Refastelado no seu novo sofá gigante que ocupa a maioria da área da sala, o Velopata pediu à Srª Velopata;
“Dás-me aí o comando da televisão?”.
“Para quê?”.
“Para que haveria de ser? Para mudar de canal. Quero ver uma coisa.”.
“Se vais meter nas bicicletas deixa-te de ideias. Aquilo é uma seca e não fiz mal a ninguém.”.
“Lá estás tu a ofender gratuitamente o desporto mais bonito do planeta.”.
“Bonito é eu estar grávida e tu espetares-me estas secas.”.
“Até parece que estás interessada em fazer risoto de holotúrias. Ou strogonoff de cardos.”
“Não me interessa. Não quero ver essa porcaria. Estou grávida e tenho direitos.”.
“Já chega de usar as ovas como desculpa para tudo e mais alguma coisa. Ou é a cena dos desejos e está realmente a apetecer-te comer arroz com pepinos do mar ou mesmo cardos cheios de picos mergulhados em molho de leite?”.
Pelo menos por uma vez contra factos do Velopata não haveriam argumentos da Srª Velopata. Contrariada e de bochechas inchadas do amúo a Srª Velopata passou o comando para as mãos de um Velopata ávido de ciclismo que se apressou a mudar de canal para poder acompanhar a emissão da mui querida Volta ao Algarve.
“Vês? É a nossa volta. Tem um je ne sais quois poder ver os profissionais a percorrer as estradas que tantas vezes já percorremos.”.
“É muito lindo sim, não haja dúvidas. Olha, esta porcaria dura quantas horas?”.
“Infelizmente é só a última hora de prova que vão transmitir mas é melhor que nada. É um grande avanço para o Algarve poder ter esta prova transmitida para todo o mundo. É bom para o turismo.”.
“Sabes o que é que era mesmo bom e um grande avanço?” – o Velopata de antemão já sabia que esta pergunta trazia água no bico e optou por ficar calado não fosse a Srª Velopata pedinchar um seitan com natas ou um ensopado de tofu às quatro da tarde, vítima dos desejos pré-desova.
“Bom mesmo era que escolhesses um nome para o teu filho.”.
Se a Srª Velopata não fosse psicóloga de formação, a sua capacidade de esmurrar estômagos e partes baixas à queima-roupa poderia perfeitamente tê-la levado a seguir uma carreira de sucesso no boxe profissional feminino ou mesmo no Vale Tudo.
Na manhã desse dia o casal Velopata deslocou-se até ao Hospital onde, através de uma parafernália de maquinaria, pode ver o Velopatazinho, ou zinha, no interior do ventre da Srª Velopata.
“Não se consegue perceber muito bem.” – dizia a Srª Velopata à médica.
“Pois, olhe que isto não está fácil, o bebé está sempre de costas. Não me leve a mal mas parece ser um bebé um pouco do contra”.
“Não me admira, sai ao pai.” – retorquiu a Srª Velopata.
Orgulhoso o Velopata sorriu. Não é sem muito trabalho, esforço e dedicação que se vence o prémio de Colaborador do Contra, lá onde o Velopata afincadamente trabalha.
“Sei que para o olho destreinado pode parecer um pouco alien mas aqui pode ver as mãozinhas e…”.
Esta afirmação da médica fez o Velopata soltar uma sonora gargalhada. Atónitas, Srª Velopata e médica desviaram o olhar dos ecrãs para o Velopata que rematou;
“Havia de ser bonito se dissesse uma coisa dessas, que parece um alien. Passava o resto do dia a ouvir poucas e boas.”.
A verdade é que ambas tomaram a melhor opção e ignoraram o Velopata.
“Querem saber o sexo do bebé?” – questionou a médica.
“Gosto!” – respondeu prontamente o Velopata, a única resposta que o cérebro de um macho-alfa consegue descortinar ao ouvir aquela palavra mágica.
Após uns consternantes e silenciosos segundos em que a Srª Velopata e a médica trespassaram o Velopata com um olhar fulminante a Srª Velopata, envergonhada pela anterior tirada do seu respectivo respondeu;
“Queremos saber sim.”.
“É um menino.”.
“Peço desculpa mas posso sair por cinco minutos?” – perguntou o Velopata.
“Pode sim.” – respondeu a médica perante o olhar atónito da Srª Velopata.
“Onde é que vais? Vais já telefonar aos teus pais?” – pelo olhar o Velopata percebeu que a Srª Velopata reprovava a decisão de a deixar a sós com a médica.
“Não te preocupes. Tenho algo importante a fazer e volto já.”.
E de imediato o Velopata raspou-se daquela sala carregada de parafernália pré-natal, correu pelos corredores do hospital até encontrar a primeira varanda vazia e gritou ao mundo;
“Ponham-se a pau Froomsters e Kingtanas deste mundo! Vem aí um Velopatazinho! É um Velopatazinho! É um Velopatazinho! É um Velopatazinho!”.
Lá embaixo, nas ruas e ruelas de acesso aos edifícios hospitalares, vários transeuntes observaram um Velopata esbugalhado e delirante. Pelas suas expressões percebia-se que estavam na dúvida; teria o hospital inaugurado um sanatório?
“Em que nomes já pensaste?” – já que não podia ver o programa culinário que ensinava a produzir uma espectacular sopa de mal-me-queres a Srª Velopata apostava claramente em arruinar a visualização da Volta ao Algarve.
“Não pensei muito mas tenho uma ideia.”.
“Até tenho medo de ouvir mas que ideia é essa?” – a Srª Velopata já arqueava o sobrolho.
“Bem, está previsto que o Velopatazinho nasce em Maio, ou seja, durante a Volta a Itália, certo?”.
“Ai, o que é que vem daí?”.
“Deixa-me acabar… E que tal se o nome do Velopatazinho fosse o nome do vencedor da etapa desse dia? É uma boa ideia não?”.
“Só podes estar a gozar.”.
“Uai, então?”.
Antes que a Srª Velopata pudesse refutar a ideia o comentador televisivo da Volta explodiu de emoção – “E aí está, Ramunas Navardauskas lança-se ao ataque!”.
“Queres mesmo que o teu filho se venha a chamar Ramonas Navalha das Cascas?”.
“Quem?” – questionou um Velopata cerebralmente dividido entre a conversa e o acompanhar da volta.
“Esse, o coiso que vai aí lançado agora?”.
“Não sei se ele vai à Volta a Itália mas não vejo assim grande mal.”.
“A sério? Achas que o teu filho ter o nome de Ramonas Nada de Verdascadas ou lá o que é seria prenúncio de uma boa adolescência? Já imaginaste bem o que ele vai ser gozado quando chegar ao liceu?”.
“Isso seria só até às primeiras vitórias.” – Velopata sempre esperançoso.
“Mas quais primeiras vitórias? Tu nem sabes se ele vai gostar de andar de bicicleta. Além de que já te disse que não vais fazer pressão nem lavagens cerebrais à criança.”.
“Sim, eu sei. Mas estás a esquecer-te do ditado popular.”.
“Que ditado popular?” – percebia-se que a Srª Velopata tinha sido apanhada de surpresa.
“Filho de Velopata sabe pedalar.”.
“Eu devo ter feito muito mal numa outra vida para ter de aturar isto.”.
“Também acho. Cá para mim numa outra vida foste uma enlatada que atropelou um ciclista e fugiu! Agora estás a pagar a fatura”.
“Só pode. E estou a pagar com juros e tudo. Pensa mas é num nome a sério para o teu filho e deixa-te dessas ideias parvas. Olha ainda falta muito para esta porcaria acabar?”.
“Não, estamos nos últimos três quilómetros de subida.”.
“Três quilómetros de subida? Ah, isso é tão emocionante que ainda vão levar uns quarenta e cinco minutos a fazer esses três quilómetros. Olha vou mas é para o quarto descansar. Daqui a uma hora, quando isso acabar logo me acordas que já deve ser hora de jantar.”.
“Por falar nisso, o que temos para jantar hoje?”.
“Não sei, temos ali uma data de coisas no frigorífico, porquê?”.
“Estava a pensar ir ali ao mato apanhar uns cardos para fazer strogonoff. Mas tiras tu os picos porque se eu espeto aquilo num dedo depois vejo-me aflito para mudar as mudanças na bicicleta…”.
“Estúpido.” – retorquiu uma Srª Velopata bocejante que já abandonava a sala.
E foi assim, legião de leitores velopatóides, que o Velopata descobriu quem será o vencedor da Volta a Portugal em 2041 e a etapa do Alpe d´Huez, ou mesmo do Mount Ventoux, no Tour de 2042 – o Velopatazinho nos seus 25 anos. Claro que tal só será possível contando que o Alejandro Valverde se reforme pois pelo andar da carruagem, mais 5 ou 6 anos e ele finalmente vencerá Giro, Tour e Vuelta no mesmo ano. Não deixa de ser curioso que a cada ano que passe, El Bala, ao contrário do resto da população mundial que piora à medida que envelhece, está cada vez melhor e desanque tudo o que é malta jovem no pelotão World Tour. O Velopata não sabe o que ele toma mas se para o ano ele vier à Volta ao Algarve, o Velopata vai lá tentar arranjar um bidon cheio do que quer que seja que ele bebe.
Abraços velocipédicos,
Velopata