Há uns tempos atrás em conversa no Bike Lounge em Faro o Velopata ouviu em tom bem convicto um jovem dizer;
“Para treinar vou sozinho, para passear, vou em grupo”.
Até consigo entender. Mas o que este jovem na realidade queria dizer era;
“Para me sentir o maior vou sozinho, para ser enxovalhado vou em grupo”.
Ontem o Canhão de Lagos e o Rei do Barranco desafiaram o vosso amigo Velopata para um passeio até à Fóia. De antemão já desconfiava que a probabilidade de chegar à Fóia era escassa, não só na véspera, enquanto se combinavam horas e ponto de encontro, como durante o percurso já surgiam reticências em relação ao destino final. É um hábito na Evo Team – combina-se uma volta e a meio do percurso tudo muda porque pura e simplesmente a malta já não se aguenta nas pernas. Ainda por cima o percurso passava por São Marcos da Serra e o temido Alferce antes de chegar a Monchique para aqueles terríveis quilómetros finais até à Fóia.
Ficou combinado o encontro em São Brás de Alportel e para não variar o Velopata saíu de casa atrasado. Para ajudar à festa uma ventania lateral desgraçada. Fui-me mentalizando para ouvir;
“És sempre a mesma coisa! Chegas sempre atrasado! Qualquer dia vamos-te buscar a casa! Tens de respeitar os horários! Tens de respeitar os mais velhos!”.
Já tentei explicar que o Velopata é como o Gandalf – nunca chega atrasado, chega exatamente à hora em que é necessária a sua presença. O problema é que os Evos nunca viram o Senhor dos Anéis (sacrilégio eu sei, nem devia pedalar com gente desta mas enfim…).
Lá seguimos até ao Barranco do Velho. Começam as primeiras queixas;
“Eu por mim ficava era já aqui!” – o Canhão de Lagos dispara. Pólvora seca.
“Bem, não começem! Paramos em Alte que hoje é dia de fatias douradas!” – o Velopata já sabia que parar com apenas 30 quilómetros feitos seria a morte dos artistas além de que acordou logo de manhã a salivar com a ideia de uma fatia dourada.
50 quilómetros feitos e chegamos ao Germano Biciarte Café. O Canhão de Lagos e o Rei do Barranco ficaram-se pelo café mas o Velopata saboreou com pompa e circunstância a última fatia dourada. Parece que um outro grupo de ciclistas já lá tinha estado e o desbaste estava feito. Lambões.
Quebrando o momento quase religioso de deglutição da fatia dourada o já aguardado momento tem início;
“Ah, não tenho treinado…”
“Não trouxe luzes. Se calhar não dá tempo para regressarmos ainda de dia”.
“Só trouxe manguitos. Quando descermos a Fóia vou morrer de frio!”.
“Está muito vento, aqueles últimos quilómetros vão ser horríveis!”.
O leque de desculpas estende-se.
E o Velopata protesta.
O Rei do Barranco ri-se.
O Canhão de Lagos concorda em seguir mas avisa do seu plano B;
“Eu desço é da Fóia para Portimão e regresso a Faro… Mas de comboio!”
Seguimos viagem pelo IC1 até São Marcos da Serra. O vento está agora pelas costas o que permite carregar nos pedais com fé. O Velopata toma a liderança do grupo. E é aqui que a chinela começa a cantar. Conhecendo estes 2 comparsas, as suas técnicas de redução do ritmo já são óbvias; o Rei do Barranco tenta puxar conversa, conta histórias dos seus amigos civis; já o Canhão de Lagos prefere pura e simplesmente gemer lá atrás “Menos…”.
Passamos São Marcos da Serra e atingimos as primeiras rampas que sobem para o Alferce. O Canhão de Lagos despede-se com um sofrêgo “Até já!” e desaparece para trás. O Rei do Barranco ainda se tentar manter na roda deste vosso amigo mas queixando-se do calor também ele fica para trás. O Velopata sente-se o maior. O mais grande. E é aqui que entra a lição número 1 da metodologia de aumento do ego velocipédico; se queres ser o maior treina com malta mais fraca.
Sendo o primeiro a chegar ao parque de piqueniques do Alferce o Velopata aproveitou para encher os cantis com a fresca água de Monchique e comer qualquer coisa antes da famigerada subida à Fóia. Pouco depois, na realidade pareceu uma eternidade, chegam os meus companheiros. Um simpático casal que por ali piquenica pergunta-nos se queremos comer alguma coisa. As pessoas revelam-se uma simpatia para com os ciclistas em sofrimento.
Já exausto o Canhão de Lagos assume a derrota. Não quer sofrer até lá acima e prefere ficar apenas por Monchique. Desanimado sou obrigado a um compromisso;
“Vá, podemos não ir até à Fóia mas sendo assim voltas comigo para Faro de bicicleta!”.
“Sim, pode ser. Comemos qualquer coisa rápida em Monchique e seguimos viagem por Silves”.
“Por mim pode ser. Eu já morri três vezes mesmo…” – o Rei do Barranco, longe dos seus momentos de glória também já está por tudo.
“Por Silves vamos apanhar aquelas estradas manhosas mas pode ser. Prefiro ter a vossa companhia a ter que regressar sozinho” – o Velopata sabe que um pouco de graxa nunca fez mal a ninguém.
Fazemos os últimos quilómetros até Monchique em amena cavaqueira pois ao mínimo aperto o Canhão de Lagos fica para trás.
Em Monchique pedimos 3 sandes, 2 de presunto e uma de queijo (o Velopata não come animais, seus amigos), sendo surpreendidos por sandes tamanho XL Familiar. Eu nem quero imaginar o tamanho do pão-mãe de onde estas fatias foram cortadas. Consequentemente as sandes foram almoço e jantar. Enquanto comemos vemos passar vários praticantes de BTT provenientes do Raid de Monchique. Alguns aparentam um senhor empeno. Carregamos na cafézada, enchemos cantis e seguimos viagem.
No regresso mais uma vez o Velopata sente-se o maior. Qualquer aperto e imediatamente os meus comparsas ficam para trás. Que bem faz ao ego pedalar com quem não treina. Senti-me um Froomster do Entroncamento.
Já perto do Purgatório o Rei do Barranco admite ter de parar para se hidratar. Que é um eufemismo para quem está todo roto e cheio de sede. E é aqui que nos apercebemos de um erro crasso – a mudança de hora implica que dentro de uma hora será noite e ainda nos faltam aí umas duas horas até Faro. Está a barraca armada.
Carregamos até Faro não sem antes ser obrigado a puxar as orelhas aos dois. Então não é que na primeira descida que apanhamos aqueles desgraçados, em vez de carregar, começam na converseta?!
“Ei! Já é quase noite! Nas descidas é para pedalar!” – em resposta recebo duas faces bem carrancudas.
O medo de chegar à noite faz com que se acelere o ritmo e não haja conversa.
Em Loulé separamo-nos e sigo viagem por Santa Bárbara de Nexe – Santo Ikea! Finalmente arranjaram estas estradas!
Chego a Faro já de noite e sem luzes – um verdadeiro Bike ninja!
207 quilómetros com 3,216 metros de acumulado em 7 horas e 31 minutos. Um bom dia em cima da Estrela Vermelha e em boa companhia. Venham lá mais dias assim!
Abraços velocipédicos,
Velopata