sorte, dirá o leitor menos conhecedor das agruras que o Inferno do Norte proporciona a todos os destemidos, ou deverá o Velopata dizer loucos e alucinados, que lá se aventuram montados em uma dúzia de fibras de carbono coladas com resina, protegidos apenas por aero licras e penicos de poliestireno expandido na cabeça.

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Oliver Naesen. Vejam lá se pela expressão do moço não dá para ver como o ciclismo faz bem à saúde. Ou isso ou o moço está triste por estar a ser fotografado envergando a miserável opção cromática da sua equipa.

É como o Velopata já referiu em outras publicações; o Paris-Roubaix só fará sentido para ele no dia em que os enlatados da F1 fizerem provas de rali. De certeza que os gajos lá daquela bebida energética do touro, que é vermelho ou encarnado, já terão pensado nisso. Se ainda não, fica a dica. Velopata sempre a contribuir.

No dia seguinte à hora marcada lá estava o casal Velopata no Centro de Saúde, para o que seria a primeira presença do Velopata no curso de parentalidade. Esta primeira aula seria subordinada ao tema “O Parto”, ou como o Velopata o reconhece, “O dia em que se vai deixar de gastar euros em carbono”.

A docente era uma simpática enfermeira e tudo corria bem sobre rodas 28″; explicaram-se técnicas de respiração para responder às contracções, exercícios a fazer para auxiliar ao correto posicionamento do Velopatazinho para a sua saída, ou entrada na dura vida de campeão, até que, do nada, a Srª Dona Enfermeira sai-se com o seguinte;

“O primeiro sinal de que é chegada a hora do parto dá-se com a saída de uma gosma amarelada ou acastanhada da vagina, a que chamamos de Rolhão Mucoso.”.

´Ca nojo.

O Velopata nem queria mas foi mais forte que ele. Desse momento em diante o cérebro desligou da aula e passou as restantes horas a divagar sobre trocadilhos e piadas com esse tal de Rolhão Mucoso.

Que belo nome para uma banda de música industrial seria, Os Rolhão Mucoso.

Ou que bela ofensa para chamar a um enlatado quando é apanhado num semáforo vermelho após passar uma razia; “Olha lá ó meu g´anda Rolhão Mucoso!”.

As aplicações são infinitas.

“Então, o que achaste da aula?” – questionou a Srª Velopata.

“Tenho sensações ambíguas.”.

“O que é que tu queres dizer com isso? Espera, não sei se quero saber.” – a Srª Velopata já conhece bem o Velopata e até é psicóloga de formação logo, de antemão, já sabia que algo de bom não se seguiria.

“Sabes que ele até estava concentrado na aula mas depois a Srª Dona Enfermeira falou no Rolhão Mucoso e pronto… Foi o descalabro cerebral. Que grande nojice. E pensar que o Velopata até estudou a embriogénese humana no secundário mas nada nos prepara para o Rolhão Mucoso.”.

“Não sejas parvo. Mas a culpa é minha por te trazer para estas coisas. Se fosse coisas das bicicletas de certeza que ouvias tudinho até ao fim.”.

“As bicicletas não têm nada de nojento com´ó Rolhão Mucoso.”.

“Pois não que não têm, eu bem vejo como fica a banheira quando lavas lá as bicicletas!”.

“Ainda assim, com isto tudo ele só espera uma coisa.”.

“O que é que foi agora?”.

“Tem mas é cuidado para ver se esse tal de Rolhão Mucoso não te sai quando estiveres sentada no sofá novo. Deve ser uma nojice ter de limpar isso e ainda por cima a Cadela Descontrolada e a Gata Gorda não vomitaram nem mijaram lá este tempo todo, só faltava seres tu a bodegar o sofá quando devias dar o exemplo.”.

“Fshfvndvnortrbbntk….” – são raras as vezes em que o Velopata consegue que a Srª Velopata também emita sons semelhantes ao Mutley das Wacky Races. O que significa que a Srª Velopata está a ganhar hábitos velopatóides e isso, queridos leitores, não é bom sinal.

Estava programada uma visita a várias lojas de material para bebés mas uma vez que esta publicação já vai longa e depois os mui queridos leitores mandam vir com o Velopata porque escreve como pedala e os textos nunca mais acabam, ele tomou a acertada opção de continuar a saga da aquisição do muda-fraldas numa próxima etapa.

 

Abraços velocipédicos,

Velopata

Um comentário sobre “Muda-Fraldas 2 – O Regresso, Parte I

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