Velonatal 2016

Chegámos à quadra festiva que é o Natal.

E como em todas as épocas festivas, o Velopata sofre.

Sofre porque tem menos tempo para treinar, sofre porque come que nem um alarve e treinando menos, engorda. Sofre por antecipação, a engorda é inevitável e sabe que terá depois longas sessões de autoflagelação nos rolos. Sofre porque os trocos estão contados e aquele novo desviador frontal com 10% mais carbono que a versão anterior já fica fora do orçamento. Sofre porque as marcas escolhem apresentar nesta época as novidades, como as novas meias de ciclismo em carbono, modelo full aero.

“Existem outras prioridades na vida!” – insistiria a Srª Velopata.

“Este ano não vais comprar nada das tuas coisas das bicicletas. Precisamos de um sofá novo e eu preciso de uma Bimby.” – foi com estas duras, frias e calculistas palavras que a Srª Velopata acabou com a discussão do Orçamento de Estado Natalício do Centro do Universo Conhecido do Velopata.

Sofá novo.

Bimby.

Lista de compras natalícias do casal Velopata assinada, sem negociação ou lubrificante, mas claro está que o Velopata não se rende sem afincada luta. Na manhã seguinte foi na casa de banho do casal Velopata, enquanto ambos se preparavam para mais um dia de trabalho, que um Velopata confiante regressou à carga, focado num único e singular objectivo; conseguir comprar uma prenda para a Estrela Vermelha. Ou para a Brownie. A Cappuccino também já merecia uma atenção. Ou até mesmo o pobre Cangalho que tanto sofre nos rolos, deve ansiar há muito por um miminho que não súor, baba e ranho.

“Não me vais oferecer nada? Não vamos ter nada para abrir na noite de 24? É assim; um sofá, uma Bimby e pronto? Onde está o teu sentido românticónatalício, a nossa árvore decorada na base com vários embrulhos bonitos e prendas que depois oferecemos um ao outro…” – o Velopata tentou o velho e belo truque da chantagem romântica.

“A gata já destruíu meia árvore e não se podem arrumar as prendas por baixo da árvore não vá a cadela vomitar. E prenda? Já lá tens uma.”.

“É o quê?”.

“Não sejas parvo que não te vou dizer.”.

“Como ainda não pedi nada já sei o que é. É um perfume”.

“É estúpido.”.

“A prenda é estúpida?”.

“Não, oferecer-te perfume é que é estúpido. Quase não usas e regressas sempre a cheirar a bedum.”.

“É o cheiro a macho. Então e… É só o perfume?”.

“Como assim, é só o perfume?” – desconfiada, a Srª Velopata levantou o sobrolho.

“A nossa casa de banho tem eco.”.

“Não te chega o perfume?”.

“Não me ofereces mais nada?”.

“O sofá é caro.” – o tom de voz da Srª Velopata ficou seco.

“Sério?! Só vou ter uma prenda para desembrulhar?”.

“A Bimby também não é barata.” – se estava seco ficou um deserto.

“Um… Mísero… Perfume?” – o Velopata tentou o look coitadinho, aperfeiçoado ao longo dos anos por inúmeras observações das sessões de pedinchanço da Cadela Descontrolada.

“Se queres comprar coisas das bicicletas estás a bater à porta errada.”.

“É que sabes? Todos os anos por esta época as lojas fazem promoções.” – o Velopata adoptava uma estratégia alternativa.

“O que é que tu compráste?”.

“Não comprei nada. Ainda.”.

“Como o Velopata estava a dizer…”.

“Meninas fujam que lá vem ele com o Velopata.”.

Presença assídua nas sessões matinais de aprumo social no wc do casal Velopata, a Gata Gorda e a Cadela Descontrolada agiram de acordo, fugindo e deixando o casal finalmente a sós;

“Como o Velopata estava a dizer. As lojas fazem promoções; reduzem o preço do carbono nas bicicletas, fazem créditos com prestações a carbono, e o Velopata sente que chegou a hora.”.

“A hora do quê? De parar de ser parvo?”.

“Não, está na hora do Velopata comprar uma BTT.”

Perante o silêncio atordoado da Srª Velopata, ele continou;

“Roda tuénináiner.”.

“Bêtêtê?” – a Srª Velopata já ouviu o Velopata comprar mil e uma bicicletas. Mas era a primeira vez que o Velopata referia uma BTT.

“Isto não é impressão minha, a nossa casa de banho faz mesmo eco!” – 1-0, vençe o Velopata.

“Mas para que é que tu queres uma bêtêtê?”.

“Dizem que é para andar no mato.” – 2-0, o Velopata soma e segue.

“Sabes o que é isso?”.

“Não.”.

“Isso são os teus amigos a fazerem-te a cabeça. A seguir vais-me desaparecer para ir fazer aventuras de quinhentos e tal quilómetros de bêtêtê sabe-se lá onde no meio do mato. Ganha juízo.”.

O Velopata explodiu em riso. Até porque era verdade. Os comparsas de pedalada do Velopata todos lhe dizem para experimentar o BTT. Que vai gostar. Roda tuénináiner.

“Opá só tu! A culpa é dos meus amigos?” – mesmo sendo verdade o argumento da Srª Velopata era cartada baixa e o Velopata não podia deixar passar impune, afinal é ou não o macho alfa da casa?

“Amigos sim e realmente tens razão! A casa de banho faz eco.” – 2-2. Empate feito de uma assentada e o macho alfa esvaíu-se ralo abaixo. Não satisfeita, a Srª Velopata partiu para a técnica de colocar o dedo na ferida;

“Deixa-te de ideias que tu mal tens dinheiro para a manutenção daquele mastronço vermelho…”.

“Estrela Vermelha se faz favor.”.

“Cada vez que acontece uma desgraça com essa bicicleta é um ai acudam! Vais-te meter no bêtêtê e vais-me aparecer sempre aqui todo partido e com a bicicleta escavacada e depois gastas tudo em carbono e a renda? E as contas?”.

Contra factos da Srª Velopata não há argumentos do Velopata.

Nessa tarde, foi um almariado Velopata e uma triunfante Srª Velopata que entraram no centro comercial. De modo a maximizar o tempo enclausurado na Fortaleza do Capitalismo o casal Velopata separou-se; a Srª Velopata seguiu para a farmácia e o Velopata aproveitou para ir carregar a sua arma secreta – o isqueiro de carbono. Despachado, o Velopata seguiu ao encontro da Srª Velopata, retida na farmácia;

“Ainda estás à espera?”.

“O que é que tu estás aqui a fazer?”.

“Ouvi dizer que eras a minha mulher, tipo esposa e coiso e vim cá ter.”.

“Não era suposto estares aqui agora.”.

“Uai, mas que tal é essa? O que é que foi agora?”.

“Tenho de comprar uma coisa.”.

“E eu não posso ver? Preferia que me tivesses dito isso se estivéssemos na Sex-Shop. Aqui na farmácia não tem tanta piada. “.

“És estúpido. Eu preciso de um teste de gravidez.”.

 

 

O Velopata coloca aqui pausa dramatúrgica para permitir o relaxe do leitor e que recupere o ritmo cardíaco normal.

 

 

Só mais um pouco para deixar a ideia assentar bem.

 

 

Vem aí um Velopatazinho.

Ou zinha. O casal Velopata ainda não sabe.

“Tens a certeza que é teu?”

“Estúpido.”.

“Tens a certeza que é meu? A malta já frizou que passo muitas horas a pedalar.”.

“Estúpido.”.

“Sabes, acho que a farmácia também faz eco.”.

“Parvo.”

“Sabes que isto é um problema não sabes?”.

“Problema? Sério? Eu digo-te que vamos ser pais e tu achas um problema?”.

“Claro. Nenhuma das minhas bicicletas dá para transportar um puto.”.

O casal Velopata está prestes a iniciar a mais dura e longa jornada das suas vidas e o Velopata sente-se a descer o Alpe D´Huez.

Descer o Alpe D´Huez não é assim tão difícil dirá o leitor, seria pior a subir.

Não, o Velopata sente-se a descer o Alpe D´Huez, sim.

À noite.

Com nevoeiro.

Sem luzes.

Numa bicicleta de carreto fixo.

Sem travões.

E a chover.

“Rapaz ou rapariga?” – questionou a Srª Velopata.

“É-me indiferente. Mas preferia rapaz.” – o Velopata, pelo menos, é honesto.

“Por causa das bicicletas não é?”.

“Não forçosamente.”.

“Como assim?”.

“O prémio monetário é superior nas provas de ciclismo masculinas.”.

“Só podes estar a gozar. Para castigo ainda te vai sair uma menina!”.

“Também há o Tour feminino. E o Giro e a Vuelta em versão feminina. Só que ganham menos.”.

“Ainda te vai sair um filho que destesta bicicletas. E tira já o cavalinho da chuva que não vais meter pressão em cima da criança para andar de bicicleta!”.

“Até parece que não me conheces. É claro que não lhe vou colocar muita pressão.”.

“Já li vários artigos sobre crianças com grandes depressões devido à pressão dos ressabiamentos dos pais.” – a Srª Velopata tem razão pois é psicóloga de formação. Reza a lenda que a Srª Velopata decidiu publicar um estudo intitulado O Velopata, análise do estado clínico, e que desde então a sua missão de recolha de material nunca mais terminou. Finalmente a sua investigação atingiu uma fase em que se tornou inevitável colocar o corpo ao manifesto e procriar com o Velopata, carregando a honra de trazer ao mundo um dos futuros vencedores da Volta a França.

“Não te preocupes que não lhe vou colocar muita pressão em cima. Até porque os objetivos já estão definidos.”.

“Hã? Quais objectivos?”.

“No mínimo quero uma vitória à geral na Volta a Portugal e que vença uma etapa no Tour. Não é muita pressão.”.

E não é que o Velopatazinho, ou zinha, ouviu e já começou a treinar? O futuro parece promissor.

bebe
O Velopatazinho, ou zinha, já pratica nos rolos!

Esta é a prenda do Velopata para todos os seus leitores.

Votos de um Feliz Natal com muitas prendas velocipédicas, paz e amor no mundo, menos crianças a morrer afogadas no Mediterrâneo e salvem os golfinhos, o ambiente e coisas assim.

PS: Pai Natal, vai à merda. Que eu pedalo o ano todo para dar o exemplo, faça sol ou chuva como aquela que deixou o Velopata ensopado até aos ossos no escritório durante todo o dia, logo mereço. Quero uma action cam. E não, não é uma câmara para fazer filmes de acção daqueles como a Quime Quádarchiane. É mesmo para filmar as aventuras do Velopata e mais tarde quiça as do Velopatazinho. Ou zinha.

Merda.

Lá se foi a minha tuénináiner.

O Casal Velopata, a Gata Gorda, a Cadela Descontrolada e o Velopatazinho, ou zinha, desejam a todos um Feliz Natal!

 

Abraços velocipédicos natalícios,

Velopata

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